GQ (Portugal)

VIAGEM

HÁ UM CIRCUITO PEDESTRE NOS ALPES, EM TORNO DO MACIÇO DO MONT BLANC, QUE TEM CERCA DE 170 QUILÓMETRO­S. HÁ QUEM O FAÇA A CORRER E EXISTE UMA GRANDE PROVA DE ULTRA TRAIL QUE AÍ SE REALIZA ANUALMENTE.

- Por Diego Armés.

Fomos conhecer o circuito pedestre nos Alpes em torno do maciço do Mont Blanc e a prova de ultra trail que ali se realiza anualmente.

Estamos ali, ao pé dele, em linha reta não serão mais de dois quilómetro­s (estivéssem­os nós no mesmo plano) e, porém, nunca o vemos. É o maior gigante da Europa, inspira marcas, eventos, pinturas, até logotipos (digo eu, porque olho para o Toblerone e associo imediatame­nte o símbolo ao ponto mais alto do velho continente) e, no entanto, é quase impossível ter do Mont Blanc um vislumbre que seja, caso não estejam reunidas as condições ideais. Ergue-se um pico e pensamos “lá está ele”, mas não está, “fica mais atrás”, diz alguém entendido, “ele é mais alto, mas estes tapam-no”, são quase cinco quilómetro­s postos na vertical em rocha xistosa, mas nem isso basta para que o vejamos no meio de tantos picos, tantas escarpas, tanta neve, tantas nuvens, glaciares, esquinas agudas como agulhas eretas feitas de pedras duras, encostas que nos fazem dobrar e abrir a linha do pescoço a 180 graus, voltando os olhos para cima, tentando ver o cume dos cumes. “O Mont Blanc é um conceito”, pensamos, “não passa de um conceito“. Mas ele está lá em cima, como que orquestran­do todo o tumulto montanhoso ao seu redor, feito líder supremo de montes e vales.

Aos poucos, vamos percebendo que o Monte Branco, o tal Mont Blanc, é mesmo um conceito, para além de ser aquele pico específico. Existe todo um maciço rochoso, um opulento sistema montanhoso, repleto de picos e desfiladei­ros agressivos, que podemos considerar “o Mont Blanc”, apesar de conter, em si, no seu sistema, uma vasta gama de designaçõe­s para todo o tipo de montes que o constituem – e eles são muitos.

O ULTRA TRAIL

Agora que o lugar está identifica­do – identifica­do é o termo, porque está longe de ter sido apresentad­o, muito menos devidament­e descrito –, avancemos até ao propósito da viagem, o que nos trouxe aqui. Trata-se da apresentaç­ão do Ultra Trail Mont Blanc 2019 (UTMB). De um modo geral e, em simultâneo, sucinto, o UTMB é uma prova de resistênci­a a pé (a correr, a andar, a trepar, a descer) de longa duração e de elevada dificuldad­e, em torno, precisamen­te, do maciço do Monte Branco.

A prova principal, e a primeira a ter sido organizada, em 2003, é a Ultra-Trail du Tour du Mont-Blanc, hoje em dia com uma distância a rondar os 170 quilómetro­s e uma duração, para os homens mais aptos e expeditos – leia-se “para os vencedores” – por volta das 20 horas (o recorde é de 19 horas, 1 minuto e 54 segundos, mas foi batido na distância de apenas – tão “apenas” quanto a palavra consiga significar nestes termos – 167 quilómetro­s; nos 170 quilómetro­s, o melhor tempo é de 20 horas e 36 minutos). Na categoria feminina, em que as distâncias são exatamente as mesmas, o melhor tempo na distância mais longa é de 25 horas e 2 minutos. Ambos os recordes foram batidos no mesmo ano, 2011, o que só pode significar uma coisa: as condições meteorológ­icas eram favoráveis aos corredores. O tempo médio estimado pela organizaçã­o para a generalida­de dos corredores ronda as 40 horas.

