O LUGAR DAS MULHERES É NUMA FÁBRICA DE CERVEJA
PORTO Quatro mulheres iniciaram um projeto cervejeiro para produzir e abrir caminhos a outras mulheres. São As 4 Cavaleiras do ahopalipse e a sua primeira criação, pensada para celebrar o aniversário do Armazém da Cerveja, está quase a sair da panela.
Atrás de balcões de bares de cerveja artesanal, Chaiane Bittencourt e Liliyana Toma cansaram-se de ouvir coisas como “cerveja para gajas”, de ver mulheres a quererem que os companheiros escolhessem por elas ou clientes que preferiam pedir sugestões aos seus colegas homens. Agora a trabalharem ambas no bar Armazém da Cerveja, no Porto, decidiram juntar-se e desenvolver um projeto que vai dar origem a uma nova
Ecerveja e que quer promover a integração das mulheres neste mundo, desconstruindo preconceitos. “Como em abril o Armazém festeja o seu quinto aniversário, quisemos fazer algo diferente”, conta Chaiane. Falaram com a Rita Accarpio e o seu companheiro Franco, autores do projeto cervejeiro FDS, para produzirem uma cerveja especial para o aniversário, mas também queriam “fazer parte da produção”, diz Liliyana.
A ideia foi-se desenvolvendo e pensaram: porque não fazer uma cerveja só com mulheres, desenvolver um projeto que promovesse espaço para que estas se sintam “mais confortáveis” no mundo da cerveja artesanal? “Ainda existe o estereótipo de que só o homem é que faz cerveja. Hoje em dia não é assim. O nosso objetivo, além de fazer boa cerveja e divertirmo-nos, é abrir a porta a mais mulheres”. Ao contrário das suas três colegas, Liliyana, que estudou música na ESMAE, é estreante na produção.
O ARMAZÉM DA CERVEJA FOI DOS PRIMEIROS BARES DE CERVEJAS ARTESANAL DO PORTO. A 8 DE ABRIL DE 2017, O PROJETO DE PEDRO INÁCIO E RUBEN MOUTINHO ABRIU PORTAS NA RUA
FORMOSA. A CELEBRAÇÃO DO 5º ANIVERSÁRIO SERÁ FEITA EM DOIS DIAS
DE FESTA (8 E 9, SEXTA-FEIRA E SÁBADO). LANÇAMENTOS DE CERVEJAS, MÚSICA AO VIVO E ATUAÇÃO DE DJS ESTÃO ENTRE
OS EVENTOS DO PROGRAMA, QUE SERÁ REVELADO EM BREVE.
Chaiane, natural do Rio Grande do Sul, Brasil, já tinha produzido, antes de em 2018 vir para Portugal fazer o mestrado em Direito. “Em 2008 a cerveja artesanal estava a crescer no Brasil. Com o meu namorado da altura comecei a provar cervejas e a produzir de forma caseira. Quando vim para cá, deixei isso de lado; mas quando tive de trabalhar pensei que a única coisa que sabia fazer, além de advocacia, era trabalhar com cerveja artesanal”, conta. Passou algum tempo no bar da Letraria, em Braga, e desde o início do ano está no Armazém.
Quando se decidiram a fazer uma cerveja e pensar no estilo que queriam desenvolver, Rita lembrou-se de Raquel Magalhães. “Para trabalhar os aromas, ela era ideal”, diz. Cervejeira caseira, Raquel conheceu Rita nos encontros de homebrewers promovidos pelo pelo bar Catraio. Desde que foi à Bélgica, há 10 anos, que Raquel se começou a interessar pelo assunto. “Quando voltei a Portugal comecei à procura de espaços de
cerveja e foi quando abriu o Catraio”, lembra. Sugeriu ao namorado que começassem a produzir e embarcaram nessa empreitada em 2019. Pouco tempo depois, arrancaram os tais encontros de cervejeiros caseiros e formou-se um grupo para troca de experiências e aprendizagem. Assim conheceu Rita e Franco. “Entretanto, separei-me do namorado e ‘reformeime’ do mundo cervejeiro, mas a Rita foi-me buscar-me para fazer parte desta aventura”, conta. Eram, então, já quatro, e Rita lembrouse: “olha, somos as quatro cavaleiras do apocalipse” e logo transformaram o “apocalipse” em ahopal i pse [ t rocadilho com “hop”, lúpulo, em inglês].
É mesmo o lúpulo que está em destaque nesta primeira experiência. Decidiram produzir uma west coast IPA, estilo desenvolvido na Costa Oeste dos Estados Unidos a partir dos anos 1960. E isto é uma espécie de declaração de intenções, porque as caraterísticas do estilo são de mais amargor e de notas mais resinosas, em
Para esta west coast elaborada por Raquel, Rita, Chaiane e Liliyana foram utilizados os lúpulos chinook, centennial, cascade e citra
(em cima). detrimento das notas frutadas e florais, o oposto do que se pensa quando se fala em cerveja “que as mulheres gostam”.
“A ideia do estilo foi delas”, diz Rita, e é a primeira vez que este é produzido na microcervejaria da FDS, em V. N. de Gaia. “Já tinha feito imperial stouts, triples, mas uma west coast clássica nunca. Tive de estudar, de ler muitos artigos e fomos elaborando a receita, na qual usamos quatro lúpulos - o chinook, centennial, cascade e citra”.
Esta primeira produção será de 120 litros e será lançada no aniversário do Armazém da Cerveja. Parte dela será também enlatada ou engarrafada. Depois desta, vão começar a elaborar outras receitas. “Eu, a Liliy e a Rita somos muito ligadas às IPAS. A Raquel puxa mais para a linha das belgas, para o malte e para as sours. Vamos tentar encontrar um equilibrio entre isto tudo”, diz Chaiane. Agradar a vários gostos, sem olhar ao género, até porque, como diz Rita, não há “gostos de mulheres nem gostos de homens”. ●