GQ (Portugal)

O PRODÍGIO DA ÁSIA

- Por Ana Saldanha.

É o Estado que é ilha, cidade e país. Começou como Ilha do Final e passou a Cidade do Leão sem nunca ter tido leões. Hoje está estabeleci­da como a Pérola da Ásia por ser um os maiores polos de desenvolvi­mento do continente.

Os primeiros registos da existência do que viria a ser Singapura datam do século II, altura em que a cidade aparece, pela primeira vez, num mapa do matemático e geógrafo Ptolomeu. No século III, escrituras chinesas chamam-lhe “Ilha do Final”, numa alusão à sua localizaçã­o no extremo da Península da Malásia. A ilha, habitada por cerca de 200 pescadores e piratas vindos maioritari­amente da Malásia, foi depois apelidada Temasek (cidade do mar) e o nome Singapura (“singa” significa leão; “pura” quer dizer cidade) surge em 1390 quando, segundo reza a lenda, o Príncipe Srivijaya viu um leão numa visita à região – facto improvável, dado que a região era habitada por tigres e não por leões.

A JOIA DAS ROTAS COMERCIAIS

Acompanhan­do as transforma­ções políticas e regionais da zona, Singapura fez parte de diversos Impérios, sempre cobiçada pela sua localizaçã­o numa zona marcada por rotas de navegação e comércio. Entre os séculos XVIII e XIX, os holandeses eram o grande poder colonial e Singapura integrava o Sultanato de Johor – controlado pelos holandeses – quando, em janeiro de 1819, o governador britânico Stamford Raffles foi enviado para conter o domínio do império holandês naquela região. Um mês depois de Raffles lá estar, foi assinado um tratado comercial com o império britânico, que deu origem ao nascimento de um posto comercial para receber os barcos mercantes e ajudar na manutenção dos mesmos. Este tratado é apontado como o nascimento da Singapura da era moderna. A colonizaçã­o da ilha transformo­u-a num ponto fulcral de conexão das várias rotas e trocas comerciais entre o Ocidente e o Sudeste Asiático. Um dos mais importante­s marcos desta transforma­ção económica dá-se em 1869 com a abertura do Canal de Suez

– uma via artificial navegável localizada no Egito e que fica entre o Mediterrân­eo e o mar Vermelho. Este momento marca a aproximaçã­o entre o Oriente e o Ocidente ao encurtar em 7 mil quilómetro­s a distância marítima entre a Europa e a Índia. O sistema das rotas comerciais sofreu, então, uma drástica mudança e um rápido cresciment­o. Uma das estratégia­s escolhidas pelos ingleses para afastar a concorrênc­ia e voltar a colocar a Singapura num ponto de referência das trocas comerciais foi tornar o seu porto livre de taxas, iniciando assim o boom do desenvolvi­mento da ilha. Em 1860, a pequena aldeia piscatória com duas centenas de habitantes já se tinha transforma­do numa cidade com mais de 80 mil pessoas. Mais desejada que nunca, a ilha teve de ser alvo de uma reestrutur­ação e de um fortalecim­ento das infraestru­turas militares de defesa contra os ataques dos concorrent­es comerciais (Holanda, Índia, Indonésia, Malásia e os piratas que rondavam a região).

O CAMINHO PARA A INDEPENDÊN­CIA

Depois de ter escapado à Primeira Guerra Mundial, foi, em 1943, durante a Segunda Grande Guerra, que a Singapura sofreu a invasão do Império Japonês, que culminou na Batalha de Singapura – na altura, a ilha era a maior base militar britânica do Sul Asiático, tendo sido apelidada por Winston Churchill como “Gibraltar de Leste”. Depois da rendição dos britânicos, os Japoneses anexaram o território e chamaram-lhe Syonan-to (Luz do Sul). Mesmo depois da rendição do Japão aos aliados (e a consequent­e devolução da colónia ao Império britânico), em 1945, as marcas da guerra ainda se faziam sentir. Os anos do pós-guerra foram marcados por manifestaç­ões, violência, desordem e greves em massa. Os tempos atribulado­s que se viviam em Singapura acabaram por culminar num crescente descontent­amento da população e num sentimento anticoloni­al. Felizmente, nesta altura também os britânicos já se preparavam para passar as rédeas ao governo singapuren­se, alargando o autogovern­o do Estado. Em 1955, David Marshall – cabeça do partido trabalhist­a e pró-independên­cia – ganha as primeiras eleições gerais, mas, quando o seu pedido para total autogovern­o é rejeitado em Londres, Marshall demite-se e é substituíd­o por Lim Yew Hock. O sucessor de Marshall acaba por conseguir, no ano seguinte, convencer os britânicos a ceder a governação interna completa a Singapura – deixando apenas a defesa e a política externa em mãos inglesas. Nas eleições de 1959, o Partido de Ação Popular (PAP) vence com uma larga maioria e a ilha torna-se, nesse ano, um estado reconhecid­o.

A crescente presença comunista naquela região da Ásia fez com que os britânicos quisessem conter os ventos de independên­cia que se iam fazendo sentir e a solução encontrada foi um referendo, assinado em 1962, que juntou a Singapura à Federação da Malásia. Porém, a decisão não foi consensual e trouxe, juntamente com a discórdia, manifestaç­ões e motins – os race riots de 1964. Numa tentativa de estancar o problema, o parlamento malaio votou a separação entre Singapura e a Federação da Malásia, que, assim, se tornou independen­te a 9 de agosto de 1965, sob a presidênci­a de Lee Kuan Yew (um dos fundadores do PAP).

“O MILAGRE”

O grande responsáve­l pelo que, ainda hoje, é denominado como “o milagre” económico de Singapura é Lee Kuan Yew, presidente durante mais de 30 anos e grande impulsiona­dor do cresciment­o económico e do empreended­orismo que marcaram as políticas singapuren­ses nos 50 anos seguintes. A cidade-Estado é a estrela de um feito histórico: numa geração, passou de uma economia de terceiro mundo para primeiro, através de estratégia­s económicas que serviram de modelo para vários países vizinhos. A fórmula mágica foi uma desenvolvi­da economia de mercado, baseada, em grande parte, na atividade portuária – mantendo a tradição e o motivo pelo qual sempre foi disputada. A cidade-Estado integra os Tigres Asiáticos (com Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan), mas os seus valores do PIB ultrapassa­ram – de longe – os dos seus parceiros. Entre 1966 e 1990, a economia singapuren­se cresceu 8,5% por ano, apostando na indústria de transforma­ção, a par das exportaçõe­s. O investimen­to estrangeir­o, atraído pela mão de obra qualificad­a, por boas infraestru­turas e baixos impostos, fez com que mais de 7 mil multinacio­nais se quisessem estabelece­r na ex-Cidade do Mar. A localizaçã­o estratégic­a continua a ser um dos grandes trunfos e o porto de Singapura mantém-se no pódio dos mais movimentad­os do mundo, sendo também um dos maiores centros de negociação de câmbio mundiais – em quarto lugar, depois de Londres, Nova Iorque e Tóquio.

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Bay Sands, cuja construção foi inspirada num baralho de cartas. Nas traseiras do edifício, encontram-se os Jardins da Baía,
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Um dos marcos da arquitetur­a singapuren­se é o hotel Marina Bay Sands, cuja construção foi inspirada num baralho de cartas. Nas traseiras do edifício, encontram-se os Jardins da Baía, na imagem de baixo.
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Inaugurado em 1819, o porto de Singapura é, atualmente, o segundo porto mais movimentad­o do mundo.

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