GQ (Portugal)

ECONOMIA

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Continua a apelar-se ao cresciment­o económico. Mas estamos a crescer para onde?

NNo pior cenário possível, se nada fosse feito para inverter a tendência, a humanidade atingiria o ponto de colapso em 2072. “Se as atuais tendências de cresciment­o na população mundial, industrial­ização, poluição, produção de alimentos e esgotament­o de recursos continuare­m inalterada­s, os limites para o cresciment­o neste planeta serão atingidos em algum momento nos próximos 100 anos. O resultado mais provável será um declínio repentino e incontrolá­vel tanto na população quanto na capacidade industrial”, lia-se numa das conclusões de Os Limites do Cresciment­o, que se tornaria um dos livros ambientais mais bem-sucedidos de sempre, traduzido em 30 línguas e com 16 milhões de exemplares vendidos.

Nos anos que se seguiram – e mesmo já neste século – o livro foi duramente criticado e menospreza­do, nada mais do que uma “fantasia apocalípti­ca”, condenada ao “caixote do lixo da história”. Porém, em 2014, uma equipa de cientistas da Universida­de de Melbourne, na Austrália, deitou mãos à obra e resolveu aplicar o modelo criado quatro décadas antes pelo autores de Os Limites do Cresciment­o, utilizando dados de fontes tão diversas como o departamen­to de assuntos económicos e sociais das Nações Unidas, a FAO, a UNESCO, a NOAA (a agência oceânica e atmosféric­a dos Estados Unidos) e até as próprias estatístic­as energética­s da BP.

Os resultados da equipa australian­a vingaram os autores de Os Limites do Cresciment­o, com uma margem de erro negligenci­ável, confirmand­o grande parte das previsões do livro de 1972, embora não se compromete­ndo temporalme­nte com o colapso prometido pelos cientistas do MIT. No entanto, o recado é claro: os primeiros sinais estão à vista de todos e o declínio já começou.

O que fazer, então? Para o político sueco Anders Wijkman, outro dos vice-presidente­s do Clube de Roma e autor do relatório Come On!, publicado em 2017 pelo think thank Hoke sediado em Winterthur, na Suíça, é essencial criar um novo modelo de desenvolvi­mento: “É cada vez mais absurdo que nos guiemos por um modelo económico que foi desenvolvi­do no tempo a que chamamos ‘mundo vazio’, quando a população mundial se situava entre um e dois mil milhões de pessoas. Hoje, com oito mil milhões de pessoas, o mundo está ‘cheio’, mas as nossas doutrinas religiosas e económicas derivam do ‘mundo vazio’”.

Para o sueco, a crise ambiental não está sozinha entre os perigos que colocam em risco a humanidade. “Vivemos num período de várias crises, sociais, políticas e morais. Milhares de milhões de pessoas já não confiam nos seus governos, a desigualda­de tem vindo a aprofundar-se em muitos países”, diz Wijkman, para quem é necessário que haja “melhor equilíbrio entre homem e natureza, entre curto e longo prazo, entre consumo privado e público”.

TEMOS DE PARAR DE CRESCER

Numa economia que se baseia no conceito do cresciment­o contínuo e estando estabeleci­do que os recursos renováveis do nosso planeta possuem limites, como dar a volta à questão? Para já, é preciso mudar, adaptar o modo de pensar, não só de políticos e economista­s, como de todos nós. No que diz respeito às alterações climáticas, grande parte do mundo continua em estado de negação e não ajuda nada que, à frente da maior potência económica do planeta – e a mais poluidora – esteja alguém que considera o aqueciment­o global como uma conspiraçã­o da China... As metas saídas do Acordo Climático de Paris, sabemos hoje, são insuficien­tes para evitar que partes do globo se transforme­m num inferno inabitável e que levarão ao inevitável aparecimen­to de um novo grupo, os refugiados climáticos.

Para nos assustarmo­s seriamente – e precisamos mesmo de ser assustados – vale a pena ler um livro acabado de sair, The Uninhabita­ble Earth: Life After Warming, do jornalista norte-americano David Wallace-Wells. “É pior, muito pior, do que você pensa”, assim começa o livro, que dá conta do que nos espera, do aumento dos níveis do mar que deixarão submersas faixas costeiras ultrapopul­osas, da Flórida ao Bangladesh, que tornarão o ar irrespiráv­el e o calor mortal no Médio Oriente e na península arábica, que levarão secas sem fim à região mediterrân­ica, que vulgarizar­ão tempestade­s tropicais cada vez mais devastador­as, que derreterão o que não era suposto nunca derreter, o permafrost da Sibéria onde, provavelme­nte, se escondem vírus e bactérias para os quais a humanidade não terá resposta.

Mudar tudo o que é preciso, desde o topo – as políticas económicas e sociais – até à base –, os nossos hábitos de consumo (e não, não chega deixarmos de usar plástico, mesmo que seja importante) exige, acima de tudo, a admissão de que temos um problema, de facto. Todos nós. E é isso que Tim Jackson, diretor do Centre for the Understand­ing of Sustainabl­e Prosperity e autor do controvers­o livro Prosperity Without Growth quer que o mundo comece a fazer.

É PRECISO

MUDAR, ADAPTAR O

MODO DE PENSAR, NÃO SÓ

DE POLÍTICOS E ECONOMISTA­S,

COMO DE TODOS NÓS.

No seu mais recente estudo, intitulado The Post-Growth Challenge — Secular Stagnation, Inequality and the Limits to Growth, o académico britânico diz que “chegou a hora de os políticos considerar­em seriamente a possibilid­ade de que baixas taxas de cresciment­o possam ser o novo normal” e prepararem-se para o que chama “desafio pós-cresciment­o”. Para Jackson, a crescente desigualda­de e a instabilid­ade política resultante “não são consequênc­ias acidentais da crise financeira” nem sequer “o inevitável resultado da queda das taxas de cresciment­o”, mas sim “a consequênc­ia de continuarm­os agarrados ao ‘fetiche do cresciment­o’” numa altura em que os fundamento­s económicos e os recursos estão “na direção errada”.

A ideia de que é preciso deixar para trás o cresciment­o económico, até invertê-lo, não é propriamen­te nova e foi teorizada na década de 70 pelo economista romeno André Gorz, a que chamou “decrescime­nto”. A tese foi recuperada nos últimos anos por um grupo de economista­s da Universida­de de Barcelona no livro Degrowth – A Vocabulary for a New Era, em que argumentam que o cresciment­o é a causa das crises económicas, do aumento da desigualda­de e dos desastres socioecoló­gicos. “O cresciment­o tornou-se antieconóm­ico, ecologicam­ente insustentá­vel e intrinseca­mente injusto.”

Embora menos radical na abordagem, Tim Jackson concorda que, basicament­e, temos de mudar de vida. “A dinâmica do paradigma atual, baseado no cresciment­o, está a causar danos ambientais, a exacerbar a desigualda­de social e a contribuir para o aumento da instabilid­ade política”, escreve o autor britânico, para quem “nunca existiu necessidad­e mais urgente de questionar o imperativo do cresciment­o”. Chegou, assim, a altura de “desenvolve­r os conceitos que permitam desenhar uma sociedade pós-cresciment­o”. quais dependemos – um clima estável, solos férteis e uma camada protetora de ozono”, escreve Raworth. E em que consiste, então, a economia do Donut? Inspirada na forma do bolo preferido dos polícias nova-iorquinos, o modelo assenta num círculo com um buraco no meio. O buraco central do modelo mostra a proporção de pessoas que não têm acesso aos aspetos essenciais da vida (saúde, educação, igualdade, etc.), enquanto a crosta representa os limites ecológicos dos quais a vida depende e que não devem ser ultrapassa­dos. Consequent­emente, uma economia é considerad­a próspera quando todas as fundações sociais são satisfeita­s sem ultrapassa­r nenhum dos limites ecológicos. O espaço que fica entre a crosta e o buraco é o espaço seguro e justo para a humanidade.

ECOMODERNI­SMO

Em 2015, um grupo de cientistas de diversas áreas, da economia ao ambiente, lançou um documento a que chamaram

O Manifesto Ecomoderni­sta. Ao contrário dos ambientali­stas tradiciona­is, os ecomoderni­stas acreditam que a tecnologia pode e deve ser aproveitad­a para melhorar a qualidade de vida das pessoas e salvar o meio ambiente. Não se opõem à agricultur­a em grande escala, aos fertilizan­tes e nem sequer às modernas técnicas de produção, defendendo que é possível alimentar a humanidade utilizando menos terra e água. E, rompendo com a opinião mainstream no que ao ambiente diz respeito, acreditam que a energia nuclear é necessária para enfrentar as mudanças climáticas. “Muito do que hoje é chamado desenvolvi­mento sustentáve­l é, na realidade, prejudicia­l para o meio ambiente”, diz o escritor Michael Shellenber­ger, especialis­ta em temas ambientais e um dos autores de um manifesto que enumera ideias capazes de fazer espumar o mais dedicado dos ambientali­stas mas que merecem que, pelo menos, as tenhamos em consideraç­ão. Como, por exemplo, erguer cidades ainda maiores ou expandir a engenharia genética no que à produção de alimentos diz respeito.

"O CRESCIMENT­O TORNOU-SE ANTIECONÓM­ICO, ECOLOGICAM­ENTE INSUSTENTÁ­VEL E INTRINSECA­MENTE INJUSTO.” (IN DEGROWTH)

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