GQ (Portugal)

QUANDO A GANÂNCIA ABALOU O MUNDO

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“Greed is good.” A ganância é boa, dizia Gordon Gekko, o arquétipo ficcional do corretor da Bolsa imortaliza­do por Michael Douglas em Wall Street, filme de 1987, de Oliver Stone. Foi precisamen­te a ganância que levou, nos anos de 2007 e 2008, à Grande Recessão, quando a ideia de que nada pode bater o “mercado eficiente” caiu por terra e o setor financeiro foi abalado pela maior crise desde a Grande Depressão de 1929, deixando a economia mundial de rastos.

Tudo começou em 2007 com uma crise no mercado de hipotecas subprime nos Estados Unidos, quando um grupo de investidor­es decidiu investir contra o dito mercado, destapando um poço sem fundo que acabou por evoluir para uma crise bancária internacio­nal com o colapso do banco de investimen­to Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. A história é bem contada no filme The Big Short, de 2015, que em Portugal recebeu o título de A Queda de Wall Street. A excessiva tomada de risco por parte de bancos como o Lehman Brothers, Bear Stearns ou Merrill Lynch ajudou a ampliar o impacto da crise, que causou mais baixas para além do setor bancário, chegando às seguradora­s e às duas empresas que, com o apoio do Estado, subsidiava­m o mercado hipotecári­o, a Freddie Mac e a Fannie Mae. A carnificin­a não se limitou ao setor financeiro, atingindo as empresas que dependiam do crédito bancário para se manterem à tona. A indústria automóvel norte-americana, que pressionou e muito um resgate federal, viu-se de repente à beira de um abismo. Ainda mais preocupant­e, os bancos, não confiando em ninguém para os pagar, simplesmen­te pararam de conceder os empréstimo­s que a maioria das empresas necessitav­a para gerir os seus fluxos de caixa e sem os quais não conseguiam fazer negócio. No que ao mercado bolsista diz respeito, o valor das ações veio por aí abaixo em todo o mundo – o Dow Jones Industrial Average, índice de referência nos EUA, perdeu 33,8% do seu valor em 2008, e, até ao fim do ano, uma profunda recessão estendera-se por esse mundo fora.

Várias lições foram retiradas da crise financeira global, mas poucas ações foram tomadas. Nos Estados Unidos, onde tudo começou, a administra­ção de Barack Obama introduziu a reforma Dodd-Frank para promover a estabilida­de financeira através do reforço da responsabi­lização e da transparên­cia do setor financeiro, mas vários economista­s considerar­am a iniciativa como insuficien­te para prevenir uma nova crise ou evitar futuros resgates de instituiçõ­es supostamen­te “too big to fail”, enquanto outros defendem que foi longe demais e trouxe restrições injustas ao setor financeiro dos Estados Unidos. Restrições essas que a administra­ção Trump tem vindo a afrouxar, provando que, quando se trata de ganância, a história é facilmente esquecida. Como escreveu a economista e jornalista Stacy-Marie Ishmael em 2010, no blogue Alphaville do Financial Times: “Nós somos Wall Street. O nosso trabalho é ganhar dinheiro. Seja com matérias-primas, ações, títulos ou uma hipotética folha de papel falso, não importa. Negociaría­mos cromos de basebol se fossem lucrativos… Comemos o que matamos e, quando a única coisa que houver para comer estiver no vosso prato, iremos também comê-la.”

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