Evasões

QUEIJO, AZEITE E OUTROS PRAZERES EM ESTADO LÍQUIDO

- TEXTO DE ANDRÉ ROSA

OLIVEIRA DO HOSPITAL Foi um dos concelhos da zona centro mais fustigados pelos incêndios de outubro de 2017, mas tem mostrado como se pode, aos poucos, renascer da terra ardida. É para ir e voltar com saudades do rio Alva aos pés, do museu a céu aberto, do queijo da serra da Estrela, do fio de azeite no prato.

Francisco Cruz tem ainda bem presente na memória a noite em que se viu forçado a abandonar o AQUA VILLAGE HALTH RESORT

& SPA perante a iminente chegada do fogo que lavrava descontrol­adamente naquela noite de 15 de outubro de 2017, no concelho de Oliveira do Hospital. Ficou até poder, na companhia dos trabalhado­res do hotel, e quando se afastou, reunindo-se com a família em local seguro, restou-lhe pouco mais do que a incerteza de não saber se o Aqua Village estaria intacto no dia seguinte.

Felizmente estava. Por incrível que pareça, o fogo consumiu tudo até às imediações do hotel – assim o testemunha­m casas e árvores pintadas de negro à beira da estrada que lhe dá acesso –, de ambos os lados do rio. O Alva e a sua longa margem forrada de choupos e outras árvores impediram, porém, o avanço das chamas e a destruição de um dos primeiros resorts de cinco estrelas da região centro, que acabara de abrir, apenas um ano antes. Hoje, já com várias árvores replantada­s com a ajuda do hotel e de

alguns hóspedes, o Aqua Village está mais vivo que nunca, tendo ganho este mês o título de Melhor Resort para Famílias na Europa, além de outros prémios, nos Haute Grandeur Global Execellenc­e Awards, no Dubai.

Nesta «aldeia dentro da aldeia», conforme o descreve o CEO do hotel ao lado do filho, que também se chama Francisco, a envolvente natural é muito mais do que um cartão-postal. O conjunto de edifícios de cor neutra enquadram-no perfeitame­nte na ruralidade da aldeia de Caldas de São Paulo, mas é do Alva que brota o seu verdadeiro tesouro, em estado líquido. Desde tempos imemoriais que

se reconhecem as propriedad­es terapêutic­as daquela água, rica em enxofre e sílica, extraída de um poço.

A população local e da aldeia vizinha de Penalva d’alva tinha por hábito ir lá abastecer-se para amenizar problemas de pele e de ossos, e foi precisamen­te a riqueza termal dessa água que estes empresário­s quiseram potenciar com a criação do hotel. Com ela enchem a piscina termal hidrodinâm­ica do spa, onde se encontra também uma sauna, banho turco, duche de contraste e salas de tratamento com novas massagens lançadas recentemen­te.

No exterior, com vista para a paisagem de choupos, estendem-se outras duas piscinas aquecidas, uma delas semicobert­a e com a água a 38 graus. E é também entre os choupos que «levitam» duas estruturas em forma de gotas (com cinco metros de altura e três metros de diâmetro) onde se fazem massagens com óleos e cremes à base do mel da região. O símbolo da gota, de resto, surge um pouco por toda a decoração do hotel, em união com a cortiça e o granito usado nas casas de banho, por exemplo. Ao todo são 39 apartament­os T1 e T2 totalmente funcionais – alguns com vista para o rio e outros com banheira de hidromassa­gem na varanda – e uma suíte presidenci­al com 200 metros quadrados.

VIAGEM DO QUEIJO AO AZEITE

No restaurant­e ROOTS, as raízes não estão apenas no nome, sendo também as da terra onde os chefs Hugo Gaspar e Marco Barbosa vão buscar alguns dos produtos com que trabalham. Outros vêm de produtores do concelho, da serra da Estrela e da zona centro. O resultado é uma cozinha de autor, contemporâ­nea, intimament­e ligada à vertente vínica, com especial incidência nas referência­s do Dão. A experiênci­a pode fazer-se à carta ou em menu de degustação de três, cinco ou outro pratos, e não é preciso estar hospedado para almoçar ou jantar.

De vez em quando o hotel promove jantares vínicos, workshops de cocktails no bar (onde se encontra uma carta de refeições mais ligeiras) e dinamiza eventos com produtores locais. Um deles encontra-se bem perto, a apenas vinte minutos, e é a QUEIJARIA ARTESANAL PAULO ROGÉRIO, situada em Quinta de Cobrançã. A meio da manhã, Paulo já leva bom avanço na produção do queijo Serra da Estrela DOP graças ao trabalho manual de duas queijeiras no enchimento dos moldes com a coalhada (massa do queijo feita exclusivam­ente com leite, sal e cardo). Aproveitan­do o soro excedente, também produz requeijão de ovelha e vende tudo (inclusive compotas e doce de abóbora com requeijão) numa pequena loja aberta ao público.

Neto de produtores de leite e filho de queijeiros com atividade desde 1989, herdou o negócio em 2002, ano em que ampliou a queijaria e conseguiu 300 ovelhas. «Fui o primeiro produtor de queijo Serra da Estrela a fabricar todo o ano», refere, «graças aos animais e à localizaçã­o da queijaria», que está integrada num terreno de 66 hectares com alguma abundância de água e um microclima especial. Infelizmen­te, o fogo também ali chegou em outubro do ano passado e Paulo conta que até tentou apagar as chamas com leite.

Hoje, vê-se a braços com o desafio diário de retomar o normal volume de produção, contando com a ajuda de particular­es na recuperaçã­o do gado e das instalaçõe­s. Não muito longe dali, na pequena aldeia de Bobadela, António Dias e a filha estão também de olhos postos no futuro. Falta pouco tempo para abrirem ao público o MUSEU DO

AZEITE, capaz de vir a colocar a aldeia de Bobadela no mapa turístico do centro do país e, quem sabe, do mundo. Produtor de azei- te desde 1986, quando António começou a colecionar peças de lagares antigos percebeu que tinha em mãos «verdadeira­s peças de arte» e que um dia «tudo isso se ia perder no tempo». «Então comecei a imaginar isto», diz, apontando para o edifício preto e verde-escuro que, visto do céu, é um ramo de oliveira com folhas e azeitonas. O projeto de arquitetur­a foi desenhado pela filha, estudante de Turismo na Escola Profission­al de Oliveira do Hospital e Tábua e Arganil – e o empresário está confiante de que não existe paralelo em Portugal ou no estrangeir­o. Lá dentro, narra-se a história da produção de azeite (moagem, prensagem e decantação) da época romana – há cerca de dois mil anos – à época moderna, numa abordagem contemporâ­nea marcada por ecrãs táteis, vídeos e pontos interativo­s. Há réplicas monumentai­s de lagares de diferentes períodos históricos e um curioso (e único) relógio a azeite pertencent­e à coleção de centenas de peças que António juntou ao longo dos anos. No final da visita, vale a pena ir ao bar do museu ou, ainda melhor, subir ao restaurant­e

OLEA (cujo nome alude à espécie de oliveira mais comum em Portugal) para provar o dito néctar dourado de várias maneiras, das entradas à sobremesa, enquanto se observa a omnipresen­te serra da Estrela ao longe. Um regalo para os sentidos.

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FOTOGRAFIA DE MARIA JOÃO GALA/GI
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Estas estruturas em forma de gota (à direita) fazem parte do spa do Aqua Village. É no interior delas que se fazem as massagens com óleos e cremes à base de mel. À esquerda, a fachada do Aqua Village. À direita, as queijeiras que fazem o queijo da serra DOP na queijaria artesanal Paulo Rogério Simões.
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A piscina termal hidrodinâm­ica enche-se com uma água rica em enxofre e sílica. No spa, também há sauna e banho turco.
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 ??  ?? Em cima, algumas peças e provas do Museu do Azeite da Bobadela. Ao lado, à esquerda, o exemplo de um tratamento termal no Aqua Village.
Em cima, algumas peças e provas do Museu do Azeite da Bobadela. Ao lado, à esquerda, o exemplo de um tratamento termal no Aqua Village.
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