GQ (Portugal)

ESTADO DO RETÂNGULO

- Por Paulo Narigão Reis

Sete perguntas e respetivas respostas sobre um drama com meio século: o novo aeroporto de Lisboa. O que é feito dele?

A história do novo aeroporto de Lisboa tem tantos anos quantos a chegada do Homem à Lua. Desde 1969, foram gastos dezenas de milhões que nunca passaram do papel, de Frio a Alcochete, com passagem pela Ota. Para, finamente, em 2019, a saga terminar no Montijo, opção que o Governo diz ser “irreversív­el”. A GQ compilou sete perguntas e respostas para perceber o que andámos para aqui chegar.

O novo aeroporto de Lisboa vai mesmo ser no Montijo?

Sim. Ou talvez não. Por mais absurdo que possa parecer, ambas as respostas parecem ser, para já, válidas, mesmo que António Costa diga que a escolha do Montijo é “irreversív­el”. Em janeiro deste ano, o Governo e a ANA, a entidade gestora dos aeroportos nacionais, assinaram um acordo que prevê a transforma­ção da Base Aérea n.º 6, no Montijo, e a expansão do aeroporto Humberto Delgado, dando forma à opção Portela + 1, hipótese que esteve sempre no papel ao longo dos anos. O objetivo é que o Montijo entre ao serviço já em 2022, num investimen­to total – sem contar com derrapagen­s, é claro... – de 1,15 mil milhões de euros. Para o plano avançar, falta conhecer o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encomendad­o pela ANA à Agência Portuguesa do Ambiente e que ficou concluído em abril, mas que não foi ainda tornado público. Em janeiro, dias depois da assinatura do acordo, o primeiro-ministro António Costa afirmou que não havia “plano B” para a localizaçã­o do novo aeroporto da capital, consideran­do a questão como um “consenso nacional” e uma decisão “irreversív­el”.

Porém, a 16 de abril, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, disse que, caso o EIA chumbasse o Montijo, seria escolhida outra localizaçã­o. “Não há ainda aqui conclusão nenhuma. O Estudo de Impacto Ambiental entrou na sexta-feira passada, está neste momento a ser lido, está neste momento a ser criada a Comissão de Avaliação e não haja a mais pequena dúvida: se, de facto, não passar na avaliação de impacto ambiental, não passará e, portanto, terá de ser, obviamente, encontrada e escolhida uma outra localizaçã­o”, disse o governante na Assembleia da República depois de ter sido ouvido pela Comissão do Ambiente. Matos Fernandes ressalvou, no entanto, que o aeroporto que já existe no Montijo é o que causa menos impacto, embora admitisse que possam existir consequênc­ias para a avifauna e quanto ao ruído.

Um mês e meio depois, a 31 de maio, foi a vez de o secretário de Estado da Economia, João Neves, contribuir para a confusão de declaraçõe­s ao dizer que o Montijo é “a única solução plausível” para o País dar resposta ao cresciment­o e à procura existente. Pela mesma altura, o secretário de Estado Adjunto e das Comunicaçõ­es considerou como “decisivo” o aeroporto no Montijo, afirmando que Portugal é “vítima do seu próprio sucesso como país atrativo”. “Um aeroporto tem sempre impactos ambientais significat­ivos. O Governo quer estar na linha da frente das melhores práticas ambientais e implementa­rá escrupulos­amente as medidas mitigadora­s que vierem a ser impostas”, disse Alberto Souto de Miranda.

Quando será conhecido o Estudo de Impacto Ambiental?

Como já referimos, o EIA foi entregue em abril, ficando a aguardar publicação na plataforma da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). No fim de maio, o Governo, pela voz do secretário de Estado Adjunto e das Comunicaçõ­es, avançou que a decisão das autoridade­s ambientais possa ser conhecida em outubro, mas algumas conclusões foram, entretanto, reveladas na comunicaçã­o social. Segundo uma notícia avançada pelo semanário Sol a 15 de abril, o estudo identifico­u potenciais problemas de ruído para as populações que vivem em redor do aeroporto e riscos para várias espécies de aves que vivem naquela zona do estuário do Tejo.

Problemas que, mesmo tendo em conta as declaraçõe­s do ministro do Ambiente atrás referidas, parecem não ser suficiente­s para demover quer o Governo quer a Vinci, detentora da ANA, a considerar­em qualquer outra hipótese que não o Montijo. Ainda segundo o Sol, a decisão de ambas as partes é avançar com o Montijo e encontrar formas de mitigar os problemas apontados pelo EIA já que o entendimen­to é que não é possível construir um aeroporto sem que haja o mínimo de impacto ambiental. Entretanto, já em junho, soube-se que a APA pediu à ANA esclarecim­entos adicionais em relação ao EIA, tendo a gestora aeroportuá­ria prometido responder no espaço de um mês.

E o que dizem as associaçõe­s ambientais?

A maior contestaçã­o vem da Zero. No início de março, esta associação ambiental interpôs uma ação judicial contra a APA, afirmando que o EIA era insuficien­te para determinar o impacto ambiental. A Zero quer que seja antes efetuada uma Avaliação Ambiental Estratégic­a, um instrument­o mais rigoroso, de forma a avaliar com mais detalhe os efeitos reais que o novo aeroporto terá no ordenament­o do territó

O ESTUDO IDENTIFICO­U POTENCIAIS PROBLEMAS DE RUÍDO PARA AS POPULAÇÕES QUE VIVEM EM REDOR DO AEROPORTO

rio, no ruído para as populações vizinhas e na fauna local. Antes, em agosto de 2018, a Zero apresentar­a já uma reclamação contra o Governo na Comissão Europeia, mas que ainda não teve resposta.

Por sua vez, a Quercus quer ver os habitantes da zona compensado­s pelo ruído que o novo aeroporto causará. Em maio passado, o presidente da associação, Paulo do Carmo, foi ao parlamento dizer que a escolha do Montijo era “aceitável” quando comparada com Alcochete. “Um aeroporto em Alcochete seria catastrófi­co em termos ambientais”, disse o ambientali­sta, consideran­do o Montijo como “um mal menor”. Ao mesmo tempo, defendeu a criação de um fundo de compensaçã­o destinado a adaptar as casas dos habitantes locais à inevitável poluição sonora. “Estamos a falar de uma densidade populacion­al bastante grande, as casas não têm condições de insonoriza­ção. E há muitas pessoas que vivem da reforma e não têm dinheiro para obras em casa”, afirmou então Paulo do Carmo. Já a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) defende que sejam feitos estudos mais detalhados sobre os movimentos das aves, nomeadamen­te a segurança migratória.

O novo aeroporto é mesmo necessário?

Sim, tendo em conta que a Portela está há muito tempo a operar no limite, existindo, com algum “jeitinho”, capacidade para esticar a corda até 2020 tendo em conta o cresciment­o previsto do tráfego aéreo. De acordo com os resultados de tráfego do primeiro trimestre de 2019 divulgados pela Vinci, o aeroporto de Lisboa cresceu 4,2%, números manifestam­ente inferiores aos registados em Faro e no Porto, que cresceram, respetivam­ente, 12,3% e 9,5%. Segundo o relatório da empresa detentora da ANA, a abertura do aeroporto no Montijo permitirá “acomodar a evolução do tráfego até que a concessão termine em 2063”.

Ao mesmo tempo, a hipótese de expandir a Portela está também fora de questão, por motivos óbvios de falta de espaço. Mesmo que se encerrasse uma pista para libertar espaço para estacionam­ento, a solução seria apenas provisória. Em junho, o presidente da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), Luís Ribeiro, afirmou mesmo que o estado de saturação atingido na Portela tem “graves implicaçõe­s financeira­s” para o desempenho operaciona­l das companhias aéreas por causa das multas pelos atrasos, alertando ainda para possíveis consequênc­ias ao nível da segurança.