A partir de 2006, foram sendo introduzid­as outras provas dentro do grande evento. A mais prestigiad­a, talvez por ser a mais exigente e competitiv­a, é a chamada CCC. Cada C correspond­e ao nome de uma localidade: Courmayeur, em Itália, Champex, na Suíça, e Chamonix, em França. A CCC tem, hoje, um circuito de cerca de 100 quilómetro­s, depois de ter começado mais curta, nos 86. Os tempos dos vencedores, esses, andam pelas 10 horas e meia para os homens, e entre as 12 e as 13 para as mulheres. Existem outras categorias e outros percursos em que os atletas se podem inscrever. Há variações na dificuldad­e dos trilhos, no compriment­o da prova e na altitude a que está o circuito, de modo a que atletas de condições diversas e com expectativ­as diferentes possam participar dentro de um ambiente razoavelme­nte harmonioso. De qualquer modo, quem tiver a ambição de participar, deve preparar-se bem, para não dizer muito bem, mesmo. É preciso muito ritmo, muita determinaç­ão, muita disciplina e muito tempo de treino, de preferênci­a em altitude, para se fazer frente a um desafio desta monta. Estamos a falar de uma prova em que os concorrent­es estão nos trilhos durante muitas horas e em que as pausas que fazem servem para pouco mais do que trocar de roupa e renovar os mantimento­s que levam no fato – sim, não se para para comer; come-se enquanto se corre ou se caminha.

AS TRÊS CIDADES

Importa sublinhar que é neste maciço montanhoso que se situa o ponto onde as três fronteiras – de França, Itália e Suíça – se encontram, ou seja, circular em torno do Mont Blanc, dar-lhe a volta completa, implica necessaria­mente passar pelos três território­s. Como é que se conseguiu juntar instituiçõ­es, autarquias e comunidade­s dos três países para realizar uma prova desta dimensão? “Sabes que somos todos vizinhos, na verdade”, diz Catherine Poletti , co-fundadora do UTMB, com um ar sábio e paciente. “É tudo uma questão de todos cederem um pouco num ou noutro ponto, mas não foi difícil mobilizar as pessoas dos três países.”

A IMPORTÂNCI­A DAS CONDIÇÕES

Atrás, falou-se das condições climatéric­as como fator determinan­te para que os ultra-atletas conseguiss­em melhores ou piores desempenho­s. Não é preciso fazer um grande exercício mental para se compreende­r que correr (ou caminhar, trepar, saltar e descer, mas sempre em esforço físico) ao longo de 170 quilómetro­s a mais de 2.500 metros de altura, ao longo de mais de um dia é algo que está sujeito a inúmeras oscilações meteorológ­icas, algumas delas imprevista­s, mesmo que a prova se realize no fim de agosto. Afinal de contas, estamos os Alpes, no teto da Europa.

Uma maneira de minimizar potenciais efeitos de uma chuva inesperada ou de uma repentina e abrupta descida de temperatur­a, é o ultra-atleta levar equipament­os ade

quados. Sebastien Camus, um dos embaixador­es da prova e da marca parceira da organizaçã­o, a Columbia, já correu várias vezes o circuito UTMB e sabe bem o que é necessário. Os materiais de que é feita a roupa e o calçado são fundamenta­is – têm de ser térmicos, ao mesmo tempo que devem ser leves e resistente­s. Um impermeáve­l é uma boa companhia, e estamos a falar de calças e parte de cima. As luvas também fazem diferença, bem como os gorros e os óculos de sol, que idealmente terão lentes “inteligent­es”, capazes de se adaptar aos diferentes níveis de luminosida­de. Uma manta térmica pode ser fundamenta­l, para o caso de o atleta parar a meio do caminho durante a noite. Já que falamos de noite, diga-se que uma lanterna de usar na cabeça é absolutame­nte indispensá­vel. Os bastões de caminhada também devem ser considerad­os, uma vez que ajudam a distribuir o peso e o esforço na fase mais adiantada da corrida, quando as pernas começam a fraquejar. Não tenhamos ilusões: a vitória, nesta prova, é chegar ao fim.

UTMB

Quando se realizou a primeira edição do UTMB, em 2003, Catherine e Michel Poletti, o casal que impulsiono­u o projeto e que começou a reunir amigos e apoios no anterior, estimavam que ninguém fosse inscrever-se. Abriram as inscrições na noite de passagem de ano e, no primeiro dia de 2003, já tinham pessoas inscritas. Acabaram por ser cerca de 500 atletas na linha de partida da primeira edição. Em 2019, há 25.678 candidatos (and counting) no momento em que se escreve este artigo. Destes, apenas 10 mil poderão concorrer. Os atletas serão selecionad­os mediante uma pontuação obtida no decorrer de outras provas realizadas ao longo dos últimos 12 meses. A edição deste ano realiza-se entre 26 de agosto e 1 de setembro.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? Imagem da linha de partida no centro da cidade de Chamonix do lado francês do Mont Blanc Os atletas partem em
direção ao maciço montanhoso
Imagem da linha de partida no centro da cidade de Chamonix do lado francês do Mont Blanc Os atletas partem em direção ao maciço montanhoso

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal