COMEÇA NA B A R B ATA N A E VAI ATÉ À ESCAMA
Há, no Restelo, um lugar onde o peixe é para se comer de ponta a ponta, escamas, olhos e tudo. Chama-se Tsukiji e tem a assinatura do chef Paulo Morais que, por cá, é um dos grandes especialistas em gastronomia asiática.
Antes de começarmos com a parte que interessa, façamos uma nota prévia acerca do nome do restaurante. Tsukiji, assim se chama o maior mercado retalhista de peixe do mundo, situa-se junto ao distrito financeiro e comercial de Ginza, em Tóquio, capital do Japão. Posto isto, fica claro que o chef Paulo Morais pretendia com este restaurante – que é bastante mais do que um restaurante – estabelecer um espaço dedicado sobretudo, embora não exclusivamente, aos peixes e mariscos e que estes fossem, digamos, trabalhados com uma forte inspiração trazida do Extremo Oriente, como é, aliás, imagem de marca do mestre – Paulo Morais já deixou assinatura em inúmeros restaurantes de inspiração semelhante, tais como Midori, Umai ou Rabo d’Pêxe, e, por fim, Kanazawa, gerido pelo próprio.
DO GELO AO PRATO
Para uma experiência de degustação completa, procuro responder ao chef que lança, em jeito de desafio, “aqui, é da barbatana até à escama”. Para isso, é preciso escolher um peixe entre os que repousam no gelo com um aspeto fresquíssimo. Não é fácil decidir-me entre tanta e tão apetitosa oferta. Arrisquemos um boca-negra, também conhecido por cantarilho ou cantaril. Peixe de carnes brancas e suculentas, tem tudo para ser uma delícia.
Uma vez escolhido, o peixe é retirado da montra e começa a ser trabalhado. Passado pouco tempo chegam à mesa os primeiros elementos: escamas e pele assada. É possível que soe estranho, mas o resultado é notável. As escamas são um acepipe tão legítimo como qualquer outro. Seguem-se sushi e sashimi, mantendo o boca negra um comportamento irrepreensível: suculento, como se previa, branco, alvo, como se sabia. Tudo é apresentado de um modo que impressiona enquanto, pontualmente, Paulo Morais se abeira para explicar o que se come, como se fez, o que se procura. Por exemplo, com os cones de vísceras (sim, vísceras – é da escama à barbatana, lembra-se?), procura-se chegar a algo semelhante a um patê. O sabor é muito forte, pelo que os palatos mais sensíveis devem estar preparados para enfrentar uma tempestade de sensações.
Segue-se, então, aquele que poderá ter sido o momento mais alto da refeição: a sopa de peixe. Trata-se de um caldo, um konbu dashi, enriquecido com o recheio das mandíbulas e de partes da cabeça do cantaril. O sabor é incrível e a fusão é perfeita. O dashi é ainda a maneira ideal de separar os momentos frios do momento quente final, em que os lombos do peixe são assados em carvão de bambu, o que os deixa muito mais húmidos do que ficariam no carvão convencional. É um fim delicioso e com um toque de familiaridade, já que o peixe assado é praticamente património nacional português. As sobremesas finais são um bónus e a escolha é vasta e criativa – mas as sobremesas já ficam muito para lá da escama e da barbatana.