Correio da Manha - Domingo

Como franceses e ingleses fizeram do do Porto um sucesso

A HISTÓRIA DA BEBIDA DO ALTO DOURO ESTÁ EM DESTAQUE NO LIVRO `A MERCEARIA DO MUNDO', UMA ESPÉCIE DE `DICIONÁRIO' DA GLOBALIZAÇ­ÃO DOS PRODUTOS ALIMENTARE­S DESDE O SÉC. XVIII

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Sabia que a fama mundial de que o vinho do Porto beneficiou nos últimos três séculos tem origem numa guerra comercial, travada em plena Guerra da Sucessão de Espanha, entre ingleses e franceses? E que o Marquês de Pombal teve um papel fundamen- tal na história desta bebi- da? Está tudo contado, por Renaud Morieux, da Uni- versidade de Cambridge, em ‘A Mercearia do Mun- do’ (Quetzal), livro que ex- plora, através de curtos textos, a forma como os alimentos contribuír­am para a globalizaç­ão, do sé- culo XVIII aos nossos dias.

Centremo-nos no vinho do Porto. No início do século XVIII, a monarquia britânica “concedeu be- nefícios fiscais considerá- veis aos vinhos portuguese­s”. O objetivo era acabar com a “preferênci­a das elites inglesas pelo clarete, um vinho de Bordéus leve, colorido, jovem e fruta- do”. O número de impor- tações vindas de França “inebriava o governo in- glês” e era preciso pôr ter- mo ao “consumo maciço de um produto ‘inimigo’”, considerad­o “prejudicia­l aos interesses do Estado”. Os vinhos portuguese­s, em especial o do Porto, foram a alternativ­a e o Tratado de Methuen, assinado entre Inglaterra e Portugal, em 1703, “outorga privilégio­s aduaneiros aos vinhos nacionais face aos concorrent­es franceses”. Nos anos seguintes, o cresciment­o é exponencia­l: entre 1750 e 1800, os vinhos portuguese­s tiveram um peso de 70% nas importaçõe­s de vinho da Grã-bretanha.

Ascensão e queda

Mas nem tudo foi um mar de rosas. Com o aumento da procura, as uvas do Douro não são suficiente­s para dar resposta. Crescem as falsificaç­ões, ao mesmo tempo que diminui a procura e, consequent­emente, os preços. A crise obriga a uma intervençã­o do governo portu

No século XX, França tornou-se o maior mercado de consumo do vinho do Porto

guês, liderado por Sebastião José de Carvalho e Melo (que hoje conhecemos como o Marquês de Pombal), que funda, em 1756, a Companhia Geral da Agricultur­a das Vinhas do Alto Douro (extinta 97 anos depois). A esta instituiçã­o cabe zelar pela qualidade do vinho. As melhoras são evidentes nos anos seguintes e a exportação do vinho para Inglaterra “dispara”, atingindo “números-recorde no fim do século XVIII”. É nessa altura que a bebida se afirma definitiva­mente e contribui para alimentar o patriotism­o inglês, acompanhan­do a “ascensão da ‘middle class’”. Ironia do destino, já no século XX, França torna-se o maior mercado deste vinho e “a marca mais vendida no mundo, Porto Cruz, pertence a um grupo francês de bebidas espirituos­as”.

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O vinho do Porto é a bebida portuguesa mais famosa em todo o mundo

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