QUILÓMETROS DE HISTÓRIAS

Histórias fantásticas. Pode não ser o motivo unânime que os move, mas todos os caminhantes as recordam. “Quando fiz o caminho francês pela primeira vez, encontrei o texano James que, ou foi diplomata nos EUA, ou foi agente da CIA, sei lá eu o quê [risos]!”, conta-nos José. “Era um homem fantástico. O James tinha 84 anos, mas tinha uma grande motivação: vinha para agradecer a Deus – give thanks to God!

– os 60 anos que tinha vivido com a mulher e que tinha morrido no ano anterior. O James saiu, como eu, de Saint-Jean-Pied-de-Port. Eram 800 km. Os filhos estavam muito aborrecidos com ele por ele se meter naquilo. Mas ele foi e chegou a Santiago.” Um outro americano, a quarta nacionalidade mais recorrente entre os peregrinos de Santiago, surpreendeu Mafalda no caminho: “Ele já tinha 70 e tal anos e estava a fazer o caminho sozinho. Ia para Santiago, depois ia voltar de camioneta ao Porto para ir buscar um amigo que vinha dos Estados Unidos e ia voltar a fazer o caminho a partir de lá, com ele. Tudo na mesma semana!”

A mais surpreendente, no entanto, talvez seja a de Hubert, um peregrino cego de 82 anos que José encontrou. Via Facebook, partilhou a história deste caminhante. “Saiu de casa há vários meses, de uma aldeia francesa da Haute Savoie, perto da fronteira com a Suíça, e está quase a chegar a Santiago de Compostela. Cegou há um ano, dias depois da morte da mulher. Passados meses meteu-se ao caminho. Não foi fé, nem esperança de que algum milagre lhe devolvesse o que havia perdido. Foi assim, sem mais. ‘Quando ela morreu nos meus braços, ainda não estava totalmente cego, exclamei: Compostela!’, conta Hubert. Depois foram meses de preparação e de aprendizagem da cegueira. Muitos amigos ajudaram.” Lê-se ainda: “Lidie e Isabelle são agora os olhos que o levarão ao destino. À razão de 12 km por dia, chegará exatamente um ano depois da morte da mulher. Porquê tudo isto Hubert? ‘Para perceber que vale a pena viver e que podemos fazer coisas que julgávamos impossíveis.’”