Descolonização origina o neologismo `retornados'
A GUERRA CIVIL EM ANGOLA OBRIGA A CRIAR UMA PONTE AÉREA LUANDA-LISBOA. O DRAMA É RETRATADO POR ESCRITORES COMO ANTÓNIO LOBO ANTUNES, FERNANDO DACOSTA OU DULCE MARIA CARDOSO
Emlisboa,capitaldeumimpério a ruir, o poder oscilavaentresedespartidáriase quartéis politizados, conspirações de bastidores e manifestaçõesderua. E, no verão de 1975, fugidas da guerra civil em Angola, desembarcavam na Portela milhares de pessoas que tinham ficado sem familiares, bens, poupanças, honra, esperança – a que se viriam juntar, com a descolonização, refugiados de Moçambique a Timor.
Surgiu o neologismo “retornados”, embora muitos não estivessem a retornar. “Sou angolano de nascença, assim como eram meus pais e meus avós”, esclarecia um leitor de ‘O Retornado’. As cartas dirigidas àquele semanário descrevem mui- tos dramas: “Corri ao meu quarto e encontrei a minha mulher a dar de mamar à fi- lha de sete meses, mas am- bas estavam mortas, igual- mente à rajada”, como sucedera ao “filho de 8 anitos”. Após o “êxodo” dos que “assistiram a torturas, fuzilamentos, violações [“de esposas e filhas”] e um sem número de atrocida- des”; foram muitos a parti- rem só com a roupa que tinham no corpo e dinheiro sem valor no bolso (a moeda das colónias não era convertível); e sentiam-se “espoliados e ofendidos, humilhados e espezinhados”.
“Bué” de missangas
Além dos jovens, de pulseiras com “bué” de missangas, que “trocavam” Luanda ou Lourenço Marques por aldeias atrasadas, gélidas e preconceituosas, houve outros choques, relatados no jornal: “Porque é que refugiados ultramarinos mendigam, passam fome, dormem ao relento e são vexados?”; “chamam-me colonialista e ladrão”; “terei realmente de roubar para comer?”
Mas seriam reintegrados com maior facilidade que os das ex-colónias francesas ou italianas – e, como escreveu Fernando Dacosta, “os retornados mudaram Portugal”.
“Assistiram a torturas, violações [`de esposas e filhas'] e um sem número de atrocidades”