QUEM VÊ LUGARES NÃO VÊ CORAÇÕES

O geógrafo (vamos resumi-lo assim) Álvaro Domingues lança hoje mais um livro dentro do macrotema que tem estudado e retratado: as mudanças físicas e sociológicas no território português, que o têm transformado numa mistura tantas vezes desordenada e tensa entre a pré e a pós-globalização, entre os modos de vida tradicionais e aqueles da sociedade de consumo. O livro chama-se 'Volta a Portugal' e diz a editora Contraponto ser esta uma obra «que preenche curiosidades ou estranhamentos acerca da exótica geografia das paisagens, das estradas, aldeias, vilas e cidades de Portugal». Na capa está uma imagem que me é familiar – a estátua do ciclista, situada em Sobrado (Valongo), muito perto de um nó da CREP, num desses não-lugares que fascinam Álvaro Domingues. Há outro livro dele que me tocou especialmente por resumir quase toda a minha história habitacional. Chama-se 'A Rua da Estrada' (Dafne Editora, 2009) e aborda a desconjuntada diluição entre o urbano e o rural causada pela invasão das cidades para as suas periferias e, isto já sou eu a dizer, pela forma como essas periferias se tornaram subservientes às cidades. Eu vivi quase sempre numa dessas «ruas da estrada», que atravessava a minha aldeia como uma navalha. Ela acabou por se render à invasão do urbano, perdendo alguns dos seus encantos. Contudo, este fenómeno que estuda e regista Álvaro Domingues significa que as terras sub e periurbanas se tornam mais descaraterizadas, mas não piores por isso. Aliás, nesses intrigantes e feios lugares há uma ternura humana que ressoa e acolhe, que nos toca e aconchega. Há-a na minha terra e noutros lugares que fui conhecendo, como jornalista e como turista, que me levam a estar certa de que quem vê lugares raramente vê os seus corações. E que julgar é algo que se deve fazer depois de se mergulhar neles.