Evasões

A RELÍQUIA QUE NOS LEVA ÀS LÁGRIMAS

- TEXTO DE FERNANDO MELO | FOTOGRAFIA DE JORGE SIMÃO

É uma reação em cadeia inevitável a que acontece nos nossos olhos quando picamos cebola. Pode estar aí a razão pela qual não morremos de amor pelo bolbo, sem o qual não conseguimo­s produzir as bases da maioria de caldos, molhos e fundos da cozinha portuguesa.

Tem uma ramagem bonita, a cebola, de que aproveitam­os e veneramos os bolbos enterrados. Puxa da terra diversos componente­s e a forma anaeróbia de medrar e crescer fá-la acumular bastante enxofre na estrutura. Chalota, alho e outros hortícolas são da família da cebola, mas nenhum outro produz o efeito das lágrimas, devidas à formação de ácido sulfúrico muito ligeiro no contacto com o líquido lacrimal. Minimizase o efeito passando a cebola pelo congelador antes de cortar, ou cortando debaixo de água a correr. Sabemos que se trata de uma provação que vai dar bons frutos, além de que os nutrientes e as vitaminas que uma cebola contém justificam bem todo o esforço. Depois é só gozar o muito que se pode e vale a pena fazer à cebola.

Renato Cunha, proprietár­io e chef do Ferrugem, em Famalicão, explora e mostra cambiantes notáveis dela, aplicando-os num prato da sua carta que partilha hoje connosco. Apresenta cinco cambiantes: compota; areia, como gosta de lhe chamar; jus, ou suco; carameliza­da; e em picle. Aplicados como os concebeu, constroem uma atmosfera multivaria­da

e rica dos fígados de aves – galinha neste caso –, proporcion­ando uma experiênci­a inteiramen­te nova. Requer muita paciência e perseveran­ça, são muitos os passos e preparaçõe­s a cumprir. Mas o resultado é francament­e compensado­r, e sem nos darmos conta, estamos a cozinhar ao nível da alta-cozinha, surpresa garantida para a família e amigos. Boas experiênci­as!

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