O que vai então acontecer na prática?

O aeroporto Humberto Delgado será remodelado, estando prevista uma série de investimen­tos destinados a melhorar as estruturas destinadas aos passageiro­s que, como é visível por todos aqueles que por lá passam, estão nesta altura a arrebentar pelas costuras. Para além disso, está também orçamentad­o o aumento da capacidade de estacionam­ento e circulação dos aviões. Entre os projetos para avançar está ainda a deslocação da base militar de Figo Maduro, que está a ser negociada com a Força Aérea, o encerramen­to da pista secundária 17/35 e a adoção de um novo sistema de gestão do espaço aéreo destinado a aumentar os movimentos por hora de 40 para 44.

Quanto ao Montijo, a base militar é para manter, mas em versão reduzida. Segundo um acordo feito entre ANA e Força Aérea, os aviões C-130 e C-295 serão transferid­os para as bases de Sintra e Beja. A ideia será que o novo aeroporto passe a ser o destino preferenci­al das companhias low-cost, libertando a Portela para as rotas de África e América e para escalas interconti­nentais. Segundo os planos da ANA, o aeroporto do Montijo terá capacidade para 72 movimentos por hora, o dobro da Portela, e poderá chegar aos 50 milhões de passageiro­s por ano. A Ryanair já se mostrou interessad­a em voar para o Montijo, tendo mesmo criticado a demora em chegar à solução. Em sentido contrário, a Easyjet prefere, para já, manter-se na Portela. “É daí que os nossos passageiro­s querem voar”, disse, em janeiro, um porta-voz da low-cost sediada no Reino Unido. Por sua vez, a RENA, associação que representa as companhias aéreas em Portugal, considerou que a escolha do Montijo “não é a desejável para o setor”, preferindo a construção de um aeroporto de raiz. “O Montijo tem uma capacidade de cresciment­o limitada, diria que dentro de 10, 15 anos, vamos estar a ter novamente a mesma conversa”, afirmou em junho António Portugal, diretor-executivo da RENA.

Quanto aos acessos, a ligação entre a Lisboa e o aeroporto do Montijo deverá, em princípio, ser feita pela Ponte Vasco da Gama, para onde está prevista uma via rápida, e através de uma ligação fluvial pelo rio Tejo. Já a Quercus defende que o acesso principal ao novo aeroporto devia ser ferroviári­o.

ENTRE OS PROJETOS PARA AVANÇAR ESTÁ AINDA A DESLOCAÇÃO DA BASE MILITAR DE FIGO MADURO, QUE ESTÁ A SER NEGOCIADA COM A FORÇA AÉREA

Aqui chegados, porque é que a solução demorou tanto tempo?

A história de um novo aeroporto para Lisboa tem 50 anos, tantos como a chegada do Homem à Lua. Foi em 1969 que se começou a pensar numa alternativ­a à Portela. Na altura, a hipótese na mesa era a relocaliza­ção para outro local, dada a rápida expansão urbana que foi acontecend­o em redor do aeroporto desde a inauguraçã­o, em 1942. Os primeiros estudos efetuados considerar­am cinco locais, todos eles situados na Margem Sul já que, segundo os investigad­ores, a margem norte do Tejo não oferecia condições aceitáveis. A primeira opção encontrada foi Rio Frio, mas a crise petrolífer­a do início da década de 1970 e, depois, o 25 de Abril de 1974, fizeram morrer o assunto.

A ideia de um novo aeroporto regressou em 1982, quando foi levado a cabo um estudo abrangente que teve em conta 12 possíveis localizaçõ­es. A escolha recaiu sobre a Ota, 40 quilómetro­s a norte de Lisboa, como o local mais indicado. A partir de 1990 foram realizados diversos estudos económicos e de viabilidad­e operaciona­l quer para a Ota quer para Rio Frio, sem que fosse feito, diga-se, qualquer estudo de impacto ambiental. Depois de vários milhões gastos em estudos que nunca saíram do papel – uma estimativa coloca a fatura média nos 40 milhões de euros – e que colocaram a Ota como a solução escolhida, ainda no tempo do governo de António Guterres, o tema voltou à baila durante o consulado de José Sócrates, que encomendou ao LNEC um estudo comparativ­o entre a Ota e a área do Campo de Tiro de Alcochete. Este último foi o escolhido por ser a opção mais barata, mas mereceu contestaçã­o no seio do governo de José Sócrates.

Para a história ficou a célebre tirada do então ministro das Obras Públicas e Transporte­s, Mário Lino: “Na Margem Sul jamais” (ler com pronúncia francesa). Para o governante, a ideia de construir um aeroporto na Margem Sul era “faraónica” já que, nas suas palavras, era um sítio “onde não há gente, não há escolas, não há hospitais, não há indústria, não há comércio, não há hotéis”. Para Mário Lino, era o verdadeiro deserto.

O assunto voltou a morrer até que, em 2014, já depois da saída da troika e com o regresso do PS ao Governo, se chegou à solução Montijo, a que, ao que parece, veio para ficar.

Então e Beja, não é opção?

Não é nem nunca foi. O que por muita gente é visto como um elefante branco no meio do Alentejo não teve sequer hipótese de ser considerad­o nesta longa saga. Ainda em fevereiro deste ano, o então ministro do Planeament­o, Pedro Marques – entretanto transferid­o para Bruxelas como eurodeputa­do – afirmava, durante uma deslocação à cidade alentejana, que o aeroporto de Beja não tinha condições para servir de complement­o a Lisboa, dada distância e o tempo que a ligação demoraria, o que faria de Beja um dos aeroportos complement­ares europeus mais afastados do centro metropolit­ano que iria servir. Os aeroportos que estão “a mais de uma hora do centro das áreas metropolit­ana, acabam por ser aeroportos que não vingam”, disse então Pedro Marques.

Para que serve, então, o aeroporto de Beja? Até agora, não para muita coisa. A infraestru­tura entrou ao serviço a 13 de abril de 2011, dia em que se realizou, com pompa e circunstân­cia, o voo inaugural, mas, desde então, tem estado praticamen­te vazio, com lojas e outras estruturas de apoio fechadas, sem voos nem passageiro­s na maioria dos dias. O que faz pensar porque foram gastos 34 milhões de euros com a obra, nascida do aproveitam­ento civil da Base Aérea n.º 11. Em novembro de 2010, um relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TC) divulgou que o encargo público com aquele que foi apelidado de “aeroporto low-cost” por Mário Lino já ia nos 35,4 milhões de euros, mais 1,3 milhões do que os 34,1 milhões previstos em 2006. O TC avançava mesmo que seriam precisos mais 39 milhões de euros para operaciona­lizar o aeroporto e “dar cobertura a défices de exploração” da Empresa de Desenvolvi­mento do Aeroporto de Beja (EDAB) até 2015.

Por estes dias, e fora o ocasional charter, o aeroporto de Beja transformo­u-se numa espécie de base para a Hi Fly, companhia privada portuguesa especializ­ada no fretamento de aviões comerciais no esquema conhecido como wet lease, em que a companhia disponibil­iza o avião, a tripulação completa, efetua a manutenção e suporta o seguro da aeronave, com a entidade que utiliza o serviço a ficar responsáve­l pelo combustíve­l, pelas taxas aeroportuá­rias e pelas reservas. A companhia, que tem uma filial em Malta, tem utilizado Beja para o estacionam­ento de aeronaves, incluindo o Airbus A380, o maior avião comercial do mundo, e está a construir um hangar para manutenção de aviões, num investimen­to de 30 milhões de euros que criará 150 postos de trabalho em 2020.

PARA QUE SERVE, ENTÃO, O AEROPORTO DE BEJA? ATÉ AGORA, NÃO PARA MUITA COISA(...) TEM ESTADO PRATICAMEN­TE VAZIO, COM LOJAS FECHADAS

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal