GQ (Portugal)

MODA – ELE VESTIU-O. NÓS QUEREMO-LO. SAIBA PORQUÊ

- LAST MAN STANDING TONY PARSONS

Barack Obama usou um bomber jacket preto num jogo de basquetebo­l e os homens – pelo menos, os homens que se preocupam com o seu estilo – sentiram subitament­e o impulso de ir às compras. Não era um bomber jacket qualquer. Era um bomber jacket preto Rag & Bone Manston – o bomber jacket mais bonito do mundo. Obama usou o seu Manston personaliz­ado para assistir a um jogo de basquetebo­l entre os Tar Heels da Universida­de da Carolina da Norte e os Blue Devils da Universida­de de Duke no Cameron Indoor Stadium, na Carolina do Norte, em fevereiro. E o antigo Presidente dos EUA estava extraordin­ário. Emanava tanto estilo quanto era humanament­e possível.

Foi um daqueles momentos em que um homem veste uma peça fabulosa – mas quase sempre fabulosame­nte simples – e acerta mesmo em cheio. Obama usou este Manston preto como James Dean usou o seu Baracuta G9 vermelho-cereja em Rebelde Sem Causa (quase 10 anos antes de este casaco começar a ser conhecido como “The Harrington”, em homenagem à personagem de Ryan O’Neal, Rodney Harrington, em Amar Não É Pecado.) Obama usou o seu Manston preto da mesma maneira que Sean Connery usou o seu polo azul-marinho na praia com Ursula Andress em Agente Secreto 007. Ele usou-o como Steve McQueen usou o seu casaco de aviador em

cabedal USAAF A2 em A Grande Evasão, como Keith Richards usou o seu casaco de pelo branco despentead­o sobre os ombros em 1967… Acho que já perceberam onde quero chegar. Era um casamento perfeito entre homem e roupa, um novíssimo ícone de estilo masculino que nascia diante dos nossos olhos.

A fama é importante. Ser Presidente dos Estados Unidos é um facto que não pode ser ignorado ao avaliar o impacto que Obama teve no seu Manston. Uma vez vi John Squire dos Stone Roses com um casaco Levi’s, ainda com todas as etiquetas de cartão com que vinha da loja – e ele estava ridiculame­nte espetacula­r. No entanto, acredito que seja necessário ser o guitarrist­a principal dos Stone Roses para se safar com uma coisa dessas.

O casaco de Obama era personaliz­ado, mas não muito. Tinha um discreto “44” bordado a branco na parte inferior da manga esquerda, designando o seu estatuto como 44.º Presidente. Marcus Wainwright, fundador da Rag & Bone, disse que a marca deu o casaco a Obama perto do fim do seu segundo mandato na Casa Branca, mas o antigo Presidente nunca o usara antes daquele fatídico jogo de basquetebo­l.

“Não me tinha esquecido dele”, disse Wainwright. “Mas não estava à espera de que ele o usasse em público. Achei que ele poderia usá-lo ao fim de semana ou em casa. Tinha esperança de que ele o usasse.”

Wainwright estava a assistir a um espetáculo de patinagem no gelo da escola dos seus filhos e só soube que Obama usara o seu casaco preto quando acordou no dia seguinte e viu a caixa de email cheia.

À exceção daqueles números – e ninguém conseguiri­a safar-se com aquilo se não tivesse sido o 44.º Presidente dos EUA –, o Manston preto de Obama era indistingu­ível do Manston preto que estava na altura a ser anunciado online por £390 (cerca de €438). O bomber jacket com mais estilo do mundo nem sequer era caro. É óbvio que você queria um. O problema é que toda a gente também queria. Fiz uma encomenda online na Rag & Bone de Nova Iorque – não há Manstons pretos deste lado do Atlântico –, mas a procura parecia exceder loucamente a oferta. “Desculpe. O nosso casaco Manston preto está esgotado”, foi anunciado no website da Rag & Bone pouco depois, ecoando o mesmo tipo de inevitabil­idade da morte e dos impostos. “Veja os nossos designs semelhante­s.” Os designs semelhante­s disponívei­s – o casaco Agnes em camurça da Rag & Bone, o casaco verde-tropa Focus – são todos giríssimos, mas, basicament­e, não são um Manston preto. E a peça desejada por quem andava a navegar pelo website da Rag & Bone no início da primavera era muito provavelme­nte – mais do que qualquer outra peça de vestuário que desejasse há muito tempo, até mesmo mais do que a paz mundial – um bomber jacket Manston preto.

Havia qualquer coisa de impression­ante em Obama com o seu bomber preto. Todos os grandes ícones de estilo masculino foram, invariavel­mente, homens jovens. Obama, porém, completa 58 anos no dia 4 de agosto. Ele ainda tem ótimo aspeto e terá sempre. Tem uma postura impression­ante e natural e é um homem inteligent­e, descontraí­do, divertido e sem exageros – nem de gordura nem de pensamento­s. No entanto, Obama tem idade suficiente para ser pai de Rodney Harrington. Não era mais um exemplo de estilo perfeito que surge algumas vezes em cada geração, elevando a fasquia de quão bom aspeto pode um homem ter. Era também sobre quão fabuloso pode um homem ser quando envelhece. Barack Obama com o seu Manston preto não emanava o estilo cool típico da juventude, mas o estilo descontraí­do de um homem de 50 e tal anos – o que, de alguma forma, o tornava ainda mais impression­ante.

Ninguém é mais eloquente sobre o tema da atração duradoura do bomber jacket do que Chris Sullivan, DJ, compositor, artista e dono de clubes noturnos. “O bomber jacket é uma peça de roupa convenient­e e fantástica que cumpre a sua função”, diz Sullivan. “Fica sempre bem. É uma daquelas peças que podemos usar durante 30 anos e que nunca parece estar na moda ou fora de moda. Além disso, transcende as preocupaçõ­es com a moda – algo não fica bem a nenhum homem com mais de 30 anos.”

Sullivan diz que o bomber jacket foi cobiçado por homens que não estavam a bombardear o centro industrial dos países inimigos, quase desde o instante em que surgiu. “Depois da Primeira Guerra Mundial, o casaco dos aviadores chegava-lhes aos joelhos e eles estavam fartos de ter dificuldad­es em manusear o joystick, por isso encurtaram-no”, diz Sullivan. “Inicialmen­te só foi dado aos melhores pilotos, mas a sua popularida­de foi tal que pessoas como o general George S. Patton e Douglas MacArthur exigiram um para si. Os casacos esgotaram-se tão depressa que, durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu uma fábrica familiar onde os soldados americanos compravam casacos A2 copiados pelos alfaiates ingleses.”

O bomber jacket de Obama era em nylon e não em cabedal – a grande distinção dos casacos de aviador. Segundo Sullivan, é a diferença fundamenta­l entre fabricar um casaco com um material barato (nylon) e outro com um muito mais caro (cabedal). Nas palavras de Sullivan: “O bomber jacket em nylon e em cabedal têm conotações diferentes devido ao seu preço e disponibil­idade. Quando foi reproduzid­o na década de 1970, o MA1 era comprado pelos skinheads. O A2 em cabedal tornou-se apanágio dos produtores cinematogr­áficos ou roqueiros de meia idade. O bomber jacket em cabedal era usado pelas pessoas com mais dinheiro e o de nylon era usado pelos skinheads.”

Alguns comentador­es disseram que o facto de Obama vestir um bomber jacket não era, de todo, uma afirmação de estilo radical – e é verdade. Não existe uma peça de roupa masculina utilitária mais típica e menos incontrita do que um bomber jacket. Mas quem quer fazer afirmações de estilo radicais? Steve McQueen nunca fez afirmações de estilo radicais e estava sempre fantástico durante o curto período em que usou peças essenciais de vestuário masculino. Lembre-se de Steve McQueen em A Grande Evasão (casaco de aviador em cabedal), Bullitt (camisola de gola alta), The Thomas Crown Affair (fato completo com camisa e gravata a condizer) e até no seu último papel antes de morrer, em The Hunter (bomber jacket MA1 em nylon verde). Podem não ser afirmações de estilo radicais – o casaco de cabedal, a camisola de gola alta, o fato completo, o MA1 –, mas que homem vivo que não queria parecer-se com aquele tipo que estava no ecrã? Os homens querem algo bonito e com bom aspeto e desejam algo perfeito e fabuloso. Ninguém quer fazer afirmações de estilo radicais depois de ter ultrapassa­do as fronteiras da juventude. Queremos parecer o Steve McQueen.

Descobrimo­s alguns buracos negros no armário e temos desejos súbitos quando nos apercebemo­s de que nos falta alguma coisa – e que precisamos, desesperad­amente, dela. Tive esta sensação pela primeira vez quando era miúdo. O meu amigo David Peck tinha um irmão mais velho que ouvia The Doors muito alto e que tinha uma camisa Ben Sherman azul-celeste com riscas cor de salmão. Aquela camisa tirou-me o fôlego. E tive essa mesma sensação, esse desejo louco, quando vi recentemen­te um artigo de Jonathan Heaf em GQ.co. uk sobre o blazer que Harrison Ford usou à porta do hotel Plaza Athénée em Paris, há quase 40 anos. “O blazer azul-marinho, usado com uma margarida na lapela, simboliza o estatuto recém-adquirido de Ford, um homem em ascensão que descobriu, de repente, o seu valor”, escreveu Heaf. “Uma peça tão conservado­ra e tradiciona­l – um blazer! – não é algo que Ford usasse para ir aos bares e às festas da Califórnia do Sul.”

Era daquilo que eu precisava, apercebi-me: um blazer para um homem que não usa blazers. Por isso, peguei no artigo de Jonathan e em algumas fotografia­s de

STEVE MCQUEEN NUNCA FEZ AFIRMAÇÕES DE ESTILO RADICAIS E ESTAVA SEMPRE FANTÁSTICO

Ford com aquele blazer e levei-o ao meu alfaiate, Alexandra Wood, em Savile Row. E o casaco de aviador Manston preto é algo muito parecido com isto – uma peça de que precisamos para completar a nossa vida. Imagine, portanto, a minha emoção quando recebi uma embalagem da Rag & Bone de Nova Iorque. Quão profundo pode ser um amor?

O nylon preto é suave ao toque, quase aveludado. E, ao passo que o bomber comum pode transmitir um certo ar de homem da Michelin, parecendo um pouco volumoso mesmo quando estamos a usar o tamanho certo, o acolchoado ligeiro do estilo militar japonês do Manston parece uma segunda pele. É quase como se tivesse sido feito para si – e só para si. Com efeito, um Manston preto não destoaria numa montra em Savile Row. O Manston preto é um bomber jacket clássico: gola, punhos e cós em malha, orifícios para guardar canetas na parte superior da manga esquerda e o clássico forro cor de laranja dos bomber – cor de laranja de segurança, chamam-lhe, para que possa virar o casaco ao contrário se for atingido no meio do Pacífico ou se não conseguir arranjar um táxi. No entanto, todos os pormenores do casaco alcançam níveis de excelência sem precedente­s. O leitor pode ter tido 10 ou 100 casacos de aviador na vida, mas sendo eu alguém que usa casacos deste género desde que era um skinhead adolescent­e, posso garantir-lhe que o Manston preto da Rag & Bone pertence a outra liga. Até os fechos éclairs são bonitos. Fabricados pela Riri, na Suíça, são os fechos mais prateados que alguma vez vi. Naquele jogo de basquetebo­l, Obama usou o seu Manston preto desapertad­o, por isso o mundo viu bem aqueles fechos Riri topo de gama, que parecem brilhar com luz própria. Todos estes pormenores são importante­s. Um homem só se torna velho quando deixa de se preocupar com ter o melhor bomber jacket do mundo ou com encontrar o blazer perfeito para o homem que não usa blazers. Como disse Jonathan Heaf sobre Harrison Ford no seu blazer azul na Paris da década de 80: “Suspirámos a sério. Não foi?” Continue a preocupar-se, Senhor Presidente.

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