SÃO MIGUEL
Um hotel que celebra a maior ilha dos Açores com o encanto das ilhas gregas.
SÃO MIGUEL A inconstância do clima é bem conhecida nos Açores, incluindo na sua maior ilha. O que não é impedimento para viagens nas últimas estações do ano, antes pelo contrário. Chá nas nascentes termais, cozidos e um bolo de chocolate cuja fama corre de boca em boca, são fortes convites para contrariar o tempo. Especialmente se o hotel tiver uma piscina aquecida sobre o Atlântico.
Quando o carro para à porta de um edifício branco numa rua habitacional de Lagoa, nada faz prever o que se encontra para lá da entrada principal. Os primeiros passos no White Exclusive Suites & Villas dão acesso ao hall de entrada do hotel, mas a vista é direta para o Atlântico, através de uma notável porta em arco que guia os olhos até ao mar. Foi desenhada por João Reis, que há anos ia traçando em rascunho um novo hotel que refletisse o charme e o encanto das vilas gregas. Um sonho que surgiu a partir das muitas viagens à Grécia que tem feito com a mulher, Catarina, já depois de abrir o resort Santa Bárbara, em Ponta Delgada.
Tinha o enquadramento – o oceano que rodeia São Miguel –, faltava-lhe o local. Até que um amigo à procura de casa o conduziu a uma antiga quinta do século XVIII, no concelho de Lagoa, onde em tempos se terá produzido vinho junto às escarpas e rochas vulcânicas, coladas ao mar. Mais tarde, o velho solar dividiu-se em duas habitações distintas e assim estava quando João e Catarina o transformaram num destino paradisíaco pintado de branco.
A cor está por todo o edifício. Na villa privada, com acesso a um também privativo tanque de hidromassagem, e nas nove suites do piso térreo e do primeiro andar, cada uma com a sua própria personalidade. Algumas mantêm características do antigo solar,
como o basalto nas paredes, outras convencem pelas varandas voltadas para o Atlântico.
O branco não fica pelos quartos e guia o hóspede pela porta de arco até à zona exterior onde se estendem espreguiçadeiras numa plataforma de madeira, em frente à piscina de estilo infinito com água salgada aquecida. Ao lado está uma convidativa sala de estar a céu aberto que tem no centro uma lareira de exterior, onde muito provavelmente vão acabar os visitantes nas noites mais frias a olhar para o Atlântico. De preferência com um copo de vinho açoriano nas mãos, já depois de provar uma lapas grelhadas, uns calamares ou o ceviche e a moqueca do Cardume, o restaurante exclusivo dos hóspedes liderado pela açoriana Vera Campos.
Pela manhã, o dia pode começar com o terapeuta Nuno Amendoeira, que tanto conduz o hóspede numa meditação aquática como executa uma massagem holística, antes do pequeno-almoço. Tem a particularidade de poder ser servido em qualquer lugar do hotel escolhido pelo hóspede e é tão completo que mais parece um brunch. O menu, avaliado por uma nutricionista, inclui sumo natural, iogurte de granola com fruta da ilha, uma cesta de pão com o guloso bolo lêvedo, manteiga dos Açores, compota de ananás e doce de avelã e cacau, panqueca de banana e queijo de São Jorge.
É também o tradicional queijo que recheia uma das sanduíches da cesta de piquenique preparadas pelo White para os hóspedes explorarem São Miguel. O hotel aconselha os melhores parques onde parar para comer, percursos pedestres pelas lagoas, mas também leva os visitantes de moto 4 pela ilha fora. Se o tempo estiver bom organizam-se passeios no barco privado do hotel, ancorado em Vila Franca do Campo, de onde saem várias excursões turísticas até ao ilhéu homónimo. No verão há famílias e amigos a aproveitar o bom tempo para praticar snorkeling, mas no outono existe sempre a possibilidade de ali fazer um piquenique, antes de explorar outros cantos de São Miguel. Aquece (e não arrefece) No centro de Ponta Delgada, numa rua próxima do Largo da Matriz, encontra-se a velha chapelaria do micaelense Duarte Cardoso, transformada há dois anos numa mercearia-
PASSEAR NUM BARCO PRIVADO, FAZER SNORKELING OU UM PIQUENIQUE NO PARQUE SÃO ALGUMAS DAS ATIVIDADES ORGANIZADAS PELO HOTEL WHITE.
-café. O cérebro por detrás desta operação é Catarina Ferreira, que fez questão de conservar o elegante balcão da antiga Louvre Micaelense quando encheu as prateleiras de produtos regionais açorianos.
Agora, em vez dos chapéus que Duarte Cardoso trazia no início dos anos 1900 de Paris, encontra-se por aqui artesanato, conservas e licores. Serve-se vinho a copo, grande variedade de chás dos Açores, tisanas, petiscos e outras gulodices da casa que se alinham no balcão de madeira. São elas queijadas de ananás e de papoila, frutos secos caramelizados, pudins de feijão, bolachas de aveia e bolos à fatia. O de chocolate chama-se Segredo por ter receita secreta, que Catarina guarda a sete chaves. A cozinha é pequena, por isso a proprietária prepara-o no Rotas, o restaurante vegetariano que também gere. De aspeto guloso, o bolo (2,80 euros a fatia) leva uma camada de cobertura líquida de chocolate. Um aconchego no estômago para seguir viagem.
A melhor forma de conhecer a ilha é alugar um carro em Ponta Delgada e arrancar, parando para riscar da lista alguns dos ex-líbris de São Miguel, como a Poça da Dona Beija. O ideal é reservar a visita para uma noite fria e levar a roupa de banho mais gasta para mergulhar nesta banheira de água férrea termal que está aberta até às 23h00.
A luz do dia há que reservar para uma visita ao Parque Terra Nostra, no Vale das Furnas, a uma curta caminhada da Dona Beija. Foi nesta antiga cratera de vulcão, que o vice-cônsul dos Estados Unidos, Thomas Hickling, decidiu construir no século XVIII uma casa, virada para um grande tanque de água termal. A propriedade pertenceu mais tarde à família dos Viscondes da Praia, que aí plantou espécies endémicas e do mundo, dando origem ao parque.
A flora natural deste jardim centenário pode ser apreciada numa das quatro rotas pensadas para cada estação do ano. Mas há mais para explorar por aqui. Como o tanque de água termal, em frente à antiga casa de Hickling, popular pela mineralidade e temperatura, entre os 35 e os 40o C. A fama é tanta que levou a marca açoriana de cosmética de luxo Ignae a utilizar esta água nos seus cremes.
Do Terra Nostra faz também parte o clássico hotel do grupo Bensaúde Terra Nostra Garden, onde durante a tarde se servem lanches quentes, como scones e chás, a partir do bar-esplanada que tem vista para o jardim natural.
A homenagem ao chá intensifica-se noutro espaço junto à Caldeira das Furnas. Ali, as nascentes termais com várias propriedades são capazes de entreter os visitantes por largos minutos. Algumas mais quentes, outras com água gaseificada, mas todas com diferentes nomes: a acídula Água Azeda que se diz ajudar com a digestão, a da Vista e as Águas Santa e do Caldeirão, indicadas para gripes.
Há quem use a água para cozer maçarocas de milho ou até quem leve uma caneca para fazer chá. Mas nada comparável ao trabalho que Paula e João da Azores Essentials estão a desenvolver desde há um ano no discreto Chalet da Tia Mercês, que tem uma esplanada voltada para as caldeiras e os montes verdes. Ela, antiga investigadora do Observatório Microbiano, é doutorada em ambientes termais e profunda conhecedora das nascentes. O que ajuda a explicar que ha-
ja um chá de Água do Padre José, que corre nas traseiras do chalet, mas também geosobremesas, cozinhadas nas fumarolas da Lagoa das Furnas onde são feitos os cozidos.
O importante é ir com tempo para poder ouvir as propriedades de cada chá. A carta inclui algumas raridades e tisanas – de goiabeira, de nespereira, de nêveda, de poejo e de urtiga –, infusões de especiarias e de sementes de abacate, mas também sugestões para acompanhar as bebidas quentes. «Aqui nada vem do pacote. Temos capuccinos a sério, torrinhas (torradas) com compota, papas de milho, queijo fresco com pimenta da terra, pão de milho cozido em folha de conteira, tostas em massa sovada, húmus de chícharo e “panconqueijo”, como dizem na costa norte de São Miguel», começa a desfiar Paula, entrando pelo Chalet para preparar mais chá. Na pequena casa, com cadeiras e um sofá de madeira, estão duas banheiras de mármore de antigas termas a convidar o visitante a explorar o interior. Por detrás do balcão, onde Paula se movimenta, reúnem-se queijos açorianos, iogurtes, caramelos, biscoitos secos e vários tipos de mel, tudo nacional. Tudo o que é preciso para enfrentar as noites mais frescas do ano.