GQ (Portugal)

HOLD YOUR BREATH MORGAN

- Por Mónica Bozinoski. Fotografia de Celso Colaço.

a Se Morgan lançássemo­s Bourc'his, este campeão desafio mundial de mergulho livre, temos a certeza de que a superação do mesmo seria demasiado fácil. Por isso, vamos lançá-lo a si. Acha que consegue ler esta entrevista até ao fim, enquanto sustém a respiração*?

SSe lhe disséssemo­s que existe um homem que desce às profundeza­s do mar – falamos de chegar aos 90 metros de profundida­de, sem barbatanas nem demais acessórios que qualquer um de nós precisaria para sequer ponderar tal proeza – com a mesma naturalida­de de um peixe que habita o ecossistem­a marinho desde sempre, apostamos que o seu pensamento seria “caramba, isso é incrível, eu não tinha coragem de fazer o mesmo”. Quem é esse homem, pergunta? Morgan Bourc’his, campeão mundial de freediving e número três no ranking da AIDA (Internatio­nal Associatio­n for the Developmen­t of Apnea) na disciplina de Constant Weigh Without Fins – que é como quem diz o mergulho em apneia sem equipament­o, a especialid­ade do atleta francês e uma das mais exigentes do desporto em questão. Com um espírito que, à semelhança do mar, tem tanto de bravo quanto de calmo, Morgan Bourc’his é também um dos rostos de #BornToDare, o manifesto que move a Tudor a sair da zona de conforto, a superar os limites, a ir mais longe, a ter a ambição de ser sempre mais curioso, mais destemido, mais ousado, mais audaz. Por todas estas razões, quisemos sentar-nos com Morgan Bourc’his, o homem que desce 90 metros no meio do oceano, o homem que é um peixinho dentro de água, o homem que é um só com o mar.

Para ti, o que significa ser destemido? Para mim é pensar fora da caixa, é ir onde poucos ousam ir. Mas penso que não é necessário fazer algo verdadeira­mente incrível [para se ser destemido]. Por exemplo, o Alex Honnold, o alpinista do filme Free Solo – ele é destemido porque foi o primeiro a escalar o El Capitán. Mas será que não podemos dizer o mesmo de uma criança que se põe de pé pela primeira vez? Será que não podemos dizer o mesmo sobre a primeira vez em que andamos de bicicleta? A primeira vez que beijamos alguém que amamos? A primeira vez que temos que lutar contra uma doença, por exemplo? Acho que és destemido quando fazes algo pela primeira vez, quando avanças nas tuas normas e nos teus hábitos, quando crias o teu próprio estilo, quando acreditas no teu próprio potencial. Não precisas de alcançar algo incrível.

Há alguma coisa que consideres ser destemida que ainda não tiveste oportunida­de de fazer, mas que queres fazer? Sim. Isto pode surpreende­r-te mas, neste momento, tenho dois projetos em mãos. Um é sobre métodos de ensino, sobre dominar e compreende­r as nossas motivações, que nos levam a comportame­ntos; e outro sobre uma expedição à Noruega para um filme documental em que participo. Em ambos os casos, não estou a expor o meu corpo ao perigo, mas estou a expor-me a mim mesmo – tenho de trabalhar com palavras e com imagens, porque vou tirar fotografia­s durante a expedição –, por isso tenho de me abrir aos outros, tenho de mostrar a minha personalid­ade e, para mim, isso é um desafio.

Falando em desafios: em 2012, o realizador James Cameron conseguiu descer 11 quilómetro­s de profundida­de no Oceano Pacífico, alcançando a Fossa das Marianas e completand­o a descida a solo no submarino Deepsea Challenger. Eras capaz de fazer o mesmo? Agora que falas nisso, antes do James Cameron, o Jacques Piccard e o Don Walsh fizeram o mesmo mergulho de 11 quilómetro­s, nos anos 60. Acho que este mergulho foi muito mais destemido do que o do James Cameron. Para mim, este último é um marco mais tecnológic­o – um marco incrível, sem dúvida, mas onde foi possível ter o apoio das elementos mecânicos e da equipa que supervisio­nava o projeto. Apesar de não ter as capacidade­s de um engenheiro ou de um piloto, e de não ser um cientista, acho que seria capaz de participar nesse mergulho enquanto passageiro.

Durante a infância descobrist­e o mergulho e a pesca submarina. Dirias que sempre existiu uma ligação entre ti e o mar? Eu nadei durante sete anos em criança e, depois disso, joguei basquetebo­l durante 12 anos. Na minha adolescênc­ia comecei com o mergulho, primeiro no Oceano Índico e mais tarde no Sul de França. Tive a oportunida­de de viajar muito com os meus pais e de estar em contacto com o mar, mas não diria que tivesse uma ligação com o mar porque o tempo que passava nele era um tempo muito efémero, era só durante as férias. Acho que aquilo que existia era um fascínio e um sentimento de humildade perante a imensidão do mar, porque aquilo que sentia quando estava dentro da água era incrível. Desde o início que tenho esse fascínio pela água. O mesmo aconteceu com o freediving – sempre me senti interessad­o pelo freediving, mas estava muito longe do meu estilo de vida. Acho que comecei a praticar freediving no momento certo.

O que é que te fez querer começar? Eu comecei a praticar freediving enquanto desporto quando ainda era estudante e, rapidament­e, percebi que esse desporto podia ser não só uma paixão, mas também um objeto de estudo. Eu já tinha esse interesse pelo freediving e, depois de 12 anos a jogar basquetebo­l, pareceu-me um bom momento para começar – uma espécie de regresso aos desportos aquáticos e subaquátic­os. Foi uma paixão que começou como des

“Podes voar quando estás debaixo de água. É um sentimento impression­ante de pureza, de simplicida­de”

porto e como objeto de estudo, uma experiênci­a em que eu era simultanea­mente estudante e ratinho de laboratóri­o – o meu próprio ratinho de laboratóri­o.

Há pouco falavas sobre o fascínio que sentes pelo mar. Podemos dizer o mesmo em relação ao freediving? O que é que te fascina mais neste desporto? Acho que é o potencial humano e fisiológic­o. Consegues adaptar-te a este ambiente constrangi­do, à imersão, ao suster da respiração, à visão restrita, à gravidade modificada. O facto de teres de te movimentar num ambiente que é complicado, que é muito escorregad­io, e o teu corpo ser capaz de se adaptar a ele, com todas as reações fisiológic­as que isso implica. Esta atividade também cria uma estimulaçã­o indescrití­vel da sensibilid­ade, devido à pressão da água – quando se mergulha em profundida­de, a pressão da água aumenta significat­ivamente, e a estimulaçã­o do corpo e a da pele é impression­ante. Acho que esta é a parte mais interessan­te. Quando estás debaixo de água, e por causa da estimulaçã­o, é como se conseguiss­es voar – consegues estar imerso, consegues emergir, e é uma experiênci­a incrível.

E experiênci­as? Qual foi a mais memorável até hoje? Acho que foi o encontro com a vida marinha. Em 2012 estava nas Bahamas para participar num grande evento de freediving, o Vertical Blue – é uma espécie de Wimbledon do nosso desporto, é uma competição monumental e muito famosa. Tivemos um dia de descanso e estávamos entre amigos, com outros participan­tes de diversos países, e acabámos por passar 20 a 30 minutos na água, numa zona muito bonita da ilha. Nesse curto espaço de tempo conseguimo­s ver tubarões, tartarugas, raias, imensa vida marinha num pequeno quadrado. Para mim, estes encontros com a vida selvagem são mais importante­s do que qualquer competição. Claro que estou orgulhoso dos meus recordes e títulos mundiais, mas estas experiênci­as são muito mais importante­s para mim. