Correio da Manha - Domingo

A BOLA AINDA É REDONDA?

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA

Num dia cinzento de um plácido ano do início deste século, Domingos liga ao filho, ofegante e indignado. “Estás a ver esta pouca vergonha?!” Pela TV, o octogenári­o segue o jogo do seu Benfica com um modesto clube do fundo da tabela. O filho, Manuel, suspira .“Pai! acalme-se! o benfica não está a jogar nada, mas está a ga

nhar !” Manuel não entende o alvoroço do velho .“Não vês ?! saiu oq ui me entrou o

Moretto!” O guarda-redes Quim, lesionado, acaba de dar lugar ao brasileiro Moretto. Manuel queda-se confuso. Domingos explica-se melhor. “Já viste que não está a jogar nenhum português!” É verdade. De encarnado, correm brasileiro­s, uruguaios, argentinos e até um paraguaio.

Domingos é dos velhos tempos, de quando os donos dos clubes eram os sócios e mais uns quantos benemérito­s endinheira­dos. E do tempo pré-histórico do Benfica, que fazia gala de alinhar só com portuguese­s, ainda que fossem africanos, como Eusébio ou Coluna. Só em 1979, por aceitação da Assembleia-geral, o Benfica começou a contratar estrangeir­os. O brasileiro Jorge Gomes foi o primeiro não português a envergar a camisola encarnada. Domingos torceu o nariz mas adaptou-se aos novos tempos. Ainda assim, aberta a ‘caixa de Pandora’, foi preciso esperar mais de 30 anos para que o clube da Luz começasse um jogo sem qualquer português no onze inicial.

Hoje, sabe-se quem são os donos da bola e dos principais 100 clubes do mundo - milionário­s americanos, chineses, russos, indianos, árabes. A riqueza líquida estimada dos donos desses 100 clubes é de quase 950 mil milhões de euros, indicava em 2020 um relatório do Football Finance. Um valor mais de quatro vezes o PIB de Portugal. O futebol é agora um grande negócio, ainda que com vários alçapões. É lógico que, quando os 12 clubes “ricos” insistem numa superliga europeia, estão a gerir aquilo com que se compram os melões e os clubes de futebol; e muito provavelme­nte a organizar a lavagem de proventos de outros negócios sem bola. Mas, como sempre, é o dono da bola que escolhe a equipa e a táctica de negócio.

Até morrer, Domingos recusou-se teimosamen­te a aceitar estes novos donos da bola. Mas manteve a fé no futebol, com a sua máxima de sempre. “Numjogodef­uteboltudo­épossível!são11parac­adalado eabolaéred­onda!” Mas será que a bola ainda é redonda?

“Hoje sabe-se quem são os donos da bola e dos principais clubes…

 ?? ANTIGA ORTOGRAFIA ??
ANTIGA ORTOGRAFIA
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal