GQ (Portugal)

AMOR EM TEMPOS DE WOODSTOCK

Numa era de sexo, drogas e rock’n’roll, houve make love not war. Houve também meio milhão de hippies numa quinta enlameada a pedir que se acabasse com a guerra do Vietname. Foram tempos estranhos. Foi o Woodstock.

- Por Ana Saldanha.

Foi (tal como a chegada do Homem à Lua, para os mais distraídos) há 50 anos, a 15 de agosto de 1969, que longas filas de trânsito se forma‑ ram em direção a uma quinta em Bethel, estado de Nova Iorque, para os três dias do festival que estava a ser anunciado como An Aquarian Experience: 3 Days of Peace and Music – tendo‑se tornado sinónimo da con‑ tracultura que se viveu nos Estados Unidos nos anos 60, agradecemo­s que o nome te‑ nha sido encurtado para Woodstock.

O sucesso do festival é indiscutív­el, mas nem tudo correu como estava planeado inicialmen­te: houve mudanças de recinto, mau tempo e muito (ênfase no muito) mais público do que a organizaçã­o estava à es‑ pera. Os quatro homens que se encarrega‑ ram de organizar o festival tinham todos

cerca de 25 anos e estavam à procura de um bom investimen­to. Michael Lang já tinha organizado o Miami Music Festival no ano anterior, Artie Kornfeld era vice-presidente da editora Capitol Records, e John Roberts e Joel Rosenman eram empresário­s nova-iorquinos envolvidos na construção de editoras. Acabaram por formar a Woodstock Ventures Inc. e lançar o festival.

A primeira grande confirmaçã­o no mítico cartaz foi Creedence Clearwater Revival e ter um nome conceituad­o associado ao festival foi o pontapé de saída que lhes deu credibilid­ade para contactar outros músicos. Porém, o plano inicial seria que o evento fosse no Parque Industrial Howard Mills (Wallkill, Nova Iorque), mas as forças de segurança da cidade recusaram a proposta, tal como todos os outros recintos que visitaram. Foi apenas um mês antes do início do festival que o agricultor de 49 anos Max Yasgur se ofereceu para alugar parte do seu terreno em White Lake (Bethel, Nova Iorque) e, com a data a aproximar-se, os quatro sócios não puderam recusar.

Recinto e cartaz: check. Avançaram então para a logística que ia garantir que o recinto teria condições para receber o evento, mas, na altura em que os festivalei­ros começaram a chegar, ainda nada estava pronto e, sem forma eficiente de vender bilhetes, Woodstock torna-se num evento gratuito.

O plano era receber 50 mil festivalei­ros, porém, dois dias antes do festival, já esse número de pessoas estava acampado no recinto e mais de 100 mil bilhetes tinham sido vendidos. A estimativa passou a ser cerca de meio milhão de pessoas no Woodstock, lançando o pânico nos organizado­res, que tentavam esticar o recinto e as infraestru­turas, enquanto as estradas ficavam atoladas de carros levando os passageiro­s a deixá-los no meio do caminho e a continuar o percurso a pé.

FESTIVAL‑PROTESTO

No ano 1969 decorria a Guerra do Vietname, um conflito controvers­o a que muitos norte-americanos se opunham, especialme­nte os mais jovens. Falamos também de um período em que as lutas pelos direitos e liberdades civis eram tema central de protestos e manifestaç­ões. O Woodstock acabou por ser o ponto de encontro de um público diverso, entre hippies que se sentiam à parte de uma sociedade focada no materialis­mo e ativistas que queriam espalhar a sua mensagem de paz e união. Ainda que as condições no recinto fossem caóticas – mau tempo e chuvas intensas transforma­ram o terreno num campo de lama, havia pouca comida, pouca água, más condições de saneamento e cerca de uma dúzia de polícias para manter a segurança de 500 mil pessoas – o ambiente que se vivia era pacífico e harmonioso.

Uns dizem que a razão seria o tipo de público, concentrad­o na mensagem de make love not war (a mensagem foi levada tão a sério que houve até quem pusesse o mantra em prática a céu aberto), outros atribuem a calma à quantidade absurda de substância­s psicadélic­as que ali se consumiu e foram até registadas duas mortes relacionad­as com o consumo de drogas e outra por atropelame­nto.

O único momento em que o festival abanou deveu-se à falta de comida (parece que não é fácil praticar a paz quando a fome aperta). Os vendedores aumentaram os preços e o caos estava prestes a instalar-se, não tivesse o xerife local, Louis Ratner, previsto o problema e chamado a Força Aérea. Na manhã seguinte, chegavam helicópter­os com mantimento­s e, apesar de o Woodstock não se ter oficialmen­te declarado como um festival antiguerra, ver os aviões militares a sobrevoar o local causou um clima de tensão. Contudo, a entrega de mais de 10 mil sanduíches, enlatados, água, fruta, equipament­o médico e cobertores rapidament­e pôs a animosidad­e de lado, a festa prolongou-se por mais um dia do que estava inicialmen­te previsto e terminou, muito apropriada­mente, com Jimi Hendrix e a sua versão do hino nacional americano.

O Woodstock acabou no dia 18 de agosto e resultou num gasto de 3,1 milhões de dólares versus apenas 1,8 milhões de lucro. A família abastada de John Roberts cobriu temporaria­mente os custos, que só acabariam por ser totalmente pagos 10 anos depois.

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 ??  ?? O festival, planeado para pouco mais de 50 mil pessoas, acabou por receber meio milhão de festivalei­ros que se juntaram para celebrar a paz e para ouvir nomes como Janis Joplin, The Who, Joe Cocker (na imagem da direita, em baixo) e Creedence Clearwater Revival.
O festival, planeado para pouco mais de 50 mil pessoas, acabou por receber meio milhão de festivalei­ros que se juntaram para celebrar a paz e para ouvir nomes como Janis Joplin, The Who, Joe Cocker (na imagem da direita, em baixo) e Creedence Clearwater Revival.
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 ??  ?? Se preferir levar o Woodstock para casa, este verão será lançada uma edição comemorati­va com 38 CDs que pretendem capturar o que se viveu naquele verão de 69. O Woodstock – Back To The Garden: The Definitive 50th Anniversar­y Archive reune 38 discos com 432 faixas (e 267 são inéditas), um Blu-Ray do filme Woodstock com comentário do realizador, o livro Woodstock, de Michael Lang (um dos organizado­res do evento), posteres e merchandis­e oficial do evento – tudo em edição ultralimit­ada. O conjunto, que custa cerca de €700 (800 dólares), está em pré-venda em www.rhino.com/woodstock5­0
Se preferir levar o Woodstock para casa, este verão será lançada uma edição comemorati­va com 38 CDs que pretendem capturar o que se viveu naquele verão de 69. O Woodstock – Back To The Garden: The Definitive 50th Anniversar­y Archive reune 38 discos com 432 faixas (e 267 são inéditas), um Blu-Ray do filme Woodstock com comentário do realizador, o livro Woodstock, de Michael Lang (um dos organizado­res do evento), posteres e merchandis­e oficial do evento – tudo em edição ultralimit­ada. O conjunto, que custa cerca de €700 (800 dólares), está em pré-venda em www.rhino.com/woodstock5­0
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