Evasões

O QUE É QUE A CARNE ARGENTINA TEM?

A Argentina deu ao mundo futebolist­as geniais, campanhas de publicidad­e brilhantes e alguns dos melhores bifes que se comem no planeta. Foquemo-nos nesta última parte: afinal, o que torna a carne argentina tão apreciada pelo mundo fora? Fomos tentar saber

- TEXTO DE TIAGO PAIS

Àmaurício sexta-feira, o despertado­r de Muñoz tocava às seis da manhã. Às sete, chegava à LX Factory, em Alcântara. Dirigia-se à zona de churrasco e começava, a essa hora, a preparar o asado típico do seu país que iria servir à hora de almoço. «Tinha de ser assim. A carne deve sempre cozinhar mais de cinco horas», explica hoje, sentado numa das mesas do seu bar e empanadari­a El Chanta. Foi assim durante cerca de um ano.

Maurício deixou de se meter em trabalhos (leia-se asados) no final de 2017. «Fazia-os por gosto, porque o que ganhava não pagava o trabalho que tinha», explica. Não era só pelas horas nem pela exigência de madrugar – tinha de escolher a lenha cuidadosam­ente e ir ao pequeno talho no Montijo onde lhe fazem os cortes argentinos ideais para a ocasião, como o costillar, uma peça enorme de entrecosto. Era este costillar que depois pendurava por ganchos sobre o fogo: «Não usamos a brasa, no

asado o calor do fogo é direto e constante. E podes pôr o sal grosso que quiseres que a carne nunca vai ficar salgada», ensina.

Para Carlos Graglia, chef argentino a trabalhar em Portugal há longos anos, a cultura do fogo na Argentina tem uma explicação histórica: «Está ligado ao transporte do gado que era feito a cavalo pelos gaúchos. Estes, para pernoitar, comer e descansar, juntavam lenha, acendiam o lume, faziam o asado e tomavam o mate.»

Hoje, é algo transversa­l a gerações. Mas, segundo Maurício, não é algo assim tão distante da nossa realidade: «Da mesma forma que os portuguese­s fazem uma brasa para cozinhar um peixe acabado de pescar, os argentinos fazem o mesmo com carne.» E o que é preciso? «Boa carne, sal, lenha de qualidade, vinho tinto, amigos, família e ya

esta», atira Carlos. «Paciência também é importante», acrescenta o seu compatriot­a.

Mas fixemo-nos na primeira exigência – boa carne. Afinal, o que é que a carne argentina tem? Carlos Graglia aponta-lhe a raça: «A qualidade da carne está associada à raça, neste caso angus, mundialmen­te conhecida por black angus. Embora seja de origem escocesa, adaptou-se e desenvolve­u-se muito bem nas planícies húmidas argentinas, conhecidas como Las Pampas.» Maurício explica que esses pastos têm «zonas salgadas» e, sobretudo, «muito espaço, que permite às vacas não andarem stressadas». Enquanto alguns países se orgulham das suas vacas

grass-fed – alimentada­s exclusivam­ente a pasto –, «na Argentina não conhecem outra coisa», afirma Alexandra Gameiro, proprietár­ia do Volver de Carne y Alma. Que acrescenta: «Há muita pastagem, os animais andam livres. São raças que precisam de anos para crescer. Mas os argentinos não se importam de fechar o mercado de exportação para preservar a raça. Por fecharem o mercado, não fazem cruzamento­s com outras raças que crescem mais depressa, como acontece com as angus irlandesas.»

E quanto a cortes? Carlos Graglia explica porque são o costillar eo ojo de bife as suas peças favoritas para um asado: «Gordurinha na proporção certa e o facto de esta carne se encontrar junto ao osso, o que confere sabor extra ao corte.» Gordura é, portanto, formosura. Outros cortes apetecívei­s incluem a entraña, o equivalent­e ao lombelo, parte do diafragma; o chorizo, um corte estreito da zona vazia, quase em forma de chouriço, e a curiosa arañita ou bife del corticero. Maurício revela-lhe a origem: «É uma peça escondida que os talhantes costumam guardar para si.» Uma coisa é certa: tudo o que tenha osso não vem, de certeza, da Argentina. A exportação de peças com osso ainda é proibida por causa da doença das vacas loucas. Tudo o resto? É para comer à confiança.

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