MARTÍN BERASATEGUI E A ESTREIA EM LISBOA
«PORTUGAL É UM DOS TEMPLOS DE MATÉRIA-PRIMA DO MUNDO»
Entrevista com o chef detentor de dez estrelas Michelin, que acaba de abrir um restaurante em Lisboa.
Ao fim de 40 anos de carreira, ainda fica nervoso com a entrega das estrelas Michelin? Sim, todos os anos. A cerimónia de entrega das estrelas só começou há uns anos, mas o Guia Michelin é uma instituição de prestígio desde há muito tempo, a melhor que documenta tudo o que acontece no mundo da gastronomia. É feito por inspetores que dedicam a sua vida a este guia e é o momento ansiado por todos os cozinheiros. Assisti à cerimónia em Lisboa e fui surpreendido ao ganhar a nona e a décima estrelas. Sou o único cozinheiro dos países falantes de língua espanhola a ter dez estrelas. O restaurante Fifty Seconds by Martín Berasategui, que acaba de abrir em Lisboa, foi pensado para se juntar a essa constelação? Os cozinheiros do Fifty Seconds foram todos formados no Lasarte (três estrelas Michelin, em Barcelona) e sei que a equipa dará o melhor de si. Se trabalharmos bem, virá a primeira estrela, depois tentaremos a segunda e assim sucessivamente, tal como acontece com os outros projetos que tenho pelo mundo. Com a particularidade de que o Fifty Seconds é irrepetível pela sua localização. Trata-se de um restaurante a 120 metros de altura, no topo de uma das maiores torres de Lisboa, com uma panorâmica de 360 graus. Dos meus restaurantes, é o que tem a vista mais bonita. Abriria o Fifty Seconds em Lisboa, há 10 anos? Ao longo dos meus anos de carreira tive muitas propostas para trazer a minha cozinha para Portugal. Disse sempre que não porque só faço as coisas quando acredito nelas. Tinha de ser com o grupo Sana. O senhor Nazir [proprietário do grupo hoteleiro] e o administrador Carlos Silva Neves eram
meus clientes no Martin Berasategui, no País Basco. Gostavam da minha comida e, quando me conheceram, apresentaram-me um projeto a que não podia dizer não. Quarenta e oito horas depois da proposta estava em Lisboa a conhecer a torre Myriad e o projeto em que iria transformar-se o Fifty Seconds. A gastronomia ocupa também hoje um papel diferente em Portugal. Os cozinheiros portugueses fizeram um esforço enorme para captar as atenções de todo o mundo. Mas por detrás dessa atenção há muito trabalho de várias gerações de chefs. Acredito que quem trabalha tem prémios à espera. E Portugal está a trabalhar no duro, como se viu na gala com a atribuição de mais estrelas. Acredito que o melhor ainda está por chegar. Porque escolheu o chef Filipe Carvalho para liderar a sua cozinha em Lisboa? O Filipe e a Maria [Gonçalves,
chef de pastelaria] já eram alguns dos melhores da sua geração quando estavam comigo a aprender no Lasarte, em Barcelona. Têm um dominato para a cozinha, por isso não tive hesitações na hora de escolher quem iria representar o grupo Martín Berasategui aqui em Lisboa. E depois foi muito fácil criar a carta. Divide-se entre os meus pratos de assinatura e outros, novos, criados com os produtos que nos oferece este país. Portugal é um dos templos de matéria-prima do mundo. Fale-me do laboratório de criatividade que vai ter em Lisboa. Em todos os restaurantes que tenho, em Espanha e na América Latina, sejam eles de maior ou menor dimensão, há sempre espaço para um banco de provas, onde exploramos a nossa criatividade. E o Fifty Seconds não vai ser exceção. O maior banco do grupo fica em Lasarte, onde estou eu, e temos 500 metros quadrados para fazer tudo. É neste banco que todos os pratos e experiências nascem. Tem 15 restaurantes, dois com três estrelas Michelin, um com duas e dois com uma. Ainda consegue cozinhar? As pessoas confundem as coisas. Eu só sei ser cozinheiro, dedico-me a criar, na cozinha. O resto, fazem-no outros: contabilidade, comunicação... ajudam-me em várias áreas. Tenho uma sala no Martín Berasategui, em Lasarte, onde falo em videoconferência com os responsáveis dos meus projetos gastronómicos. Nos dias em que o restaurante fecha, de domingo a terça, aproveito e vou visitar os espaços que tenho pelo mundo. Mas ninguém me vê no escritório, estou sempre na cozinha a pensar em criar, em melhorar. Não me acomodo. A gastronomia mudou muito desde que começou a sua carreira? Comecei a trabalhar aos 15 anos [1975] no Bodegón Alejandro, dos meus pais. Inicialmente fazia-se cozinha simples, de mercado. Mas aos 24 já tinha ido para fora e já fazia comida muito moderna para a época nesse espaço. Nunca tinham dado estrela a um bodegón, os clientes nem sabiam quem cozinhava no restaurante. Hoje é mais fácil ser chef e é muito importante no meu país, em Portugal e no mundo, ser cozinheiro. O pressuposto mudou e fizeram de nós, chefs, personalidades, mas eu sou tímido e ainda sou a mesma pessoa do início. É uma grande pressão ser Martín Berasategui? Depende como encarares o trabalho. A minha vida não muda nada por ter um restaurante. Sou um
bon vivant, muito exigente comigo mesmo. Mas o meu êxito vem do trabalho de equipa. Tenho a agradecer aos meus mestres, que foram os meus pais e a minha tia, e à minha equipa, que me dá novas ideias todos os dias, enquanto lhes transmito o conhecimento que tenho. Podia ter ficado apenas com um restaurante, mas teria perdido muitas oportunidades, não só para mim, mas para a minha marca e o meu país. A cozinha espanhola e a portuguesa têm muito a dizer no mundo, mas há que dar o primeiro passo.l