GQ (Portugal)

TEMA DE CAPA

- Por Beatriz Silva Pinto Fotografia de Branislav Simoncik Styling de Nelly Gonçalves

O que é estar continuame­nte sob a mira de milhares? Lourenço Ortigão, ator de profissão e influencer por arrasto, explica-nos.

O que é estar continuame­nte sob a mira de milhares? Lourenço Ortigão, ator de profissão

e influencer por arrasto, sabe-o. E sabe bem lidar com isso. Uma conversa sobre o desvanecer do misticismo dos ídolos, a gestão da privacidad­e e o submundo das redes sociais.

Fez-se ator antes de as apps das redes sociais invadirem os aparelhos que trazemos no bolso e continua a sê-lo depois de 800 mil pessoas seguirem as suas passadas no mundo virtual. Mais de três anos depois, voltamos a sentar-nos diante de Ortigão, para uma reflexão sobre o mundo digital que se move (descontrol­adamente?) sob os nossos pés e sobre os tantos outros mundos que não ficam indiferent­es ao alvoroço. Há 30 edições, o ator garantia que não era “apenas uma carinha laroca”. Hoje, prestes a deixar para trás a casa dos 20, prova que está atento às mudanças na indústria – da televisão e do cinema – e mostra-se com ganas de fazer mais, de ser maior. Dentro e fora dos ecrãs, dentro e fora do País.

FORA DO ECRÃ

Neste momento, és visto por milhares de pessoas numa telenovela em horário nobre. Fora da televisão, continuas a sentir-te observado? A partir do momento em que tens exposição, em qualquer área, já se sabe que as pessoas te vão observar, avaliar. Eu sinto que sou avaliado constantem­ente e isso não é necessaria­mente um mau sinal... É sinal de que as pessoas me reconhecem de alguma forma. Mas é um pau de dois bicos, como se diz. Quanto mais sucesso temos, menor é a margem de erro para qualquer coisa que possamos fazer – desde coisas grandes a coisas pequeninas, como sermos apanhados a não deixar um peão atravessar a rua. Até isso pode dar uma notícia.

Sentes que és diferente quando ninguém está a olhar? Talvez...

O que mais muda em ti quando não estás a ser observado? Tento ser sempre eu próprio, mas é claro que me sinto mais à vontade quando os olhares não estão sobre mim. Isso reflete-se, talvez, na forma como me exprimo, nas piadas que mando, no tipo de linguagem que uso... Sou bastante mais extroverti­do quando estou em privado. Mas sabes que, até estrear a novela, por estar de cabelo rapado, sentia-me mais sob anonimato. As pessoas demoravam a reconhecer-me e isso deu-me um certo gozo. Ficavam na dúvida e quando se decidiam que era eu, [estala os dedos] já eu tinha passado [risos].

Iniciaste a tua carreira de ator antes de as redes sociais estarem tão omnipresen­tes nas nossas vidas. O que sentes que mais mudou desde então? Isso é interessan­te... Eu já me considero da nova geração [familiariz­ada com os fenómenos da Internet] e, ainda assim, noto muito a diferença entre o que existe agora e o que existia há 10 anos quando comecei. Em relação, por exemplo, às pessoas que nos abordam na rua, acho que havia mais honestidad­e. Hoje as pessoas estão mais preocupada­s em registar o momento, para mostrar aos outros, do que propriamen­te em vivê-lo. Fico admirado quando alguém vem ter comigo e só me faz uma pergunta, ou só me cumpriment­a, ou só me diz uma palavra de apreço ou uma crítica – e depois se vai embora. Sinto falta disso, de se viver o presente. Eu tenho alguma atenção à abordagem das pessoas... E já me abordaram, para tirar uma selfie, sem sequer me olharem nos olhos! Só para dizer que estiveram ao meu lado. As redes sociais criaram uma espécie de submundo. Já não sentimos as coisas da mesma maneira, não desfrutamo­s o momento, estamos só preocupado­s com o registo.

Com isso, sentes que o estatuto de estrela é maior ou menor? À primeira vista é maior, mas eu acho que na realidade é menor. Se por um lado as redes sociais nos tornam maiores enquanto estrelas, à dimensão do número de seguidores e de likes, por outro lado tiram o mistério a uma pessoa que só vemos naquele papel e que depois imaginamos como será na realidade. Como acontecia com os Backstreet Boys ou a Britney Spears. Eram ídolos na mesma, idolatráva­mo-los na mesma e o que sabíamos sobre eles era o que aparecia nas entrevista­s. O resto imaginávam­os. Eu lido bem com a questão das redes sociais, mas tento dar sempre uma importânci­a relativa e só mostrar o básico da minha vida pessoal.

Como é que geres a partilha da tua vida pessoal, consideran­do que também a tua namorada, Kelly Bailey, é seguida por milhares de pessoas? Eu e ela tentamos fazer a gestão mais honesta possível, mas sempre com algumas barreiras. Mostramos sempre menos do que queremos, nunca mais do que queremos. Delineámos limites e, de vez em quando, soltamos uma fotografia juntos. Mas muito raramente, porque isto é também uma gestão de expectativ­as. Se eu puser todos os dias uma fotografia com a Kelly, deixa de ser uma coisa especial. E eu e ela temos as nossas vidas individual­mente, ela tem as coisas dela, eu tenho as minhas... É importante mantermos a nossa identidade. Mas acho que a Kelly, no futuro, vai ter muitos mais seguidores do que eu [risos].

“FICO ADMIRADO QUANDO ALGUÉM VEM TER COMIGO E SÓ ME FAZ UMA PERGUNTA,

OU SÓ ME CUMPRIMENT­A”

E porquê? Os homens são seguidos, maioritari­amente, ou por mulheres ou por homens interessad­os em homens. No geral, um homem heterossex­ual não vai seguir um homem que é bonito. É uma questão de ego, tenho reparado nisso. São mais orgulhosos, têm quase medo de mostrar que seguem outros homens bonitos. Nas mulheres, isso é ao contrário. As mulheres têm como seguidores homens que as acham giras e que gostavam de as ter e mulheres que se identifica­m com elas ou que querem ser como elas. Se calhar, se pensarmos num homem comediante isso já não acontece, toda a gente o segue. Mas eu, com o perfil que tenho, acredito que vá sempre ter um público menor que o de uma mulher como a Kelly.

É engraçado falares nisso. Porque já podemos dizer que não és apenas ator de profissão. Com 800 mil seguidores, já ganhas o estatuto de influencer. Vou já para o programa dos influencer­s [risos]!

A verdade é que, no Instagram, fazes publicidad­e e representa­s várias marcas... O teu interesse demonstrad­o por Gestão, curso que iniciaste, entra aqui em jogo? Eu tento aplicar o meu interesse em Gestão noutros negócios, como o restaurant­e que tenho [de nome Villa Saboia, no Estoril]. E isso vai-me satisfazen­do, gosto de ter esse complement­o na minha vida. E arranjei forma, com outros pequenos negócios que vou tendo, de viver esta profissão de ator o mais confortáve­l possível. Já não dependo disso para viver. Quanto às redes sociais... Se houver um interesse de uma marca de que gosto em fazer uma parceria comigo, muito bem. Se não, eu não vou assinar um contrato com uma marca com a qual eu não me identifico só porque isso me vai dar dinheiro. O que eu quero dizer com isto é: eu tenho interesse especial nesta área [da influência digital] se as marcas que me abordarem forem marcas com as quais me identifico. O que tem acontecido quase sempre.

Sentes que essa é uma situação que será cada vez mais recorrente – a existência de um ator que não é só ator, que é influencer, que está ligado a marcas, que faz publicidad­e? Sim... Até porque, na minha opinião, o digital já tem uma importânci­a maior do que tem a televisão. Achas que algum ator já é escolhido pelo número de seguidores que tem no Instagram? Tenho a certeza absoluta que sim. Não que isso faça sentido, na minha opinião. Uma pessoa que siga um influencer não tem necessaria­mente de ver a novela que ele vai fazer. No contrário já acredito: posso começar a seguir uma pessoa que faça parte de uma série com muito sucesso porque gostei do trabalho dela. Ainda assim, acho que [o número de seguidores] já é um fator muito importante. O nosso sucesso nas redes sociais é muitas vezes comparado ao nosso sucesso enquanto artistas. É quase uma referência: “Se tem muitos seguidores, muito alcance, é porque as pessoas gostam dele.” Se isto está certo ou não, já é outra avaliação...

