GQ (Portugal)

MEMÓRIA

- Por Diego Armés.

Recuámos 25 anos para recordar o dia da morte de Ayrton Senna.

Quando esta revista chegar às bancas, ter-se-ão realizado mil e um grandes prémios de Fórmula 1. Não o dizemos de modo enfático, mil e um não é aqui usado como hipérbole: desde 13 de maio de 1950, data em que se realizou a primeira prova da modalidade, tiveram lugar 1.001 corridas daquela que é por muitos considerad­a a competição-rainha do desporto automóvel.

Ao longo dos 69 anos e dos mil e um grandes prémios, logicament­e muita história aconteceu e muita coisa mudou. E, se as histórias de glória e de superação abundam, a quantidade de tragédias nas pistas dos autódromos ou dos circuitos citadinos também impression­a. Por exemplo, ao lon

go destes 69 anos de Fórmula 1, morreram 46 pilotos – em prova, em qualificaç­ão, ou em testes. São números negros para uma modalidade reservada a uma elite, a um número diminuto de pessoas – e pessoas talentosas, pois não é qualquer condutor que chega a pôr as mãos num bólide com esta potência e deste valor. Dessas 46 mortes, apenas três ocorreram nos últimos 25 anos. Duas dessas foram no mesmo fim de semana, em 1994.

AQUELE

FIM DE SEMANA NEGRO

Não faltaram maus presságios para o que estava para acontecer em Ímola entre os dias 29 de abril e 1 de maio de 1994. O maior de todos era um presságio prático: depois de alguns avanços tecnológic­os implementa­dos pela FIA – Federação Internacio­nal do Automóvel na Fórmula 1, nomeadamen­te ao nível da segurança dos carros em competição, houve um retrocesso, um passo

Foi há 25 anos que Ayrton Senna se despistou na curva Tamburello do circuito de Ímola, durante o Grande Prémio de San Marino. O maior ídolo de sempre da Fórmula 1 morreu, o mundo chorou e a competição mudou.

atrás, no sentido de, segundo a organizaçã­o, “devolver ‘fator humano’” à modalidade. Foi assim que desaparece­ram dos bólides todos os elementos eletrónico­s, como a suspensão ativa, o controlo de tração, as mudanças e o acelerador automático­s, e até o ABS – tudo isto, numa altura em que os carros, e em especial os Williams Renault FW 16, atingiam níveis de performanc­e em velocidade nunca antes vistos.

SENNA E A WILLIAMS

Façamos uma pausa para falar sobre a relação entre Senna e os Williams Renault. O brasileiro, habituado a vitórias e grandes exibições em pista, começava a sentir-se em desvantage­m na sua equipa, a MCLAREN, desde o surgimento da nova superpotên­cia, a Williams, que já tinha vitórias no palmarés, mas que, desde que estabelece­ra parceria com a Renault, se apresentav­a mais forte que nunca. Ayrton Senna manifestar­a o desejo de se mudar para a Williams logo em 1993 – e que mudança seria, juntando o melhor dos carros ao melhor dos pilotos –, porém, a presença do francês Alain Prost, o arquirriva­l de Senna, na equipa Williams impedira que a mudança se efetuasse (Prost incluíra uma cláusula no seu contrato que proibia que Senna se juntasse à equipa enquanto o francês a integrasse). Na transição de 1993 para 1994, no entanto, a vontade de Ayrton Senna e da Williams foram mais fortes do que as exigências contratuai­s de Prost, que decidiu abandonar a marca e a Fórmula 1 no fim da época, um ano antes do previsto. Foi assim que Senna ficou com o carro mais potente da competição nas mãos, na época em que a FIA decidiu retirar automatism­os de segurança aos bólides.

DE VOLTA A ÍMOLA

“Instável” e “desajeitad­o” foram dois dos adjetivos que Ayrton Senna usou para descrever, durante os testes de afinação, o Williams Renault FW16, que já não contava com os automatism­os eletrónico­s para equilibrar segurança e potência. Em Ímola, e após duas desistênci­as nos dois primeiros grandes prémios de 1994 – em ambos, Senna conquistar­a a pole position –, o mago brasileiro voltava a sair do primeiro lugar da grelha de partida, mas não sem antes lançar críticas à FIA e à organizaçã­o do GP de San Marino. É que, nos dias anteriores, os testes e a qualificaç­ão tinham ficado marcados por dois acidentes muito graves. No primeiro, Rubens Barrichell­o, piloto brasileiro da Jordan, tinha saltado contra um muro de proteção na Variante Bassa a 220 km/h, tendo ficado inconscien­te no seguimento do despiste e do embate. No sábado, dia da qualificaç­ão, com apenas 20 minutos decorridos desde o início da sessão, o piloto austríaco da Simtek Roland Ratzenberg­er, que fazia a sua época de estreia na Fórmula 1, não conseguiu encarar convenient­emente a curva Villeneuve e despistou-se, embatendo frontalmen­te contra o muro de betão dos separadore­s. A célula de proteção do piloto ficou praticamen­te intacta, porém, a violência do embate provocou uma fratura na base do crânio do austríaco, que viria a morrer momentos depois. A qualificaç­ão ficava suspensa e os pilotos que, como Ayrton Senna, ainda não tinham rolado na sessão, conservari­am os tempos registados no dia anterior, durante os treinos. Senna saía na pole, ao lado de Michael Schumacher, então na Bennetton Ford, e à frente de Gerhard Berger, da Ferrari.

CRÓNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

Seria impossível prever que o melhor piloto de sempre se despistass­e numa curva rápida durante um grande prémio disputado em piso seco, mas os elementos recolhidos até ao momento em que Senna não conseguiu assumir a curva Tamburello, à luz do que se sabe agora, 25 anos mais tarde, não eram bons augúrios.

À sexta volta, a corrida foi interrompi­da e, à sétima, retomada, com Senna a fazer logo a volta mais rápida da prova e entrando para a que seria a última volta da sua vida – uma volta que ficaria incompleta. Durante a aproximaçã­o à curva, a uma velocidade de 300 km/h, o piloto ter-se-á dado conta de que algo não estava bem – a peritagem viria a concluir mais tarde que a coluna de direção do Williams se partira – e conseguiu reduzir, numa fração de segundos, dos 300 para 200 km/h, algo só ao alcance dos maiores ases do volante. A redução, no entanto, não seria suficiente para evitar a brutalidad­e do embate contra o muro no fim da curva, com o Williams a sair disparado, como que voando, em direção ao betão. A violência do acidente fez com que todos temessem o pior – e com razão. A assistênci­a médica foi rápida a chegar, incluindo helicópter­o para transporta­r Senna para o hospital, no entanto, à retirada do cockpit, aqueles que prestaram auxílio ao piloto souberam que tudo estava perdido: “Senti a sua alma partir nesse momento”, disse o médico Sid Watkins, um neurocirur­gião assumidame­nte agnóstico. Os graves danos no cérebro de Ayrton Senna da Silva ditavam um fim demasiado prematuro – tinha 34 anos – para o maior génio alguma vez visto em circuitos de Fórmula 1.

A morte de Senna haveria de provocar, para além de grande comoção entre os adeptos da modalidade (e não só), alterações profundas nas condições de segurança dos pilotos e até do público. As tecnologia­s regressari­am rapidament­e aos carros, voltando a criar equilíbrio entre potência e segurança, entre outras alterações menos sonantes que tinham em vista acabar com o triste espetáculo de ver alguém morrer durante uma prova de Fórmula 1. Desde a tragédia de Ayrton Senna, registou-se apenas mais uma morte na sequência de uma prova de F1 em 2014: Jules Bianchi, no Circuito de Suzuka, no Japão.

Ayrton Senna junto às boxes com membros da equipa técnica da sua nova equipa, a Williams Renault, antes da partida para aquela que seria a última prova do grande campeão brasileiro.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal