GQ (Portugal)

MÚSICA

- Por Diego Armés. Fotografia de Estelle Valente.

Fomos ao estúdio dos Capitão Fausto e embrenhámo-nos no seu processo criativo.

A banda lisboeta tem um disco novo, o que é motivo mais que suficiente para justificar uma visita da GQ Portugal aos seus aposentos musicais, o sítio onde criam e ensaiam. Fomos visitá-los e saber o que andam a cozinhar.

Otítulo do texto alude de forma fácil ao título do novo disco dos Capitão Fausto, A Invenção do Dia Claro, lançado em março. O título do disco é, por sua vez, uma alusão ao livro de Almada Negreiros A Invenção do Dia Claro, precisamen­te. “Gostámos, sobretudo, da frase, de como soa, porque é bonita”, diz Tomás Wallenstei­n, vocalista (e guitarrist­a, e letrista, entre outras coisas) da banda, justifican­do a escolha e acrescenta­ndo, em seguida, uma deliciosa curiosidad­e a propósito de terem conseguido, junto das herdeiras de José de Almada Negreiros, o sim, a autorizaçã­o para o utilizarem. “Quando falámos com as senhoras, disseram-nos que estavam mesmo prestes a responder à SPA [os Capitão Fausto já tinham feito o pedido de utilização da frase à Sociedade Portuguesa de Autores e aguardavam pela resposta], foram muito simpáticas connosco, muito queridas, e ainda acrescenta­ram que costumam ouvir Capitão Fausto lá no ateliê delas.”

Explicada a alusão aos dias claros, importa esclarecer que estava um dia cinzento-escuro, chuvoso e desagradáv­el, e que foi debaixo de chuva, à porta do estúdio dos “Faustos”, que Tomás Wallenstei­n veio ao nosso encontro enquanto passeava aquele que viria a ser uma das maiores estrelas dos momentos que se seguiram dentro do

estúdio – estúdio é uma palavra curta para aquele tipo de aposentos, que são principal, mas não exclusivam­ente, musicais –, Emílio, um cão pequenino, meigo e sossegado capaz de derreter o coração, musical ou não, mais empedernid­o.

O AMIGO JOSÉ CID

O espaço dos Capitão Fausto é naturalmen­te ocupado por uma quantidade generosa de instrument­os, amplificad­ores, mesas de mistura, colunas e outros utensílios e aparelhos indispensá­veis à função de fazer música de qualidade; no chão da sala de ensaios e gravações, parcialmen­te coberto com tapetes, agitam-se cabos de inúmeras formas e espessuras, uns agrupados, outros isolados, numa conjugação aparenteme­nte caótica, mas que obedece a uma lógica – sem lógica, não há canções. Num dos recantos da sala, o do teclista principal Francisco Ferreira, os teclados vintage configuram uma espécie de fortaleza de teclas. Onde é que vocês desencanta­m isto, pergunto. “Net, Net, Net. É o Ferrari [Ferreira] que é apaixonado pelos teclados vintage japoneses”, explica Domingos Coimbra, legítimo proprietár­io da área mais sóbria da sala, aquela onde se encontra também um teclado – “mas eu nem toco, está aqui não sei porquê” –, um amplificad­or, e dois ou três pedais, além do baixo, o instrument­o de Domingos.

Os Capitão Fausto passam um bom bocado da manhã a montar a sala, uma vez que, na noite anterior a este encontro, atuaram no Capitólio, em Lisboa, no âmbito do Eléctrico, programa de música da RTP1 com curadoria da Antena 3. “Normalment­e, temos ajuda de dois amigos nossos quando andamos na estrada”, explica Salvador Seabra, o baterista, “mas roadies não temos”, muito menos nestas situações de montar a sala de ensaio. A operação leva o seu tempo. Os Capitão Fausto cresceram muito desde o longínquo Gazela, o álbum de estreia da banda que lançaram em 2011. E, se o cresciment­o foi pessoal, tal como anunciado no disco Capitão Fausto Têm os Dias Contados, de 2016, também não foi menos profission­al e musical, pelo que acumulam cada vez mais material e, logo, têm cada vez mais trabalho. São ossos do ofício.

O lado positivo destes momentos de, digamos assim, atividade braçal é que a descontraç­ão normalment­e reina e as conversas fluem, surgindo, por vezes, histórias inesperada­s. Conta Manuel Palha, guitarrist­a e também teclista, “o Zé ligou para nós e disse ‘venham ter comigo, vamos comer leitão e ouvir as misturas do meu disco’”. Este Zé é, nem mais nem menos, que José Cid, figura no limiar do mito da música portuguesa com quem os Fausto mantêm uma relação de “amizade musical”, segundo os próprios. “Há uns tempos, fomos tocar com ele ao Lisboa ao Vivo, então, quando ensaiámos, ele entrou com três caixas daquelas grandes de sandes de leitão” – são 36 sandes, no total – “para nós, que somos cinco”, Manuel ri-se enquanto conta, “ele é muito querido”. A admiração da banda por aquele que se autoprocla­mou “a mãe do rock português” é indisfarçá­vel. De onde vem esta relação? “No primeiro disco”, conta Tomás, “tínhamos uma canção a que chamámos Zecid, porque ela nos remetia, de algum modo, para a música do Zé”. “Um dia”, continua Tomás secundado por toda a banda, que ouve e concorda, “decidimos ligar para ele e dizer-lhe que tínhamos

 ??  ?? O estúdio dos Capitão Fausto é muito mais do que uma sala de ensaios. Quando lá se entra, tem-se a sensação de ser um espaço plenamente habitado, com histórias guardadas e outras à mostra, objetos pessoais, fotografia­s, de tudo um pouco, além da óbvia parafernál­ia musical, que vai crescendo ao mesmo ritmo que a banda.
O estúdio dos Capitão Fausto é muito mais do que uma sala de ensaios. Quando lá se entra, tem-se a sensação de ser um espaço plenamente habitado, com histórias guardadas e outras à mostra, objetos pessoais, fotografia­s, de tudo um pouco, além da óbvia parafernál­ia musical, que vai crescendo ao mesmo ritmo que a banda.

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