ESTADO DO RETÂNGULO
Depois de 17 mil milhões de euros em dívidas, porque é que a banca continua a ser um poço sem fundo para a economia do País?
Em 10 anos, as ajudas do Estado aos bancos portugueses custaram‑nos quase 10% do produto interno bruto. Em vez de financiar a criação de riqueza do País, a banca nacional tem sido um autêntico sorvedouro de dinheiro dos contribuintes, numa fatura que não para de aumentar.
Ou, para sermos mais exatos, 16,7 mil milhões, que nisto de dinheiro dos contribuintes todos os milhões contam. A fatura foi emitida no fim do ano passado pelo Tribunal de Contas (TC), detalhando o custo de cada banco que foi alvo de intervenção do Estado na última década. E este valor total, os tais quase 17 mil milhões de euros, valem quase 10% do produto interno bruto de Portugal que, no ano passado, estava nos 201 mil milhões de euros. A percentagem aumenta quando falamos na riqueza que o País produziu em 2018: 12%. E se acrescentarmos o mais recente pedido de “ajuda” do Novo Banco, a fatura deverá, este ano, ultrapassar os 18 mil milhões de euros. Trocando por miúdos, cada português já contribuiu assim com 1.800 euros para ajudar a salvar a banca. No Orçamento do Estado para 2019, o Governo inscreveu uma despesa de 850 milhões para ajudas à banca, mas o encargo tem tudo para ser maior, já que o Novo Banco vai pedir ao Fundo de Resolução, que é financiado pelo Estado e pelos bancos, mais 1.149 milhões de euros.
Numa Nação em que a saúde das finanças nunca foi propriamente exemplar, o encargo com resgates, intervenções e afins no setor financeiro não é de fácil compreensão para o cidadão comum que, nos últimos anos, se habituou, à força, a viver em austeridade. A sentença dada pelo TC não é meiga para a banca portuguesa, mesmo que escrita em estilo solenemente oficial: “O esforço financeiro resultante das intervenções públicas destinadas a apoiar o sistema financeiro nacional no seguimento da crise financeira internacional, iniciada em 2007, constituiu um encargo elevado para o erário público, em particular, num contexto de finanças públicas deficitárias.”
No que toca a ajudar bancos em problemas, o nosso país não tem, aliás, igual entre os seus parceiros europeus. Segundo dados do Eurostat analisados pelo Dinheiro Vivo, Portugal é o Estado com a fatura mais pesada da Europa a 28, registando ainda a segunda maior taxa de esforço relativamente ao produto interno bruto. Só no espaço de três anos, entre 2014 e 2017, os contribuintes portugueses pagaram 12,8 mil milhões de euros em apoios ao setor financeiro, com uma taxa de esforço equivalente a 6,6% do PIB. Portugal gastou mais dinheiro em ajudas à banca do que Itália, uma economia oito vezes maior do que a nossa e que, com 10,5 mil milhões de euros, aparece em segundo neste pouco desejado ranking europeu.
UMA CAIXA ONDE CABE SEMPRE MAIS
De todos os bancos portugueses, o estatal Caixa Geral de Depósitos (CGD) é o que tem estado na berlinda nos últimos tempos. Por estes dias, lá vai continuando a comissão parlamentar de inquérito à gestão e recapitalização da CGD, onde vão sendo conhecidos, a conta-gotas e com muitos “não tenho memória” pelo meio, os contornos de operações de crédito verdadeiramente suicidas para a saúde do banco de todos os portugueses. Ou, pelo menos, dos portugueses que contam... No início do ano, veio a público uma auditoria realizada pela EY em que, entre outros dislates, foram concedidas diversas operações de crédito sem que tivesse sido feita uma análise de risco aprofundada, incluindo, segundo a consultora, “operações aprovadas com parecer de risco desfavorável ou condicionado”, tendo algumas delas contribuído para aumentar a exposição do banco do Estado, numa lista de devedores em que sobressaem Joe Berardo (através da Fundação Berardo e da holding Metal Gest), a Artlant, a Birchview e a QDL (do agora famigerado projeto de Vale do Lobo), a Investifino e a Finpro. A auditoria, que é especialmente crítica do período entre 2000 e 2008, refere mesmo decisões “tomadas de forma avulsa”, revelando ainda que os gestores da Caixa receberam prémios de gestão em anos de prejuízo.
Só em 46 operações de financiamento, a CGD perdeu 1,2 mil milhões de euros, a que se juntarmos a acumulação de imparidades ruinosas (como grande parte do BPN), torna natural que seja a instituição bancária nacional que mais dinheiro tenha recebido dos cofres do Estado na última década, um total de 5,535 mil milhões de euros, com a maior fatia a ser entregue em 2017, já na gestão de Paulo Macedo, no valor de 3,9 mil milhões de euros.
NOVO BANCO E BPN SEM FUNDO
O nome seguinte na lista é o do BES/Novo Banco, que foi alvo de uma medida de resolução em agosto de 2014, quando o Governo decidiu dividir o antigo Banco Espírito Santo numa parte má e numa parte boa, que ficou com o nome de Novo Banco. Desde então, o banco outrora liderado por Ricardo Salgado, O Dono Disto Tudo, custou aos cofres do Estado 4,6 mil milhões de euros, valor que, como atrás referimos, deverá aumentar este ano para o Novo Banco, entretanto comprado pelo fundo norte-americano Lone Star.
Para compreender os custos que o dinheiro gasto a resgatar o Novo Banco teve para o País, atente-se ao recente relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, em que refere que, sem a ajuda àquela instituição bancária (que pesou 0,4% no PIB nacional) e outras medidas extraordinárias, o défice de Portugal em 2018 teria sido de... 0%.
Numa lista que se completa, no que a prejuízos diz respeito (BPI e BCP, que também receberam ajudas do Estado, acabaram por dar lucro), com BPN (4,134 mil milhões), Banif (2,978 mil milhões) e BPP (588 milhões), o caso mais desastroso para o erário público acaba por ser o do Banif, como ainda recentemente admitiu Mário Centeno. Em declarações aos Financial Times, o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo disse que, tendo em conta que o Banif era apenas o sétimo maior banco português, “foi provavelmente o mais dispendioso resgate de um banco na Europa”.
o peso para as contas públicas tem-se prolongado no tempo e não dá mostras de ter chegado ao fim. Segundo o Tribunal de Contas, a fatura da nacionalização do Banco Português de Negócios não tem parado de crescer, mesmo tendo em conta a venda e a criação de sociedades estatais que acabaram por ficar com os ativos da instituição que foi liderada por José Oliveira Costa, o banqueiro que, em novembro do ano passado, foi condenado a 12 anos de prisão por dois crimes de burla qualificada. “No final de 2017, o saldo acumulado das receitas e despesas orçamentais decorrentes da nacionalização e reprivatização do BPN e da constituição e funcionamento das sociedades-veículo Parups, Parvalorem e Parparticipadas ascendia a -4.095 milhões de euros”, revelou, em dezembro último, o parecer do TC. Só em 2017, os encargos para o Estado por causa do BPN cresceram 12%. Para piorar a situação, as três sociedades apresentavam capitais próprios negativos no valor de 1,7 mil milhões de euros, encargos que, segundo o TC, “poderão vir a ser suportados pelo Estado no futuro”. Aliás, os juízes do TC admitem mesmo que a conta do BPN poderá chegar perto dos 6 mil milhões de euros, já que ao montante negativo apurado deverão “acrescer os resultados negativos de exercícios seguintes”. Um buraco sem fundo, portanto.
A crise da banca portuguesa custou também muitos empregos. A reorganização dos bancos nacionais eliminou, pelo menos, 10.400 postos de trabalho no setor desde 2010, contas feitas pela Associação Portuguesa de Bancos. Só em 2017, foram dois mil os empregos perdidos na banca, resultantes do encerramento de 269 agências.
E FICAMOS POR AQUI?
E agora, 17 mil milhões de euros depois, estará a banca portuguesa mais segura? Ainda não há muito tempo, figuras como Vítor Bento, presidente da SIBS, e o economista Abel Mateus, deixaram o aviso. Este último, numa entrevista ao Público eà Radio Renascença, avisava: “Evidentemente que não serão os depositantes a pagar uma eventual futura crise financeira na Banca, também não estou a ver a dívida subordinada a suportar isso, e dizer que são os outros bancos, quando estão numa situação de fragilidade, também é ilusório. Portanto vão acabar por ser os contribuintes.” Para o economista, os problemas da banca portuguesa só serão resolvidos com o que classifica como “visão mais agressiva”, traduzida no aumento da regulação, “obrigando os bancos a reduzirem de uma forma mais drástica e a reconhecerem as dívidas”.
Já Vítor Bento, numa entrevista ao ECO, tinha dúvidas se a banca portuguesa estaria preparada para um novo abalo. “Depende da dimensão do abalo”, dizia o gestor que foi também o último presidente-executivo do BES, identificando “sinais preocupantes no mundo financeiro”, como o elevado nível de endividamento, e temendo pela capacidade dos bancos centrais de reagir a uma crise como a de 2008.
Uma década depois da crise global, também o FMI se mostrava preocupado com o que aí vem. “Demasiados bancos, em especial na Europa, permanecem frágeis”, avisou a diretora-geral da instituição num texto publicado no blogue do FMI para marcar os 10 anos da queda do Lehman Brothers. “Os bancos demasiado grandes para falir continuam a ser um problema à medida que crescem em dimensão e complexidade. Não houve progressos suficientes para resolver bancos falidos, especialmente em casos transfronteiriços”, escrevia Lagarde, para quem outro perigo vem do facto de “os decisores políticos enfrentarem pressões significativas da indústria para reverter a regulação pós-crise”. Será que não aprendemos mesmo nada?
rua aos milhares: 3% da população plantou‑se em frente ao Parlamento em Reiquiavique para exigir respostas. Os representantes do povo não se esconderam e criaram uma Comissão Especial de Investigação dotada de plenos poderes para levar o processo até onde fosse necessário. E o que descobriram os investigadores? Uma enorme teia, em que, por exemplo, a empresa A possuía a empresa B, que por sua vez possuía a empresa C que, por seu turno, possuía a empresa A.
Para complicar mais a situação, essas empresas detinham pouco ou nenhum património e estavam completamente dependentes do crédito dos bancos. A Comissão descobriu ainda que aquelas verdadeiras pirâmides empresariais estavam na posse dos maiores acionistas dos próprios bancos que lhes concediam o crédito, num esquema que tanto tinha de opaco como de irresponsável.
A casa tinha de ser limpa e foi exatamente isso que os islandeses fizeram, sem quaisquer contemplações. Como mais tarde admitiu Olafur Hauksson, o procurador especial encarregado da investigação, a maior dificuldade foi perceber a diferença entre criminalidade e irresponsabilidade, mas a justiça acabou por chegar.
Os CEO de todos os bancos da Islândia foram condenados a penas de prisão, com sentenças que variaram entre os 18 meses e os quatro anos e meio. Vários corretores da Bolsa receberam também penas duras, o mesmo acontecendo a um alto quadro do Ministério das Finanças, que passou dois anos atrás das grades.
NO QUE TOCA A AJUDAR BANCOS EM PROBLEMAS, O NOSSO PAÍS NÃO TEM IGUAL ENTRE OS
SEUS PARCEIROS EUROPEUS.