ESTADOS DE CONSCIÊNCIA ALTERADOS
O que acontece ao nosso bem mais precioso após anos de excessos, legais e ilegais? Quer as más notícias ou as más notícias?
Quando até Liam Gallagher recusa uma linha de coca, talvez seja altura de nós, aqueles que não são semideuses do rock da sua geração, pararmos para pensar… e não, não estamos a dizer isto numa de “não sei em que década vocês estão, malta, mas isto não são os Anos 90”, como disse o cantor numa entrevista quanto lhe perguntaram como respondia a ofertas de bebidas ou drogas por parte dos fãs.
No entanto, se escolhermos ir diretamente para os nossos trintas ou quarentas depois de termos passado mais de uma década a fumar, a snifar ou a entorpecermo-nos com tudo o que nos passar pela frente, que danos causámos a nós próprios, mesmo que sejamos apenas consumidores moderados? Embora o nosso corpo nos transmita sinais muito claros de abrandamento devido ao hedonismo à medida que envelhecemos, o cérebro e a saúde mental são um pouco mais tímidos a mostrar as consequências a longo prazo daqueles momentos bem passados.
“Temos de nos lembrar de que a grande maioria dos consumidores de drogas não são viciados”, afirma o Dr. John Turner do Grupo de Investigação sobre Drogas e Comportamentos Aditivos da Faculdade de Psicologia da Universidade de East London. “Contudo, os efeitos mentais do uso excessivo de álcool e drogas recreativas ao longo dos seus vintes e trintas pode ter repercussões graves.” Neste artigo, Turner explica-nos os efeitos, a longo prazo, dos vícios da vida.
ÁLCOOL
A maioria dos estudos sobre os efeitos do álcool na saúde mental tem incidido sobre os viciados. No entanto, uma investigação publicada no British Medical Journal, em 2017, está a mudar o jogo. Um estudo realizado pela Universidade de Oxford examinou grupos de consumidores de álcool britânicos ao longo de um período de 30 anos, salientando alterações cerebrais negativas e problemas cognitivos (sobretudo nos homens do grupo de teste), com as questões mais significativas a afetarem aqueles que consomem 30 ou mais unidades por semana – cerca de três garrafas de vinho. Segundo Turner: “Este estudo mostra que existem alterações até nas pessoas que consomem 14 a 21 unidades por semana. A estrutura mais vulnerável parece ser o hipocampo, que faz parte dos sistemas da memória e é uma estrutura por trás de muitos dos sintomas observáveis na demência”.
A outra conclusão é que a demência poderá ser mais comum nas pessoas que consomem muito álcool – em vez de nos alcoólicos – do que se pensava anteriormente, com os primeiros sintomas de demência a manifestarem-se na casa dos 30 e dos 40 anos. Resumindo: aquela garrafa de vinho que você bebe depois do trabalho para “acalmar o stress” poderá causar outros efeitos para além da dor de cabeça do dia seguinte.
O QUE PODE, ENTÃO, FAZER AGORA
“Em primeiro lugar é importante ter a certeza de que não existem outras coisas por trás de quaisquer problemas por isso deve visitar um médico e se possível fazer um check up completo” explica Turner “Problemas de nutrição privação de sono stress e depressão são tudo coisas que contribuem para uma má memória por exemplo Poderá querer procurar ajuda profissional para resolver estes problemas” “O passo seguinte é limitar a exposição a substâncias possivelmente tóxicas que poderão estar a piorar a situação Isto pode implicar desistir ou reduzir seriamente o consumo de álcool em particular As drogas à medida que envelhecemos tornamse evidentemente imprestáveis”
No entanto existem boas notícias para a saúde cerebral nomeadamente a neuroplasticidade a capacidade dos tecidos cerebrais de recuperarem de danos Investigações envolvendo treino cerebral revelaram que exercícios de memória relativamente simples como aprender listas de palavras podem causar melhorias numa variedade de pessoas de doentes com danos cerebrais a adultos de idade mais avançada e pessoas com esquizofrenia ou hiperatividade e défice de atenção
Mantermos o cérebro ativo estimulado e desafiado é essencial à medida que envelhecemos sobretudo se não o tivermos tratado com o respeito que ele merece Investir numa dieta e num sono de qualidade também ajuda mas o fundamental é manter a matéria cinzenta a funcionar
“De momento não existem investigações do género específicas com consumidores de droga e de álcool” diz Turner “mas o estudo da neuroplasticidade ensinounos que podemos melhorar a função cerebral através da aprendizagem do estímulo e de novas experiências”
COCAÍNA
Os efeitos quase instantâneos da cocaína no organismo são transparentes mas aquelas conversas profundas e destituídas de significado que duram a noite inteira não são nada comparadas com aquilo que o consumo a longo prazo pode fazer a uma parte do cérebro “Não existem provas de que o consumo de cocaína cause danos ao sistema nervoso central a longo prazo mas pode alterar a forma como as vias de recompensa funcionam no cérebro” diz Turner
As provas indicam que o consumo de cocaína a longo prazo pode causar alterações permanentes nessas vias fazendo com que mesmo anos após a cessação do consumo a droga continue a parecer atraente “Pode tornarse um ciclo contínuo de obsessão” diz Turner Além disso a sua capacidade de concentração também pode ser afetada “Um estudo mostrou imagens da droga a antigos viciados enquanto estes desempenhavam uma tarefa” relatou Turner “Por isso se mostrarmos literalmente uma fotografia de pó de talco a um antigo viciado em cocaína enquanto ele desempenha uma tarefa ele ficará muito mais distraído do que alguém que nunca foi viciado As imagens são suficientes para aquelas vias alteradas voltarem a vir ao de cima”
CANÁBIS
“A questão mais importante da canábis é a idade com que começou a consumila” diz Turner “Um estudo realizado na Suécia examinou dados de recrutas das forças armadas com anos incluindo registos da sua saúde mental e historial de consumo de drogas e depois acompanhouos ao longo de anos Os investigadores concluíram que os homens que fumaram canábis antes dos anos tinham sete vezes mais probabilidades de evidenciar sintomas de esquizofrenia manifestados através de indícios de psicose pensamentos delirantes e paranoia excessiva”
A ciência é intrigante O nosso cérebro contém endocanabinoides neurotransmissores que coordenam e regulam o cérebro controlam a dor e afetam o apetite e o prazer que a canábis copia e com os quais interfere Essencialmente a canábis interfere com a planta do nosso cérebro
“Se tiver começado a fumar bastante canábis aos anos ou antes será muito mais provável que sinta resultados negativos na saúde do que se tivesse começado aos ou aos ” afirma Turner Por isso se você era aquele tipo que faltava à aula de Matemática para ouvir o seu CD riscado de Cypress Hill é bom que comece a pensar em largar a erva de uma vez por todas
MDMA
“É improvável que conheça alguém que consuma MDMA e que nunca tenha tocado em cocaína cerveja ou canábis” diz Turner Como tal tornase confuso saber exatamente qual é a droga responsável por fazer o quê ao cérebro e ao corpo “Sabemos que expor o cérebro a níveis elevados de estimulantes produz algum tipo de disfunção” diz Turner “Danos cerebrais é um termo tóxico prefiro reorganização cerebral mas a longo prazo isto pode desencadear uma série de problemas incluindo depressão e ansiedade”
Embora a história de que temos quantidades finitas de serotonina nos cérebros que podemos queimar até não nos restar nenhuma não seja verdadeira Turner explica que pode ocorrer um efeito de “poda”
“Cada célula cerebral tem uma série de ramificações que a liga a todas as outras células essas ramificações chamamse dendrites” acrescenta “O MDMA pode reduzir a densidade das dendrites tal como a poda de um arbusto Embora seja verdade que os ramos voltam a crescer se estivermos constantemente a aparálos isso não acontecerá”