DEZ LIÇÕES DE VIDA SEGUNDO BRUCE SPRINGSTEEN
Aestrela de rock aproxima-se dos 70 anos. É uma idade complicada. Quando ainda não morreram, os grandes monstros da música rock resignaram-se inevitavelmente a serem os diligentes curadores da sua própria lenda, recorrendo, vezes sem conta, ao seu reportório e, na estrada, a tornarem-se a sua própria banda de tributo, tocando em estádios esgotados para um insaciável conjunto de fãs que sabem que esta música nunca mais vai voltar. A exceção improvável é Bruce Springsteen.
O que torna Springsteen único é que, tal como aquele outro filho de Nova Jérsia, o falecido Philip Roth, ele produziu algum do seu trabalho mais interessante numa idade avançada. Springsteen faz 70 anos no dia 23 setembro de 2019 e a sua década dos 60 anos foi marcada por um espetacular triunfo criativo. Entre os grandes mestres antigos da música popular, só Keith Richards escreveu uma autobiografia quase tão boa como o cintilante livro de memórias publicado por Springsteen em 2016, Born To Run. Springsteen seguiu o seu livro com um espetáculo a solo no Walter Kerr Theatre, com capacidade para 960 espectadores, em Nova Iorque. Springsteen On Broadway tornou-se o bilhete mais procurado da Great White Way desde Hamilton, rendendo 113 milhões de dólares em 236 concertos e está atualmente a ser transmitido pela Netflix, maravilhando uma geração que ainda nem
sequer tinha nascido quando Springsteen cantou pela primeira vez Born In The USA. À exceção de dois duetos com a sua mulher, Patti Scialfa, Springsteen esteve sozinho durante a maior parte das três horas que passou em palco, apenas com a sua guitarra acústica, um piano e, acima de tudo, as suas memórias. Ele tocou 15 músicas como se fosse um artista que toca para Deus, mas sobretudo falou imenso. Ultimamente, Springsteen tem sido feroz e mordazmente confessional e não é preciso ser-se fã para aprender lições de vida com ele. Basta sermos o marido de alguém, o pai de alguém, filho de alguém. Basta sermos um homem.
Case-se com a sua segunda mulher primeiro
“Achei que estava na altura de aproveitar as vantagens sexuais do super estrelato”, escreveu Springsteen na sua autobiografia. Tinha trinta e tal anos e estava no auge da sua celebridade – o seu álbum de 1984, Born In The USA, vendeu 30 milhões de exemplares em todo o mundo. No entanto, a promiscuidade cansa depressa. “Eu queria uma coisa séria”, escreveu Springsteen. “Eu queria casar-me.”
Springsteen casou-se com Julianne Phillips – modelo, atriz e linda de morrer – em 1985. “Ela tinha 24 anos. Era alta, loura, culta, talentosa. Uma mulher lindíssima e encantadora”, escreveu. O casamento durou apenas quatro anos porque Springsteen se apaixonou por Scialfa, uma cantora e música que ele conhecia do meio musical de Jersey Shore, alguém com uma idade e antecedentes mais parecidos com os seus do que a sua deslumbrante primeira mulher. Comemoraram o seu 28.º aniversário de casamento neste verão e têm três filhos adultos. Quando apresentou Scialfa no Walter Kerr Theatre, Springsteen chamou-lhe: “a rainha do meu coração, a minha beleza flamejante, a minha miúda de Jersey.” A sua primeira mulher era deslumbrante. A sua segunda mulher é a sua alma gémea. O amor da sua vida não vai, necessariamente, chegar na altura mais conveniente para si. Mas você vai reconhecê-la quando a vir.
Aprenda a rir-se de si próprio
Springsteen insiste que a imagem pública de “Bruce Springsteen” – o trabalhador americano de calças de ganga e botas – é uma personagem que ele cria em palco, muito à semelhança de Ziggy Stardust e Aladdin Sane. Aquele não é ele, insiste Springsteen. Nunca foi. Quando estava a escrever todas aquelas músicas sobre carros, nos primeiros tempos da sua carreira, ele nem sequer tinha carta de condução. Springsteen nunca trabalhou numa fábrica. Foi músico durante toda a sua vida profissional. E o homem que cantou sobre fugir e nunca mais voltar vive atualmente a dez minutos do sítio onde cresceu. “'Born to come back”, gracejou Springsteen na Broadway. “Quem teria comprado isso? Ninguém.”
Leve o seu talento muito a sério
O encantador humor trocista de Springsteen sobre usar roupa de classe operária esconde um artista que se leva muito a sério. Em tempos de trauma nacional, Springsteen nunca duvidou de que era o artista capaz de contar a história complicada dos E.U.A. Ele escreveu sobre a SIDA (Streets Of Philadelphia, vencedora do Óscar de Melhor Canção em 1994) e veteranos do Vietname (Born In The USA, desprovido daquele nacionalismo gritante quando o interpretou sob a forma de um blues melancólico na Broadway). Ele gravou um álbum inteiro sobre o 11 de Setembro (The Rising, que termina com My City Of Ruins, a sua canção mais comovente). Springsteen consegue rir-se de si próprio, mas lá no fundo nunca perde a autoestima.
Nunca perca a magia
Há alguns anos, Springsteen sofreu uma depressão que quase o derrubou. “Não conseguia sair da cama”, escreveu. “Bolas, eu nem conseguia ter uma ereção. Sentia-me desconfortável a fazer tudo. Tudo me fazia sentir vagas de ansiedade agitada que eu tentava constantemente sossegar”. Dormir era o único escape, mas nem 14 horas de sono eram suficientes. Scialfa puxou-o das profundezas da depressão e salvou-lhe a vida. “Ela deu-me estabilidade, deu-me confiança e fez-me acreditar que eu iria ficar bem e que isto iria passar. Sem a sua força e calma, não sei o que teria sido de mim.” Existe um laço entre um homem e uma mulher que só pode ser criado pelo tempo. Não podemos encontrá-lo num bar e não é percetível à primeira vista. O amor de uma boa mulher ajuda-nos a superar tudo. Até uma depressão incapacitante.
Seja simpático com pessoas sem importância
Conheci Springsteen há mais de 40 anos, nos bastidores do Palladium, em Nova Iorque, quando eu era um rapaz novo com um casaco de cabedal barato, sem uma entrevista marcada. Nada estava combinado e não havia nada que eu pudesse fazer por alguém que estava completamente esgotado, depois de ter tocado durante quatro horas. Mas como é um homem decente, Springsteen deu-me um abraço, puxou duas cadeiras e foi incrivelmente generoso com o seu tempo. Depois disso, fiquei seu admirador para sempre.
Trabalhe com mais dedicação do que os outros
Ao participar na campanha de Barack Obama em 2008, Springsteen disse que todos os americanos mereciam “a dignidade do trabalho”. Bruce acredita no poder regenerador do trabalho árduo, na transcendência da labuta honesta. Ele sempre trabalhou muito mais do que os seus concorrentes. Quando a maioria das bandas está a caminho da after party, Springsteen ainda está a aquecer. Ele tem uma ética de trabalho lendária, que nos ensina que o sucesso é sobretudo uma questão de força de vontade. Quando a concorrência está a descansar, nós temos de estar a trabalhar.
Reformule-se, mas nunca volte à estaca zero
O Walter Kerr Theatre foi a sala de espetáculos mais pequena em que Springsteen tocou nos últimos 40 anos e reinventou-o para o século XXI. Aqueles que se tinham afastado dele, redescobriram-no. Uma nova geração conheceu-o no Netflix. Para manter as coisas vivas, não se pode usar seguir sempre a mesma rotina. Embora Springsteen On Broadway tenha sido um ato ousado, a reformulação de Springsteen fez uso de uma capacidade que ele vinha a desenvolver há mais de meio século. Naquele palco, ele falou e tocou. Ele sabia que conseguiria fazê-lo enquanto tocava com o coração e tocando maravilhosamente – porque toda a vida o fez. Por isso, mesmo que esteja a reformular a sua marca, nunca se afaste muito daquilo que faz melhor.
“O importante não é onde estamos. É de onde viemos.”
Foram estas as palavras de Ian Brown de The Stone Roses. Mas as raízes são importantes. Todos os homens precisam de um bairro. Springsteen mudou a família para Los Angeles no início da década de 1990 e isso abalou-o – o filho mais famoso de Nova Jérsia a viver na Califórnia. Não é coincidência que a década de 1990 tenha sido a sua época menos interessante. A década foi um “tempo morto” para ele, disse Springsteen à Rolling Stone. “Não trabalhei muito. Algumas pessoas podem mesmo dizer que não fiz o meu melhor trabalho”. No final da década de 1990, Springsteen regressou a Nova Jérsia com a família. Era difícil imaginar que Springsteen On Broadway tivesse resultado se ele tivesse de viajar para Nova Iorque vindo do aeroporto de L.A. Antes de ir a jogo, um homem tem de pertencer a algum sítio: saber onde pertencemos é essencial para uma vida feliz.
SPRINGSTEEN NUNCA TRABALHOU NUMA FÁBRICA. FOI MÚSICO DURANTE TODA A SUA VIDA.
O nosso pai não nos define
Embora a sua persona de palco nunca tenha sido Bruce Springsteen, era exatamente o seu pai, Douglas, que morreu em 1998. Douglas Springsteen teve uma grande influência na vida do seu filho. Combateu na II Guerra Mundial e regressou a uma terra que não estava preparada para receber heróis. Tal como aconteceu a muitos homens da sua geração, isso transformou-o num homem zangado e frustrado e dificultou a vida dos filhos que ele trouxe ao mundo. Douglas trabalhou numa fábrica de tapetes. Conduziu autocarros, táxis, camiões. Trabalhou numa fábrica da Ford e da Nescafé. Fez o que teve de fazer para ganhar a vida. Referia-se sempre amargamente ao instrumento do seu filho como “aquela porcaria daquela guitarra”. Douglas tinha trabalhos – não uma carreira. Ele não gostava daquilo que fazia. Mas as nossas vidas não são definidas pelo nosso pai. “Estou-lhe grato”, disse Bruce sobre o seu pai, quando entrou para o Rock & Roll Hall Of Fame pouco depois da morte de Douglas.
Trate bem os seus amigos
Se viver tempo suficiente, aprenderá a valorizar realmente os seus amigos porque começará a perder muitos deles. Na capa de Born To Run (1975), Springsteen posa com um amigo invisível. Na parte de trás, vemos esse amigo a tocar o seu saxofone: é Clarence Clemons, The Big Man, e morreu em 2011; ele desempenhou um papel importantíssimo na música e na mitologia de Springsteen. O som do lamento daquele saxofone em Born To Run foi o que elevou Springsteen à glória. Mais, Clarence era o seu amigo mais antigo. “Juntos, contámos uma história maior do que qualquer outra que eu tenha contado nas minhas canções”, disse Springsteen. “Quando tocava, ele sussurrava essa história ao meu ouvido. E continuámos a fazê-lo juntos durante muitos e bons anos. Perdê-lo foi como perder a chuva. Vemo-nos noutra vida, Big Man.”
Trate bem os seus amigos. Porque muito em breve, chegará uma altura da sua vida em que eles serão impossíveis de substituir. Springsteen recorda-nos que podemos fazer novos amigos, mas não podemos fazer novos amigos antigos.