Evasões

ARTES ANTIGAS QUE SABEM A FUTURO

A festa do mar, a excelência do produto e o triunfo do talento, a tríade que estaria já bem em qualquer abordagem teórica mas felizmente está disponível e ao alcance de quem quer confirmar a fórmula. A experiênci­a do Salpoente, em Aveiro, vai ainda para l

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Odrama da urbe é principalm­ente ter-se tornado distante das origens e não ter forma de recuperar a ingenuidad­e e a candura dos antigos. Salpoente, em Aveiro, representa uma proposta cosmopolit­a que satisfaz bem quem procura o moderno mas faz do produto de sempre tesouro e da cozinha brilho. O jovem chef Duarte Eira, vilarreale­nse de grande talante e muitas paragens, criou um cardápio que assenta na cozinha de pescador de sempre desta região gafanheira, acrescenta­ndo-lhe nobreza e universali­dade. A carne de raça marinhoa, animal possante e pernalta que era utilizado no trabalho por entre moliços e sapais, bem como na arte xávega, de arrasto a partir de terra, marca presença logo nas entradas, na forma de tártaro e maionese de alho (14 euros). Macia e saborosa, é de provar, até porque poucos conhecerão esta carne, mesmo os locais. Sugestivam­ente chamada de «a nossa costa», saborosa e bem articulada está a sopa de peixe, marisco, algas da ria e ravióli de camarão (8 euros). Começamos a ficar rendidos ao ecletismo e à intensidad­e das propostas do

chef Eira. Ainda vamos a tempo e decidimos enveredar por uma sequência de cinco pratos, 60 euros, que com o complement­o de vinhos cresce 30 euros na soma final. Trata-se

de tomar contacto com a arte culinária e perceber também como organiza Duarte Eira a refeição. Vem um carpaccio de bacalhau, bem processado e com a fibra e goma intactas, assessorad­o por amêijoa, algas da ria e broa, tudo em modo discreto e cativante, a pontuar entre os melhores. Estamos em Aveiro e a ria gosta de mostrar os seus encantos, daí o alinhament­o obrigatóri­o de uma caldeirada de enguias, caldo rico e saboroso, no entanto a fazer suspirar por aquela que é tão nossa, feita sem água e apenas com uma proteína. De qualquer forma cumpre o desígnio de nos aproximar historicam­ente da festa marítima da mesa. A vénia ao lavagante, ouriço do mar e crustáceos, um delírio pelo cúmulo de sabores. O mar a falar-nos ao ouvido. Surge o leitão assado, preparado e servido em modo assinatura, reconhecem-se-lhe os sabores primordiai­s ao mesmo tempo que é um tributo à Bairrada, onde o bacorinho é rei. De repente, damo-nos conta da sequência mais do que estrelável por que passámos sem dar pelo tempo passar, assim como pela escolha ímpar do chef Duarte Eira dos ingredient­es assumidame­nte locais, num código acessível a todos: a tal universali­dade. Já não se pode comprar em Aveiro as famosas barricas de ovos-moles, mas estes continuam a estar presentes, e ainda bem. Terminámos com a homenagem às natas do céu, sobremesa em que se oferece os ovos-moles em modo sublime. Tomámos nota dos muitos pratos que provaremos noutras vindas, com a certeza de que será em breve.

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