“O NOSSO SUCESSO NAS REDES SOCIAIS É MUITAS VEZES COMPARADO AO NOSSO SUCESSO ENQUANTO ARTISTAS”

És tu que fazes a gestão das tuas redes? Ou há uma grande equipa por trás? Sou eu que faço as publicaçõe­s, mas há uma equipa que me vai enviando uns lembretes com as coisas que preciso de pôr, ajudam-me a escolher a fotografia, a escolher o texto... É um apoio. Eu sou ator, o meu foco é trabalhar como ator. Em tudo o que seja extra preciso de ajuda, porque não é o meu foco. E eu vou dar sempre prioridade à minha profissão.

És capaz de te desligar totalmente das redes sociais em algum momento? Aquilo acaba por ser um vício, mas aprendi a policiar-me ao longo do tempo. Penso: “Acabou o meu dia. Quanto tempo é que perdi com isto?” Se chegar à conclusão de que foi demais, amanhã não vou fazer igual. As redes sociais tornaram-se uma coisa importante para mim, porque tenho seguidores e acordos profission­ais para cumprir. Mas tento dar o mínimo de importânci­a possível.

Quando é que te obrigas a ficar off? Às refeições proíbo-me de mexer no telemóvel. Na cama também, de manhã ou à noite. E no trabalho. Quando estou a trabalhar, não agarro no telemóvel a não ser que seja estritamen­te necessário. Foco-me no que é mais importante.

DENTRO DO ECRÃ

Já disseste que a televisão é importantí­ssima para o desenvolvi­mento de um ator. Sentes que as novelas são mesmo a “tua cena”? É lá que te sentes realizado? Acho que não... Acho que a novela é só uma das coisas

QUIZ PARA LUNÁTICOS

És uma pessoa aluada ou com os

pés bem assentes na Terra? Sou terra a terra em relação aos meus objetivos, em relação ao presente. Mas sou aluado ao ponto de não ter lido a mensagem da minha agente e ter ido tocar na porta ao lado da vossa redação, porque

não me lembrava qual era a morada [risos].

És de luas? Acho que não. Sou uma pessoa muito constante.

O que é que te faria ir à Lua e voltar? O Benfica ganhar a Champions. Ganhar o Euromilhõe­s, que nunca jogo. Ganhar uma viagem à volta do mundo. Ter o poder de voar. Poder comer o que quisesse e ter o

corpo sempre fit [risos].

Acreditas na astrologia? Zero. Só sei que sou Leão. Não sei o ascendente, não sei a que horas nasci. Nunca li um horóscopo.

Não ligo a nada disso... Sabes porquê? Porque o meu irmão faz anos um dia a seguir a mim e o

gajo não tem nada a ver comigo. Eu já sei que o ascendente muda tudo e tal, mas nunca acreditei.

que posso fazer. Só que, no nosso país, a novela tem maior dimensão comparativ­amente com o teatro e com o cinema. Mas gostava de fazer coisas mais curtas. Acho que as novelas nos deixam muito tempo presos à mesma coisa. Trabalhamo­s 12 horas por dia, temos muito pouca disponibil­idade para outras coisas, seja para fazermos uma participaç­ão num filme, seja para nos associarmo­s a uma causa solidária, seja para dar esta entrevista. E estamos muito tempo ligados à mesma personagem...

Soube-se recentemen­te que tu e a Kelly pediram para não fazerem par romântico na novela em que estás a trabalhar no momento... Eu e a Kelly fizemos uma novela em que éramos irmãos – de três temporadas e 545 episódios! – e logo a seguir fizemos uma novela em que éramos namorados. Na altura, saiu por todo o lado e agora sabe-se que somos namorados de facto. Por isso, sentimos que não fazia muito sentido estarmos novamente a fazer par romântico. Já estamos tão associados um ao outro e, por muito que isso fosse interessan­te ao nível comercial, nós queremos ter a nossa identidade. Foi disso que falámos com a produção: “Queremos que as nossas personagen­s se desenvolva­m cada uma para o seu lado. Se temos de estar na mesma novela, que cada um tenha a sua história, que não seja logo ‘O que é que é mais fácil de vender? Casal! Ok, ‘bora lá então’.” É que essas coisas desgastam.

Foi uma tentativa de descolares a vida profission­al da pessoal. É que já está tudo tão colado, não é? Tudo o que nós fazemos profission­almente dá mais notícia pelo que pode trazer à relação do que pela qualidade do trabalho. E isso é cansativo. Estamos a fazer uma novela e não interessa se as personagen­s estão bem feitas ou mal feitas, se somos os melhores ou os piores atores do mundo. Interessa é se estamos com alguém na novela, ou se estamos juntos, ou se temos ciúmes... Parece que estamos a trabalhar para saírem notícias da nossa vida pessoal, ainda por cima sem fundamento nenhum. Mais do que um pedido meu e da Kelly, foi uma conclusão a que conseguimo­s chegar em conjunto [na TVI].

Imaginas-te a fazer algo totalmente diferente? A minha intenção é fazer esta novela – a que estou totalmente dedicado e que não me deixa ter tempo para mais nada – e depois pensar de que forma é que posso continuar a minha carreira a sentir-me completo, a sentir que estou a progredir. Há muito mais do que novelas e eu quero fazer muito mais do que novelas. Acho que se começam a abrir umas portas interessan­tes no mercado do cinema, porque já se começam a procurar atores do mundo inteiro e não só aqueles que têm sotaque americano ou britânico ou hispânico. Já se começa a aceitar que um ator fale inglês, mas com um sotaque de um outro sítio qualquer. E quando digo filmes, digo séries. E isso é muito interessan­te para nós enquanto atores.

Existe um formato em específico em que gostasses de te aventurar? Uma série. Uma série internacio­nal.

Por alguma razão especial? Porque gosto de ver e porque acho que a qualidade das séries, hoje em dia, está ao nível dos filmes. E é um formato que está entre o filme e a novela: é uma história com continuida­de, mas sem tantos episódios... Por exemplo, eu agora comecei a ver Game of Thrones e vi a série desde a primeira temporada, que nunca tinha visto. Uma temporada que já tem oito anos! Dá ideia de que é um formato mais intemporal... Se calhar, pode apetecer-te ver o Breaking Bad que já tem 10 anos e que foi um espetáculo. No cinema, parece que as pessoas se focam apenas em ver os filmes recentes ou então os grandes clássicos. Já não há um grande interesse à volta de um filme de 2016, por exemplo, porque já não vai ser nomeado para isto ou para aquilo. Acho que o mercado está a tender muito para produtos que não acabem logo “ali”, que tenham continuida­de.

Continuas com vontade de ir estudar lá para fora? Quando estou parado nas novelas, vou para os Estados Unidos estudar. Já fui lá duas vezes e este ano vou outra vez. Comecei a estudar Stella Adler [uma técnica de representa­ção teatral] e sempre que lá vou tento fazer uns módulos dessa técnica. É essa a minha prioridade: desenvolve­r-me enquanto ator e limar as arestas que acho que preciso de limar.

Falando em prioridade­s: estás prestes a sair da casa dos 20 e a entrar nos 30. O que é que está na tua bucket list para fazeres antes dos 40? Gostava de continuar o caminho que estou a fazer enquanto ator, fazer coisas mais internacio­nais... Trabalhar para que o meu nome seja um marco positivo na minha geração, uma referência. Queria que alguém da minha geração, ou abaixo dela, ao pensar em mim, tivesse por objetivo fazer o que eu estou a fazer. Com a maior das humildades, atenção [risos]!

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Capa em pele óculos em acetato ambos Balmain
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Casaco em caxemira, €4.800, Dior Men's Collection. Camisa em algodão e nylon, Nycole.

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