Exame (Portugal)

O tempo da tática

- POR TIAGO FREIRE Diretor

No momento em que escrevo, estão finalmente contados todos os votos das últimas legislativ­as, Luís Montenegro foi designado como futuro primeiro-ministro, mas não há ainda Governo. Da aritmética da votação já temos um Parlamento. O que não temos é uma via de estabilida­de governativ­a minimament­e credível.

Quem diria, há um ano, que chegaríamo­s aqui? Um Governo de maioria absoluta que cai devido a uma investigaç­ão judicial (com tanto por explicar), um Presidente da República a quem tudo fugiu da mão, um primeiro-ministro que se demite a quente, um Ministério Público que dispara primeiro e faz perguntas depois. E recuamos um pouco mais, ao momento em que António Costa, incompreen­sivelmente, decidiu segurar João Galamba e assim comprar uma muito pública guerra com Belém. Há um certo efeito borboleta desse primeiro erro, com consequênc­ias que ninguém poderia prever.

Aqui chegados, sabemos algumas coisas. A AD ganhou, mas por muito pouco e sem brilho; o PS caiu muito, face à inesperada maioria absoluta que teve anteriorme­nte, e o grande vencedor foi o Chega, que, mesmo não atingindo a percentage­m que algumas sondagens lhe atribuíam, multiplico­u fortemente o número de votos e de mandatos, ficando claramente como a terceira força do Parlamento. E agora?

Bom, agora entramos num microciclo político que já começou e abrange uma moção de censura inicial (que será rejeitada), um Orçamento do Estado retificati­vo limitado (que tem boas hipóteses de passar), eleições europeias e a proposta de Orçamento do Estado para 2025 (cujo desfecho é ainda uma grande incógnita).

Até lá, Montenegro tem de tentar formar um Executivo credível e convincent­e, com as dificuldad­es inerentes em convencer figuras de topo, perante tamanha incerteza política e até temporal de duração da missão. E vamos viver o tempo da tática.

O PSD abrirá os cordões à bolsa com medidas populares para algumas classes profission­ais (isto é, funcionári­os públicos), que PS e Chega apoiarão. O PS andará na fina linha de uma oposição dura mas com sentido de Estado, sempre à procura de uma oportunida­de para virar o jogo. E o Chega será o Chega, apenas mais ruidoso e fanfarrão. André Ventura tem tentado, nas últimas semanas, a imagem do estadista tranquilo, mas é demasiado impaciente para ficar em cima de mais de um milhão de votos e ainda assim “não contar para o Totobola”.

O País precisaria de estabilida­de e de um forte rumo para o médio prazo. Mas esqueça isso, caro leitor. Vamos viver os próximos meses num jogo de sombras, cujo único objetivo é posicionar as forças políticas de forma mais vantajosa para um futuro momento de eleições, que se espera sejam clarificad­oras.

Até lá, é trabalhar. E aguentar.

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