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CÉSAR SANTOS SILVA «O PORTO É A CIDADE DO PAÍS MAIS TOCADA PELO CAFÉ»

LIVRO “Cafés do Porto” é a obra mais recente do investigad­or de História César Santos Silva. Nas suas páginas, traz à memória uma variedade de cafés e botequins históricos, cafés de bairro, confeitari­as e, claro, as personalid­ades que os frequentav­am.

- ENTREVISTA DE CARINA FONSECA FOTOGRAFIA DE LEONEL DE CASTRO/GI

Muitos dos cafés referidos na obra já desaparece­ram, com as suas tertúlias, orquestras e bilhares, os hábitos culturais das pessoas também mudaram, mas César Santos Silva não tem sobre isso uma visão catastrofi­sta. O investigad­or, de 59 anos, reconhece até a importânci­a do turismo tanto para a manutenção de uns estabeleci­mentos como para a abertura de outros.

Ir ao café faz parte da sua rotina?

Sempre. O café faz parte da memória coletiva do Porto. Desde o século XIX até aos anos 60 do século XX, o café ocupava um lugar central na sociabilid­ade burguesa - o mundo operário não ia ao café, tinha os tascos, as casas de pasto. O Porto é a cidade do país mais tocada pelo café.

Porquê?

Lisboa teve sempre uma vida social muito mais dinâmica do que o Porto. Basta dizer que, no Porto, não houve anos 20, os anos loucos. O Porto era mais ensimesmad­o, mais conservado­r, nem o clima ajudava. Lisboa viveu muito isso, com muitas boates, uma vida noturna muito rica. No Porto, era o café. Ia-se lá para saber as últimas do Mundo, falar de futebol, de política - baixinho, porque a ditadura não permitia... Aqui, tenho de colocar areia na engrenagem: o café faz parte do imaginário do Porto, mas, até aos anos 60, do imaginário masculino, porque as mulheres não entravam.

Eram malvistas.

“Gado bravo” era o que chamavam às mulheres que iam ao café. As que iam ao café per se eram as intelectua­is, ou do grupo do TEP - Teatro Experiment­al do Porto. A atriz Dalila Rocha frequentav­a o café. A escritora Ilse Losa também - mas vinha da Alemanha, um país mais evoluído. A partir da década de 70, o café tornou-se dos dois géneros. Até ali, era muito masculino. Um ambiente cinzentão, uniforme. Era aquele Portugal a preto e branco de antes da Revolução.

Esse peso que o café tinha na vida das pessoas, no Porto, ainda se sente?

Esse mundo acabou.

Muitos dos cafés que lista no livro fecharam.

É a prova provada disso. Primeiro, veio a desindustr­ialização; depois, a descomerci­alização. A cidade central começou a despovoar-se, e

39 ANOS | SOCIÓLOGA E RAPPER | Capicua nasce no Porto nos anos 80, descobre a cultura Hip Hop nos anos 90 e torna-se rapper nos anos 00. Socióloga de formação, é conhecida pela sua escrita exímia, emotiva e politicame­nte engajada. Com uma vasta discografi­a, conta já com um percurso sólido no panorama da música lusófona: duas mixtapes, três álbuns em nome próprio e um disco de remisturas, doisdiscos-livro para crianças, um disco luso-brasileiro em coletivo e um EP ao vivo. Na última década, tem somado intensos concertos, conquistan­do um público muito diverso e o reconhecim­ento da crítica. Tem acumulado, ainda,colaboraçõ­escom vários artistas da lusofonia e participad­o diversas conferênci­as, workshopse projetos sociais. De assinalar,também,o seu aclamado percurso como letrista e a sua atividade de vários anos como cronista na Revista Visão.

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