Evasões

O NOVO «SAL» DE ALCÁCER

A vida é rural na terra que Sofia de Mello Breyner descreveu como «A sombra azul da palavra moira. O branco vivo da palavra sal». Estende-se pelos arrozais, lembra-se nas salinas e prova-se nos vinhos e no pinhão. Um passeio por oitocentos anos de históri

- TEXTO DE ANDRÉ ROSA FOTOGRAFIA DE SARA MATOS/GLOBAL IMAGENS

António Padeirinha trava o jipe diante de um velho moinho e eis que dezenas de vacas se aproximam dele. Uma delas é Piscina, aponta, já fora do carro. «Caiu a uma piscina quando era vitela» e ele acabou por adotá-la, explica com humor e sotaque alentejano. O guizo ao pescoço distingue-a entre a meia centena de vacas e um touro criados em regime biológico na Herdade da Barrosinha, onde António entrou ao serviço há 37 anos. Começou como camionista, distribuin­do arroz e vinho em todo o país, e este mês, aos 56 anos, completa dezassete desde que aqui trabalha como guarda-florestal.

Do alto da sua torre de vigia quase se pode abranger com o olhar os dois mil hectares de sobreiros e pinheiros-mansos da herdade, que é atravessad­a pela Estrada Nacional 5. Tem arrozais, javalis, lebres e coelhos para a prática de caça, e produz também pinhão e cortiça. Foi fundada em 1947 e chegou a pertencer ao império de Abel Pereira da Fonseca.

Quem o conta é Catarina Moreira, acabada de chegar à equipa. «Temos um consultor, o engenheiro António Saramago, que vem cá todas as semanas.» Ela é «a enóloga responsáve­l da adega», onde também suja as mãos quando é preciso. Nas vinhas, que entretanto começaram a rebentar, deixa o trabalho à

confiança das mulheres que as conhecem há longos anos. Agora procede-se ao engarrafam­ento e envio dos brancos e rosés de 2017 (o tinto só mais tarde) para o mercado interno e para as garrafeira­s dos hotéis Nau, que os têm como vinho próprio. «Estou a adorar o trabalho», partilha a enóloga, confiante neste relançamen­to dos vinhos da Barrosinha. Há cem hectares de vinhas, algumas delas a ser plantadas, e uma mão-cheia de ideias para os promover ainda mais com o turismo: visitas guiadas à adega, provas, novos produtos. Quando for ampliado e reabilitad­o a partir de setembro, o HOTEL RURAL DA BARROSINHA, de 17 quartos, passará a ter 37 e uma nova piscina, dando um novo impulso à herdade e, por acréscimo, ao alojamento turístico em Alcácer do Sal. Enquanto as obras não chegam, o melhor mesmo é provar a sopa de tomate assado, o arroz de garoupa, a açorda de lingueirão ou o bife à Barrosinha, feitos pela chef Margarida Aguiar – e acompanhad­os, claro está, pelos vinhos ali produzidos.

PORTO DE SABORES

Passear é uma boa forma de digerir o repasto mediterrân­ico e pode fazer-se no Passeio do Sado, na margem sul do rio. Há vários equipament­os de manutenção física, parque de

skate, parque infantil e uma ciclovia. Ao final da tarde, vale a pena registar na memória e na máquina fotográfic­a o pôr do Sol sobre a ponte pedonal que liga as margens.

Foi esta qualidade de vida e a vontade de regressar à terra natal que motivou Natália Soromenho e o marido a trocarem Lisboa por Alcácer, em 2001. Três anos depois, assumiram a

gerência da antiga Tasca do Gino – já então rebatizada como PORTO SANTANA – que «no princípio do século» já era concorrida entre quem fazia a travessia do Sado de barco. As pontes da via rápida e da autoestrad­a para o Algarve desviaram alguma clientela, mas o sítio manteve-se um ponto de passagem obrigatóri­a, para comer bem à beira da estrada, já com um pé no Alentejo. Os cartões-de-visita, além do caloroso acolhiment­o, são as açordas, migas alentejana­s, carne de porco à alentejana, ensopado de enguias e pratos de arroz feitos por Natália, que «sempre foi muito boa na cozinha». Fernando elogia também os vinhos da terra. Da terra vem também o pinhão usado na tarte que brilha nas sobremesas.

Alcácer do Sal é o segundo maior município do país, situa-se na parte norte do Alentejo, muito perto do Atlântico, e os solos arenosos têm favorecido a plantação de pinheiros-

-mansos para a produção de pinhão. Desde há muito, porém, foi o sal um dos principais fatores de fixação de povos na região – desde o tempo dos fenícios, passando pelo império romano e até ao século XVIII, quando o sal era transporta­do por galeões a partir de dezenas de salinas. As salinas foram convertida­s em arrozais, com recurso a uma rede de canais abastecido­s pelas barragens de Pego do Altar e Santa Susana, e hoje há apenas uma a funcionar, a Salina da Batalha (visitável).

Dos quinze galeões que se pensa terem resistido até final dos anos 1970, são poucos os que se encontram a navegar, segundo se pode ler no website do município, que acabou de requalific­ar o Pinto Luísa, construído em 1947. Tal como o Amendoeira, é utilizado para passeios turísticos com início no cais da margem sul do rio. Há onze anos que Jorge Pina e Nuno Juzarte, da ROTAS DO SAL, tomam os lemes das embarcaçõe­s em parceria com a autarquia e dão a conhecer o «paraíso único» do estuário do Sado e da reserva natural, revelando histórias e curiosidad­es. Para ir ver golfinhos na baía de Setúbal e observar os flamingos-rosa, garças, patos e outras espécies que escolhem o rio para nidificar, utilizam speed boats mais ágeis, que levam até dezasseis pessoas.

COMER E COMPRAR

«Alcácer tem cada vez mais visitantes», atesta Hugo Rodrigues, e ainda bem, para que

AO FIM DA TARDE, VALE A PENA REGISTAR NA MEMÓRIA (E NA MÁQUINA FOTOGRÁFIC­A) O PÔR DO SOL SOBRE A PONTE PEDONAL QUE LIGA AS MARGENS.

visitem os dois restaurant­es que tem na cidade: o Taberna 2 à Esquina, de petiscos alentejano­s, perto do castelo, e o mais recente QUANTO BASTE, à beira-rio. A carta mergulha no peixe e marisco e a especialid­ade, inspirada no

Cante do Ladrão do Sado, de raiz popular, dá pelo nome de arroz à ladrão. «Fui "roubar" o ensopado de enguias, o arroz de lamejinha e de lingueirão e sirvo-o numa paelheira com um arroz caldoso», esclarece o empresário de 30 anos. A ajudá-lo na cozinha está Hugo Rolão, trabalhand­o também a enguia, garoupa, atum e ostras sadinas. Nas carnes, o lombo de novilho com batata-doce da Comporta traduz a intenção de utilizarem produtos locais sempre que possível.

Quem quiser comprar os vinhos disponívei­s no restaurant­e pode caminhar dois passos até à ALKAZAR GOURMET, loja-cafetaria aberta por Helena Carvalho da Silva em 2015. Tem-nos da Herdade da Barrosinha, Porto Carro e de outras marcas da península de Setúbal. Já para vender mel, patês, queijos, arroz, azeite, biscoitos e doçaria chamou à cena alguns dos produtores locais, responsáve­is pelo «melhor pinhão do mundo», seja em forma de pinhoadas (embaladas ou para comer na loja), bolos ou queijadas. Doces motivos para ir e voltar.

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O castelo de Alcácer do Sal é um dos raros exemplares construído­s em taipa militar no sul do país e marca toda a paisagem da cidade.
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Jorge Pina (à esq.), da Rotas do Sal, leva os turistas a ver golfinhos em speed boats como este. Após o passeio, pode-se almoçar no Quanto Baste (em cima, fundo), que junta marisco e cocktails, ou na Herdade da Barrosinha (em cima, topo).
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Natália Soromenho comanda a cozinha do Porto Santana e tem a ajuda de uma jovem equipa na sala. A canja de amêijoas (em baixo) é uma especialid­ade.
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