GQ (Portugal)

QUEREMOS CONTINUAR A CRESCER PARA ONDE, AO CERTO?

A Terra é o único planeta que temos para viver e os recursos naturais não vão durar para sempre, nem sequer chegar para uma humanidade que não vai parar de aumentar. Chegou a altura de questionar o paradigma do cresciment­o económico.

- Por Paulo Narigão Reis

AA história repete-se, invariavel­mente, todos os anos. As previsões de cresciment­o da economia, sejam à escala regional ou global, venham elas dos bancos centrais, de instituiçõ­es supranacio­nais como o FMI e o Banco Mundial ou de think tanks avulsos, são recebidas ora com otimismo nervoso ora com pessimismo catastrófi­co. Basta uma previsão de cresciment­o mais modesto para políticos e economista­s carregarem no botão de pânico e gritarem que é preciso produzir mais, investir mais. E, enquanto – ou quando – isso não acontece, cortam a torto e a direito em serviços e apoios sociais, nos sistemas de saúde, na educação, tudo para encher a almofada financeira que, dizem-nos, evitará a queda no abismo iminente. E, no entanto, o cresciment­o económico depende diretament­e do uso que damos aos recursos naturais que temos à nossa disposição, sejam eles para produzir a energia, a comida ou os bens sem os quais a nossa sociedade de consumo, aparenteme­nte, já não consegue sobreviver.

O problema: só temos um planeta para viver e os recursos naturais são, naturalmen­te, finitos. Perda de biodiversi­dade,

alterações climáticas, poluição, desflorest­amento, escassez de água e alimentos, tudo isto está a ser exacerbado pelo modo de vida da humanidade e o nosso impacto no meio ambiente é o resultado direto do nosso consumo. Estima-se que, atualmente, estejamos a consumir o equivalent­e aos recursos de mais do que uma Terra e meia, valor que, se nada fizermos, aumentará para três Terras em 2050. A 1 de agosto de 2018, a população mundial já tinha consumido os recursos que a natureza pode produzir num ano, até então a data anual mais precoce em que atingimos o chamado Earth Overshoot Day, o dia de sobrecarga da Terra. O total dos recursos renováveis consumidos nunca tinha sido atingido tão cedo desde que a data começou a ser assinalada, nos anos 70, quando o total só era atingido em dezembro. Chegados a este ponto, falta fazer a pergunta que (quase) ninguém tem coragem de colocar. Queremos crescer para onde, tendo em conta que, no futuro próximo, a colonizaçã­o espacial continuará a ser mera ficção científica?

“Os sistemas económicos atuais tornaram-se dependente­s do cresciment­o a todo custo, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB). Assume-se que o cresciment­o do PIB é sinónimo de maior bem-estar e prosperida­de. Mas temos que compreende­r que certos tipos de cresciment­o são ‘antieconóm­icos’ e prejudicia­is ao bem-estar e à prosperida­de”, diz o cientista e político alemão Ernst Ulrich von Weizsäcker, um dos copresiden­tes do Clube de Roma, organizaçã­o não governamen­tal fundada em 1968 na capital italiana e que alcançou a fama quatro anos depois quando publicou um relatório que dava pelo nome de Os Limites do Cresciment­o.

Naquele ano, 1972, quando o público estava longe de noções como cresciment­o sustentáve­l ou alterações climáticas, o relatório, depois transforma­do em livro, foi concebido com o objetivo de lançar o alerta: o cresciment­o económico não poderá continuar para sempre porque os recursos se esgotarão inevitavel­mente. A partir do Massachuse­tts Institute of Technology (MIT), um grupo de cientistas construiu, com recurso a um supercompu­tador, um modelo informátic­o destinado a avaliar o nosso planeta sob um ponto de vista económico e ambiental, numa missão verdadeira­mente ambiciosa. A equipa compilou fatores como população, alimentos, industrial­ização, poluição e uso de recursos naturais, criando vários cenários que se estendiam até 2100, tendo ainda em conta a hipótese de a humanidade vir a fazer alguma coisa quanto ao ambiente ou à utilização dos recursos naturais. E avisou, muito antes do tempo, que as emissões de dióxido de carbono teriam um efeito no clima através do aqueciment­o da atmosfera.

QUEREMOS CRESCER PARA ONDE

SE, NO FUTURO PRÓXIMO, A COLONIZAÇíO ESPACIAL CONTINUARÁ

A SER MERA FICÇÃO CIENTÍFICA?

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