PARA O FIEL O MELHOR
A relação de um português com o bacalhau é de parentesco muito próximo, quase de consanguinidade, de tal forma aparece nas nossas vidas e nós na dele. Estreia do chef Renato Cunha, do Ferrugem, em Famalicão com um prato que ilustra o muito que se pode fazer ainda.
Estamos a aprender a entrar na ciência dos alimentos e a perceber a forma ótima de os processar. Vivemos os tempos modernos, somos livres dos grilhões do preconceito e superstição, tantas vezes presentes nas cozinhas de outrora. Os
chefs são hoje pessoas de estudo aturado, experimentação e sobretudo partilha. O fenómeno atinge na medula as escolas de hotelaria, que estão a formar toda uma nova geração e forma de pensar a cozinha. O chef Renato Cunha, proprietário do restaurante Ferrugem, em Famalicão, vive intensamente tanto o ensino como o ensaio. Quem passa pela sua cozinha sai a pensar tudo de forma diferente, o «tem de ser» não tem lugar, instala-se o «e porque não». A receita com que se estreia nesta secção representa essa forma diferente de estar na cozinha. A extração máxima de colagénio do azeite em que se confitou os lombos de bacalhau vai ter utilidade para ligar e homogeneizar a estrutura do brilhante puré de batata que candidamente o acompanha. Este modo simples de usar os pratos é um imperativo seu de consciência, o momento de degustar é sobretudo de prazer. Atingir a simplicidade é o grande desígnio das cozinhas modernas, para bem do bem-estar, digeribilidade e
integração na sequência de uma refeição. A sustentabilidade é também o móbil de utilizar o máximo possível de um bacalhau. Quando chegamos à técnica de cozedura, há que sermos rigorosos, confitar implica lume baixo, temperaturas abaixo do limiar de fervura, o contrário seria a fervura excessiva que infelizmente ainda se vê nos restaurantes, secando e desvirtuando totalmente o bacalhau. O sabor do puré é excelente, quase surpreende tanto como o próprio bacalhau. Boas experiências!