TENHO MUITA “LIFE” E MUITO POUCO “STYLE”
DEVÍAMOS refletir melhor na designação “jornalismo de lifestyle”, porque ela mete no mesmo saco publicações e linhas editoriais muito diferentes.
Tornou-se tanto comum quanto académico utilizar a designação “jornalismo de lifestyle” para nomear publicações como a Evasões. Não gosto dessa designação, porque mete no mesmo saco linhas editoriais diferentes, o que seria até um problema menor quando comparado com outro problema enorme: mete também nesse mesmo saco publicações que são jornalísticas e outras que não são. Também não gosto dessa designação porque - e podem dizer que sou antiquada -, para mim, jornalismo é jornalismo. O que há são abordagens da realidade, especialidades, nichos ou estratégias para nos dirigirmos a determinados interesses dos nossos públicos.
Por isso, nas ocasiões em que conversei com estudantes de jornalismo sobre este assunto, empenhei-me em desmontar essa expressão “jornalismo de lifestyle”. E em desafiálos a pensar no que é jornalismo e como podemos fazer jornalismo na área do lazer. Como é que nesta especialidade jornalística podemos honrar o compromisso com a procura da verdade, seguir a disciplina da verificação dos factos, procurar fazer serviço público?
Fiquei surpreendida por encontrar estudantes de jornalismo que achavam que trabalhar numa revista como esta é experimentar restaurantes e dizer se gostamos ou não da comida - uma estudante disse até que nos imaginava como o crítico do filme “Ratatui”... Ou seja, nessa perspectiva, é preciso o jornalista ter muito “lifestyle” ele próprio antes de se iniciar nesta especialidade...
Por isso, quis começar com bom humor e referir que tenho muita “life”, mas muito pouco “style”. Aliás, na minha equipa só há pessoas que dificilmente seriam confundidas com o austero crítico do “Ratatui” (nem mesmo o nosso crítico Fernando Melo, com a sua proverbial e bem disposta mordacidade, se assemelha a essa figura). Parece- me que nenhum de nós poderia também ser confundido com algum “infuencer” esforçando-se por dar nas vistas... nem somos mais aficionados de moda do que qualquer pessoa comum. Somos até, em geral, mais virados para o lado intelectual e literário da vida.
Porém, passamos muitas horas dos nossos dias a fazer contactos para confirmar factos. Às vezes, as rondas de contactos que fazemos não diferem muito, em método, da volta telefónica da secção Local para saber notícias da polícia e dos bombeiros. Seria com começarmos a falar em “jornalismo de lazer” em vez de “lifestyle”. É mais justo e mais de acordo com a realidade. ●
A PRÓXIMA SEMANA: ANA LUÍSA SANTOS
JORNALISMO É JORNALISMO.
O QUE HÁ SÃO ESPECIALIDADES OU ESTRATÉGIAS PARA IR AO ENCONTRO DO PÚBLICO