As árvores do meu pai
Ocorria muito raramente mas, uma vez por outra, calhava que o velho Doutor Homem, meupai,tivesse“saudadesde árvores”, exactamente da mesma forma que, no pico do Outono, lhe ocorria ter indícios de gripe.
Esta sensação era mais ou menos próxima do absurdo porque árvores não lhe faltavam; a dois passos de casa tinha um jardim com árvores vetustas e românticas, contemporâneas dos maus versos de Júlio Dinis e da infância de Ramalho Ortigão; no velho casarão de Ponte de Lima, onde passava a maior parte do seu tempo de férias, rodeado de genealogias e discos de ópera, não faltavam árvores nem as tremendas flores escolhidas pela Tia Benedita (ele pagava cinco tostões aos netos e sobrinho para que arrancassem os gladíolos às escondidas); em redor da casa do Tio Alberto, seu irmão, gastrónomo e bibliófilo de São Pedro de Arcos, não havia senão arvoredo inclemente e disponível para catalogação.
Mas o velho Doutor Homem, meu pai, não era um botânico. As espécies, propriamente ditas, não o interessavam – nem a época dos frutos, da floração, das enxertias e do transplante. Quando se referia a “árvores”, ele imaginava um vasto recanto de sombras, uma ponte sobre um riacho, o ruído da folhagem dos áceres, dos cedros ou dos carvalhos (nomes que ele desconhecia), um carreiro de terra e uma evocação poética que não entendia.
Então, resignada e prática,
Dona Ester, minha mãe, levava-o a apreciar as colinas da barragem da Caniçada (um lago que só existiu a partir de meados da década de cinquenta) e subiam ao Parque das Termas do Gerês, que o meu avô frequentara para as suas limpezas periódicas do fígado e cuidar da hipertensão. Para o velho Doutor Homem, meu pai, as árvores e as suas sombras eram um quadro exposto num museu do romantismo tardio – gostava de apreciá-las como um bem inacessível, não como um organismo vivo. Regressava pacificado, cansado – e cheio de apetite.
“Regressava pacificado, cansado – e cheio de apetite”