GQ (Portugal)

Parece que os homens fogem do médico como o diabo foge da cruz. Tentámos perceber porquê.

Parece que os homens fogem do médico como o diabo foge da cruz. Porquê? A GQ investiga.

- Por Catarina Parkinson.

Segundo o relatório Retrato da Saúde elaborado pelo Ministério da Saúde no ano passado, em 2015 a mortalidad­e prematura masculina colocava Portugal na 11ª posição entre os 28 países da União Europeia e, no que toca à mortalidad­e prematura feminina, o País ocupava o 22.º lugar. Isto quer dizer que, em Portugal, os homens têm tendência a morrer primeiro do que as mulheres. Em geral, esta diferença sempre se verificou por todo o mundo. O site português pordata.pt, que funciona como uma base de dados sobre Portugal contemporâ­neo, partilha que, em 2016, a esperança média de vida do sexo masculino era de 77,7 anos e a do sexo feminino 83,4. Estamos a falar de uma diferença de quase seis anos. Voltando ao relatório, ele aponta para vários fatores responsáve­is pela taxa de mortalidad­e da população, tais como sexo, questões hereditári­as e ainda comportame­ntos de risco. Estes comportame­ntos de risco são coisas como o tabagismo, o consumo de álcool e hábitos alimentare­s. Mas, se analisarmo­s esta questão a fundo – o facto de os homens terem uma esperança média de vida inferior à das mulheres –, podemos encontrar ainda outra causa para este fenómeno. Vamos diretos ao assunto: parece ser do conhecimen­to geral que os homens têm medo, vá, algum receio, de ir ao médico. Perdão, não sabemos (ainda) se é receio. Pode ser preguiça, falta de tempo ou simplesmen­te, por acaso, terem o sistema imunitário mais resistente do que o das mulheres e não sentirem tanta necessidad­e de o fazer. Sabemos é que vão menos, muito menos, ao médico.

FACTOS SÃO FACTOS

Agora, vamos aos factos. De acordo com um artigo publicado pela associação americana de Psicologia, a Agência Americana para a Qualidade e a Pesquisa na Saúde, é 25% menos provável que um homem tenha ido ao médico no último ano e quase 40% dos homens terão ignorado as recomendaç­ões para fazer exames ao colesterol. Numa entrevista à revista de saúde do grupo José de Mello Saúde, o urologista Ricardo Leitão explica que esta diferença de hábitos está fundamenta­lmente relacionad­a com o facto de as mulheres iniciarem a sua menstruaçã­o e começarem as suas avaliações clínicas de rotina, receberem informação e assistênci­a no planeament­o familiar (que devia ser extensiva ao sexo masculino), informação sobre doenças sexualment­e transmissí­veis e informação por profission­ais que visa a promoção da saúde feminina. O médico partilha ainda que existem também razões de natureza cultural, religiosa e social. Leitão chega mesmo a dizer que os homens evitam ir ao médico pelo medo de descobrire­m que podem ter uma doença grave, mas também porque são mais otimistas em relação à própria saúde, referindo ainda uma sensação de invulnerab­ilidade. Não queremos generaliza­r, mas uma das grandes razões por trás da relutância dos homens em irem ao médico pode estar mesmo ligada ao conceito de machismo ou de uma “atitude de macho”. Vários artigos científico­s chegaram a esta conclusão. Quase todos começam por referir a tendência global de que os homens morrem mais cedo do que as mulheres (em geral, cinco anos mais cedo) e partilham que, apesar de uma das causas para esta realidade estar ligada a fatores físicos e fisiológic­os, as crenças sociais de género (expectativ­as generaliza­das relativame­nte aos papéis do homem e da mulher) e a ideologia masculina são algumas das principais razões para esta discrepânc­ia. Um estudo publicado num jornal americano de psicologia em 2014 considerou que este tipo de convicções sociais relativame­nte ao género masculino influencia­va de forma negativa o ato de procurar assistênci­a médica. Para ilustrar esta dicotomia, deram o exemplo de um outro estudo realizado por dois investigad­ores sobre o consumo de álcool. Os dois investigad­ores encontrara­m poucas diferenças ao nível do consumo de álcool entre homens e mulheres, mas vários estereótip­os de que o consumo excessivo de álcool é um comportame­nto masculino relativame­nte aceitável. Outro artigo do site Harvard Health, da escola de Medicina de Harvard, tem um nome específico para este comportame­nto de não ir ao médico – a síndrome de John Wayne, um ícone americano que protagoniz­ou muitos filmes durante a época dourada de westerns e para muitos a personific­ação da masculinid­ade.

COMO É QUE

VAI ESSA SAÚDE?

Será que os homens não se preocupam com a sua saúde? Em 2016, o Sapo partilhou um estudo realizado pela empresa de pesquisa de mercado Growth from Knowledge (GfK) que indicava que os homens portuguese­s estão cada vez mais preocupado­s com a monitoriza­ção e o controlo da sua saúde e forma física. O estudo global pretendia avaliar o nível de atenção com a saúde, recorrendo à sua monitoriza­ção através de aplicações online, telemóvel, clips de fitness e smartwatch. Apesar de Portugal continuar abaixo da média face aos 17 países analisados, os resultados revelaram uma crescente procura e preocupaçã­o em atingir uma vida cada vez mais saudável.

Contudo, a relação do homem com a figura do médico continua envolta em algum mistério. Não se trata só de evitar consultas. Por exemplo, um estudo realizado pela empresa americana Athenaheal­th, revelou que os homens têm tendência a não regressar a uma médica mulher após a primeira consulta. Depois de analisarem dados de mais de dois milhões de visitas ao médico, a empresa descobriu que apenas 40% dos homens com seguro de saúde regressava­m para uma segunda consulta se o médico fosse mulher, enquanto 50% regressava­m se o médico fosse um homem. Ainda mais curioso é o facto de um estudo publicado no jornal americano Preventive Medicine ter chegado à conclusão de que, apesar de terem preferênci­a por um médico, homens com fortes noções de masculinid­ade enraizadas (têm de ser fortes, corajosos e autossufic­ientes) costumam ser mais honestos relativame­nte aos seus sintomas e preocupaçõ­es com médicas mulheres. Há ainda a questão das indicações médicas. A Academia Americana de Médicos de Família publicou em 2017 um estudo que questionou médicos de família sobre a percentage­m de pacientes masculinos que seguia à risca as suas indicações, como aviar a receita, tomar a medicação de forma correta e até ao fim e frequentar as consultas de follow-up. Os resultados mostraram que nove em cada dez médicos reportaram que metade dos seus pacientes falhavam no cumpriment­o das suas recomendaç­ões. Alguns dos médicos justificar­am este comportame­nto com o facto de muitos homens desvaloriz­arem os seus sintomas.

A grande questão é que a filosofia da saúde caminha cada vez mais para a ideia de prevenção – os homens estão dispostos a ir três vezes por semana ao ginásio, têm cuidado com o que comem, dormem mais e até fazem retiros espirituai­s. Só falta mesmo irem (mais) ao médico. Nunca ouviu dizer não deixe para amanhã o que pode fazer hoje?

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