SAÚDE
A infertilidade é um problema que afeta ambos os géneros, mas estarão os homens preparados para lidar com ela?
Pôr uma criança no mundo é um trabalho da mãe e do pai. Não conseguir fazê-lo é um problema da mulher e do homem. Há muito que a infertilidade deixou de ser um assunto associado apenas ao sexo feminino, mas será que no masculino se sabe tudo sobre esta questão?
“Chamo-me Nuno e a minha companheira Ana. A nossa relação dura desde 2004, eu tenho 37 anos e ela 35. Tomámos a decisão de avançar para acrescentar um elemento à família em 2014. Eu e a Ana falámos com os respetivos médicos de família e fizemos as análises e exames recomendados e, não havendo nenhum problema detetado, a
Ana suspendeu a toma do anticoncecional. Passámos a ter relações desprotegidas, mas sem controlo do período fértil, apenas de acordo com a vontade. Passado cerca de um ano, e uma vez que não tínhamos pressa, não surgiu a tal gravidez esperada. Passámos então a controlar o calendário e a direcionar as relações para o período fértil. Passaram mais uns meses, algumas ansiedades, interrogações, e o resultado esperado esbarrava em nova menstruação. Decidimos então procurar respostas, eu em Urologia e a Ana em Ginecologia. Fiz o primeiro espermograma em maio/junho de 2016 e foi aí que soube que o problema era meu. O resultado foi azoospermia e foi o primeiro murro no estômago. Com a Ana estava tudo bem, apenas um pequeno mioma uterino, sem grande importância.
Fiz outros exames para tentar detetar a origem do problema e iniciei a toma de um suplemento hormonal durante seis meses. Os exames não detetaram problema algum para a ausência de espermatozoides no esperma. Durante esses meses, continuámos a tentar. Nesta fase, a nossa esperança vai-se redirecionando, primeiro para o sucesso do tal suplemento, depois para o passo seguinte. Somos ambos bastante calmos, aceitámos as limitações e procurámos ajuda. Conseguimos uma consulta para
PMA [procriação medicamente assistida] na Maternidade Júlio Dinis no início de 2017. Voltámos a fazer exames e confirmou-se o diagnóstico de azoospermia. Não havendo espermatozoides no esperma, o passo seguinte foi tentar retirá-los diretamente do testículo, onde são formados. Tentou-se por meio de biopsia testicular, mas sem sucesso. Os vestígios encontrados não permitiram recurso a técnicas de PMA e identificou-se o problema como sendo genético. Esta intervenção foi bastante dolorosa fisicamente no pós-cirúrgico, e também ao nível psicológico. Aqui foi o diagnóstico final da minha impossibilidade de ter filhos, em junho de 2017. Mais um balde de água fria nas nossas aspirações de ser pais.”
A infertilidade não olha a géneros e, diz a Associação Portuguesa de Fertilidade (APF), que homens e mulheres até andam de mão dada nas percentagens, com ambos a atingirem números que rodam os 40%. Falamos nela quando um casal não consegue engravidar após um ano de relações sexuais desprotegidas ou após seis meses de tentativas quando a mulher tem mais de 35 anos e o homem 40. Mulher e homem, repetimos. A ideia de que este é um problema meramente feminino já era, só que – também diz a APF – os homens continuam a ter menos iniciativa para consultar especialistas e acabam por ser as mulheres
a ser mais vocais sobre a impossibilidade de terem filhos, perpetuando-se o preconceito. Lá está ela, a maldita masculinidade tóxica, essa versão machista de ver as coisas que nos ensinou (tão erradamente) que um homem incapaz de gerar vida não deve ser lá grande homem e provavelmente até tem problemas em pô-lo de pé. Está longe de ser verdade, mas “a fertilidade e a potência são duas áreas muito importantes na constituição da autoestima masculina”, diz-nos a psicóloga Catarina Mexia. “A vergonha é uma das respostas que aparecem naturalmente e a perturbação emocional para um homem infértil é maior quando carrega o diagnóstico e se sente responsável por ele. Além de viver o drama de ser infértil, o homem vive ainda o drama de privar a sua companheira do filho desejado.” Esse drama, essa vergonha, essa culpa são corrosivos, magoam, desgastam e sabem ao tal murro no estômago, ao tal balde de água fria. Mas são também um assunto do casal e não qualquer coisa que tem de ser vivida a solo. Ou não são precisos dois para concretizar essa meta de vida que é ter um filho?
No homem, tal como na mulher, as causas para a infertilidade podem ser várias, mas as anomalias no sémen são apontadas como as mais comuns pela Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR). Essas anomalias podem ser explicadas pela baixa produção do número de espermatozoides (em condições normais, um homem produz cerca de 100 milhões de espermatozoides e abaixo de 20 milhões estamos perante um caso de fertilidade reduzida), mas também pela sua configuração anormal, mobilidade reduzida ou até inexistência [ver caixa]. E como é que isso acontece? A culpa pode ser da genética, de doenças como a diabetes ou o cancro, de problemas hormonais ou infeções, mas também de uma lista comprida que diz respeito aos nossos hábitos diários. Entre eles, estão os não tão surpreendentes stress, tabagismo, alcoolismo, consumo de drogas, sedentarismo, excesso de calor, obesidade e exposição a substâncias tóxicas. É por isso que parte da estratégia da APF passa pelo apelo a rotinas mais saudáveis, dessas que incluem hábitos como o exercício físico, a alimentação equilibrada e variada, o uso de roupas confortáveis e não apertadas e, claro, dizer não a esses suspeitos do costume que são o álcool, o tabaco e as substâncias tóxicas. Isso e não ter medo das visitas ao senhor doutor, logo desde cedo. “Um acompanhamento médico ao longo da infância e na fase da adolescência é importante para observar se existe alguma anomalia física, ou ainda a realização de um espermograma numa idade precoce, a partir dos 18 anos, por exemplo”, aconselha a APF. Vá, não vale a pena diabolizar o consultório. A não ser que seja lá que surgem os problemas.
“O meu marido foi submetido a duas cirurgias para colocação de redes para correção de hérnias inguinais, ainda antes de pensar ter filhos e longe de saber que isso lhe alteraria a vida para sempre. Em nenhum momento foi alertado pelos médicos que isso lhe podia trazer consequências para a sua fertilidade. Passado uns anos, quando começámos a tentar ter filhos, como não estávamos a conseguir, fizemos uns exames mais específicos e, logo aí, os espermogramas vieram com valores bastante alterados. A partir daí, foi uma busca de respostas, visto sermos ambos saudáveis, nada fazia prever isto. Até que, após consulta com urologista, foi indicado fazer uma nova cirurgia para se perceber qual era o problema. Nesta cirurgia, percebeu-se que quem o tinha operado anteriormente não se preocupou minimamente em manter a fertilidade de uma pessoa jovem, isto porque tinham puxado os canais deferentes (canais por onde passam os espermatozoides dos testículos para o exterior) e foram cosidos às redes que tinham colocado. Isto fez com que esses canais ficassem obstruídos e sem qualquer hipótese de recuperação. Um diagnóstico não mais ou menos violento que infertilidade causada por outros fatores, mas sim com o bónus de um sentimento de revolta e tristeza profunda porque irreversivelmente lhe provocaram isto: a condenação de nunca vir a conseguir ter filhos de forma natural. Entretanto, já nos submetemos a três ICSI [injeção intracitoplasmática] com biopsia testicular, mas sem sucesso. Continuaremos a lutar pelo nosso tão desejado filho, mas não é fácil.” Laura (nome fictício), 32 anos.
As causas para a infertilidade podem ser várias, mas as anomalias
no sémen são apontadas como as mais comuns.