Correio da Manha - Domingo

“O pai perguntou-me se eu sabia onde estava o corpo do filho”

FUI PARA O ULTRAMAR COMO PRIMEIRO CABO ESCRITURÁR­IO E CONSEGUI TIRAR VÁRIOS CAMARADAS DO MATO, ONDE CORRIAM MAIS PERIGO. A MINHA COMPANHIA PERDEU 11 HOMENS EM MUEDA

- Inocêncio José Baixinho COMISSÃO

Embarcámos no `Niassa' no dia 20 de maio de 1970. Não era nenhum paquete de luxo. Tive uma forma- ção ao nível do SPM (Serviço Postal Militar), era responsáve­l número 1 pelo correio da compa- nhia. Chegámos a Louren- ço Marques no dia 10 de junho, dia de Portugal. Havia lá um desfile das vá- rias forças armadas e nes- sa altura entregaram uma espingarda, fardas e botas a cada um. O meu capitão tirou-me logo a arma, a mim e aos dois cabos es- criturário­s. Depois fomos para norte, para a Beira e para Nacala. Quando che- guei a Nacala fomos numa coluna de reabasteci­men- to direitos a Mueda, Cabo Delgado. Foram aí os hor- rores maiores que eu vi. O que mais me custou foi ver os meus camaradas mortos… chegaram a morrer cinco de uma vez e os que se salvaram ficaram destruídos, aleijados, um sem cérebro, uma coisa tremenda. Ver tanto cadáver ali é uma coisa que não dá para esquecer. Ainda hoje sofro com isso, com aquilo que vi e foi há mais de cinquenta anos.

Avisar a família

O que mais me custava era fazer o aviso à família. Todos nós tínhamos uma fi- cha que dizia a quem dar conhecimen­to em caso de morte ou acidente. A companhia tinha de participar isso, depois tí- nhamos de fazer o espólio às coisas que eles tinham. A minha companhia teve 11 mortos em combate. Eu, ao fim de 18 meses, tinha menos 50 homens, porque onze morreram e os outros ficaram feridos. Uma das coisas que me custou bastante foi um rapaz que era negro, cabo como eu, que morreu por causa de uma mina. A morada que ele tinha na ficha

Moçambique (1970-1972) FORÇA Companhia de Caçadores 2730 * INFO

Tem 73 anos, é casado, tem 2 filhas e 4 netos era apenas ‘apartado número tal, Lourenço Marques’. Eu fiz o espólio dele e quando fui de férias a Lourenço Marques disse ao capitão que levava as coisas para o pai dele. Só que, chegado a Lourenço Marques, não sabia onde ele morava. Da pensão onde estava escrevi uma carta para aquele apartado. Explicava na carta que tinha o espólio e que se houvesse alguém da família que estivesse interessad­o em falar comigo, que se dirigisse à pensão Valente na Avenida Pinheiro Chagas. Aparece-me lá um senhor, que era o pai dele. Eu estava a almoçar e diz ele assim: ‘O senhor sabe-me dizer onde está o corpo do meu filho?’ E eu respondi: ‘Está enterrado em Mueda.’ O que me custou dizer aquilo! Naquela altura já mandavam os corpos para a metrópole, não se admite que um homem que andava na luta com a gente não o tenham enviado para a terra dele, para junto da família.

1. VIATURA BERLIET

4.

 ?? ?? NOME
NOME
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ?? ESVENTRADA
POR UMA MINA ANTICARRO 2. COM UM CAMARADA JUNTO A UMA VIATURA BLINDADA 3. VISTA AÉREA DE MUEDA
ADAPTAÇÃO IRREVERENT­E DE UMA CONHECIDA ESTROFE DE `OS LUSÍADAS'
ESVENTRADA POR UMA MINA ANTICARRO 2. COM UM CAMARADA JUNTO A UMA VIATURA BLINDADA 3. VISTA AÉREA DE MUEDA ADAPTAÇÃO IRREVERENT­E DE UMA CONHECIDA ESTROFE DE `OS LUSÍADAS'

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal