GQ (Portugal)

MARLON BRANDO: UM GÉNIO COM PESO (A MAIS)

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Após uma série de desgraças que envolveu péssimas condições meteorológ­icas, a saúde em risco do protagonis­ta e uma monumental derrapagem financeira, Marlon Brando chegou enfim à selva filipina. Só que 40 quilos mais pesado do que era suposto e, segundo Coppola, sem ter cumprido a tarefa fundamenta­l que lhe havia sido destinada: ler o romance de Conrad em que o filme se baseara. 3,5 milhões de dólares por três semanas de trabalho – era esse o acordo. Mas quando o ator chegou, ainda não havia final escrito.

Marlon improvisav­a monólogos, Coppola rodava tudo o que conseguia. “You’re an errand boy, sent by grocery clerks, to collect a bill”, uma das míticas deixas do coronel Kurtz, não estava no guião. “Ele é pura arte, ele apagou-se e tornou-se aquele homem. A memória mais forte que tenho do filme são as sequências do Marlon Brando”, que não é, de todo, “o vilão de que estamos à espera”, explica Rui Tendinha: “Há ali um lado de vitimizaçã­o daquele coronel perante o absurdo da guerra. Não temos um ódio absoluto à personagem. Há ali um fascínio. Até a forma como o Francis filmava a careca dele... É qualquer coisa fora do baralho. E o Marlon Brando já estava naquela sua fase de decadência... Isso foi perfeito para o papel.”

Com um colosso de película em mãos e Brando por tempo limitadíss­imo, Coppola desesperav­a: não conseguia encontrar o fim para a sua alegoria e isso estava a levá-lo à loucura. Numa gravação incluída no documentár­io sobre o making of do filme, ouvimos-lhe a angústia, através de uma gravação “secreta” da mulher: “O que eu tenho de admitir é que não faço ideia do que estou a fazer. O argumento não faz sentido. Não tenho final. Estou a fazer um mau filme.

Porque é que deveria continuar? Vou ficar falido de qualquer das maneiras. Já estou a pensar no tipo de doença que posso apanhar para sair disto.”

No romance, Marlow

(o Willard de Coppola) vai buscar Kurtz ao coração das trevas. Recolhe-lhe o corpo mirrado, admira-o e deixa-o morrer. Mas isso não era suficiente para Coppola ou Brando. Faltava epopeia, faltava sangue. E o desenlace só lhes chegou quando

Eleanor Coppola testemunho­u um ritual de sacrifício de um búfalo-asiático, levado a cabo por elementos de uma tribo que estavam empregados como figurantes.

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“ACIMA DE TUDO, O APOCALYPSE NOW É UMA EPOPEIA INTERIOR, PSICOLÓGIC­A” RUI TENDINHA

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