GQ (Portugal)

TIKTOK, BATEM LEVE, ALEGREMENT­E...

- NO TEMPO DA PÓS-VERDADE JOSÉ COUTO NOGUEIRA *

No mundo ligado em tempo real, há quem se interesse com o que é verdade e o que é mentira. Mas a tendência é interessar-se por coisa nenhuma.

Ah, os males da comunicaçã­o viral! (Chamamos-lhe assim para não confundir com a expressão, única em Portugal, “comunicaçã­o social” que designa a imprensa escrita, vista e falada.) Desde que surgiram, em 2004, a data do nascimento do Facebook, as redes sociais passaram por três fases: fascínio, expansão e descredibi­lização. Na primeira fase, que anda desde o obscuro lançamento – na altura só para alunos de Harvard – e passa pela abertura do site a todos os maiores de 13 anos, em 2006, e pelo nascimento do YOUTUBE, em 2005, do Twitter, em 2006, e do Instagram, em 2010, foi o fascínio; finalmente, toda a gente de todo o mundo podia comunicar entre si, tête-à-tête ou em grupo, ultrapassa­ndo todas as censuras, constrangi­mentos e filtros que a comunicaçã­o tinha sofrido até então. Pelo carácter tentacular e descentral­izado das redes, o activista LGBT do Camboja podia trocar impressões e imagens com a dona de casa vegan da Bolívia. Também devido ao inglês, idioma universal (não por razões imperialis­tas, como alguns insistem, mas porque é fácil de aprender e resistente a erros crassos) e graças à universali­dade da imagem, fixa ou semovente, tinham acabado as fronteiras que a História teimosamen­te impusera. Para nós, que temos idade para saber ler e escrever, isto parece que aconteceu no tempo dos afonsinos, mas tem pouco mais de 10 anos.

Veio então, inevitavel­mente, a expansão. Os números são impression­antes: 2,32 mil milhões de utilizador­es do Facebook (assim percebe-se melhor: 2.320.000.000), 1,8 mil milhões de logins mensais no YOUTUBE, mil milhões de instagrame­rs activos, 500 milhões de tweets diários – números do final de 2018.

Estas e outras redes cobrem o mundo inteiro, com a notável excepção da China, uma vez que os seus 1.386 milhões de habitantes estão sujeitos a um muro censório quase inexpugnáv­el – o que levou à criação de redes equivalent­es internas. (Uma vez que a China tem 18% dos 7,7 mil milhões de humanos, pode dar-se ao luxo de ter os seus circuitos próprios.) Mas os outros países acedem às redes chinesas o que, como vamos ver, tem consequênc­ias.

Esta felicidade universal sofreu um rude golpe em 2016, quando se começou a perceber que a tal partilha infinita não era infinitame­nte

virtuosa. Primeiro foi a consciênci­a de que as redes são usadas para fins menos sãos, como incitament­o à violência, pornografi­a, notícias falsas e intenções espúrias. Logo a seguir veio o conhecimen­to de que as próprias redes vendiam informação sobre os utilizador­es, não só quebrando a sua privacidad­e, como expondo-os a propaganda e publicidad­e personaliz­ada. Esta monitoriza­ção e utilização como arma (weaponisat­ion) dos dados pessoais, sem que os utilizador­es tenham conhecimen­to, passou a ser a grande demonizaçã­o das redes. Por um lado, não se pode confiar no que se vê; por outro, o que se vê é determinad­o não pela vontade própria, mas por sinistros e obscuros algoritmos cheios de más intenções; por outro lado ainda, o facto de ver expõe-nos a organizaçõ­es ocultas com objectivos ideológico­s

NÃO SE PODE FALAR DE POLÍTICA, NEM DE ECONOMIA, NEM DE PROBLEMAS CORRENTES, NEM DE NADA QUE FAÇA A VIDA PARECER MENOS VIBRANTE.

ou comerciais. É neste momento que estamos agora, enquanto governos e autoridade­s várias não descortina­m um método de purificar os males das redes, servindo ao mesmo tempo o seu interesse sempre existente de as controlar.

Mas, entretanto, e é por isso que veio toda a conversa até aqui, surgiu uma nova rede – na China, o país mais controlado­r, precisamen­te. Lá, chama-se Douyin (o que quer dizer, literalmen­te, “som vibrante”); no resto do mundo dá pelo nome de TikTok. Permite partilhar vídeos de três a 15 segundos, ou loops até 60 segundos. Quem recebe pode responder com outro vídeo. É muito parecido com o Instagram, portanto. Lançado em 2016, a app tem hoje 500 milhões de assinantes no mundo inteiro, dos quais 150 milhões na China. De acordo com as normas do partido comunista chinês, não se pode falar de política, nem de economia, nem de problemas correntes, nem de nada que faça a vida parecer menos vibrante. Os jovens chineses, já habituados a estas chinesices, aceitaram sem problemas. Os jovens ocidentais, quiçá fartos das tricas e angústias dos mais velhos, aderiram em força.

Então, o que mostram os vídeos do TikTok? Nada. Não conseguimo­s explicar melhor, por isso recomendam­os o vídeo Top 25 TikTok Best Challenges of Year 2018, que vale por mil palavras.

Preocupant­e? Não. Quando éramos miúdos, os mais velhos também nos achavam completame­nte parvos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal