O'neill: português que até dói
J“Nunca aceitou estar sentado à secretária subalterna da vidinha urbana”
untamente com Manuel da Fonseca, Artur Portela Filho e José Carlos Ary dos Santos, Alexandre O’neill foi um talentoso publicitário que criou ‘slogans’ como “Há Mar e Mar, Há Ir e Voltar”. Celebra-se agora o centenário do seu nascimento.
Com Mário Cesariny, Vespeira e António Pedro, fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa, de curta duração, nos anos 40, estreando-se em livro com ‘Tempo de Fantasmas’, em 1951. Porém, é com ‘No Reino da Dinamarca’, de 1958, que a sua poesia, que também é um longo, intenso e irónico diálogo com Portugal e com os Portugueses, se torna obra de referência. Também livros como ‘Feira Cabisbaixa’, de 1963, e ‘Poemas com Endereço’, de 1962, para além das suas excelentes colectâneas de crónicas, passaram a ser essenciais para a compreensão da sua obra, em que era herdeiro de escritores como Nicolau Tolentino, o Abade de Jazente ou o próprio Bocage.
O’neill, que morreu a 21 de Agosto de 1986, nunca aceitou ser funcionário público e estar sentado à secretária subalterna da vidinha urbana.
Conheci-o nas andanças televisivas em que que participou, já traduzido e aplaudido no estrangeiro, onde chegaram traduções da sua poesia, designadamente as da responsabilidade do italiano António Tabucchi, que organizou a antologia ‘Tomai Lá do O’neill’ (Círculo de Leitores, 1986). Era homem amável mas reservado que pouco falava de poesia.
Várias vezes preso pela PIDE, gravou discos com os seus poemas, organizou antologias e fez traduções. Apesar de ter sido cantado por Amália Rodrigues, foi muito menos musicado e cantado do que poderia ter sido.
Escreveu versos amargos e certeiros como estes: “Cai ao anjo a pena/ ao rato o pelame./ Um regressa ao seu enxame/ o outro à sua caverna./ E o português desanjado/ já se vê desratizado./ Chora.” É o real não surreal que nos acerta em cheio.