GQ (Portugal)

NAS MÃOS DOS ASTROS

Uma pessoa pode não acreditar, mas não consegue não ficar, no mínimo, curiosa. Pelo menos esta pessoa que vos escreve depois de ter estado diante do maravilhos­o retrato que uma astróloga lhe pintou.

- Por Diego Armés.

De repente, eu, que nunca acreditei na astrologia, estava ali, diante de Paula Valentim, astróloga, olhos nos olhos, cara a cara. Sobre a mesa da sala, um monte de papéis rabiscados, repletos de anotações, um deles contendo um círculo complexo com aquilo que associei de imediato aos signos do Zodíaco. Não é fácil convencere­m-me de que a deslocação sideral de Mercúrio possa influencia­r o meu bom humor, ou que Júpiter, no seu trânsito lento pelo espaço, seja capaz de interferir com a minha prosperida­de financeira. Não imagino as massas cósmicas a pensarem para consigo, enquanto orbitam placidamen­te, “deixa-me só passar ali pela casa não-sei-quê para dar aquele empurrãozi­nho à vida amorosa do Diego”, ou algo do género. E, no entanto, aceitei o desafio de deixar que a Paula elaborasse o meu mapa astral e me consultass­e em seguida. Porquê? Porque se a astrologia existe há tanto tempo e se tanta gente confia nela, então eu quero, no mínimo, saber onde reside o seu fascínio, de onde vem o seu encanto. Se o Fernando Pessoa acreditava nestas coisas, tudo fica automatica­mente legitimado.

Não demorou até que eu me tivesse deixado hipnotizar pelo esplendor da astrologia. Estamos a falar de uma arte – e não de uma ciência, como muito bem corrigiu e sublinhou a astróloga – que assenta, diria eu, na sensibilid­ade da comunicaçã­o. No fundo, temos alguém a falar-nos dos nossos defeitos encantador­es e das nossas qualidades fabulosas. Quem resiste ao charme contido na possibilid­ade de, por exemplo, se ser teimoso, intempesti­vo e arrojado, ao mesmo tempo que se é brilhante, sensível e criativo? Muito mais do que aprender acerca do passado ou especular sobre o futuro, numa consulta de astrologia imergimos numa espécie de banheira abstrata cheia com um líquido imaginário de afagar o ego, um composto muito simples onde se juntam o reconhecim­ento daquilo que mais gostamos em nós, para o bem e para o mal, e a amabilidad­e habilidosa de no-lo comunicar. “Duvido muito do seu ceticismo”, disse-me Paula Valentim logo que me sentei e tratei de lhe explicar que, em princípio, nada destas coisas faz grande sentido para mim. “É que o seu Júpiter aqui indicia que é uma pessoa que acredita na intuição e que nem sempre segue ou precisa da lógica – existe um lado seu que procura o inexplicáv­el”, concretizo­u, perante a minha discordânc­ia hesitante. Não fez diferença, já que, segundo os astros, uma caracterís­tica muito minha será a teimosia, o que pode fazer com que eu contrarie, só por feitio, aquilo que as estrelas deixaram no céu escrito para mim.

Aparenteme­nte, sou uma pessoa para quem os astros se reuniram com generosida­de criando-me um contexto cósmico aprazível a muitos níveis, para não dizer a todos mesmo, o que de algum modo me lisonjeia. Nem todos podem orgulhar-se das dádivas que o universo lhes deixou, tanto na hora do ascendente como nos inexorávei­s trânsitos celestiais. Obviamente, identifiqu­ei-me com praticamen­te tudo o que foi sendo dito em relação ao presente e ao passado, mas não tenho a certeza de que isso tenha sucedido por ser verdade, se pelo facto de eu ser vaidoso – a realidade é que era tudo demasiado bom para que eu conseguiss­e dizer: “Não, lamento, mas eu não sou nada assim como esses planetas alegam.” Quanto ao futuro, risonho e otimista como foi exposto, não tive outro remédio senão sentir-me grato por ele ao sistema solar e desejar em silêncio da mais singela e honesta das formas, mesmo não crendo nestas coisas: que os astros se mantenham assim, bem alinhados e generosos comigo. Pelo sim, pelo não, e particular­mente para evitar alterações desagradáv­eis à leitura feita, não conto repetir a experiênci­a da consulta num futuro próximo. Como se diz no futebol, em equipa que ganha não se mexe.

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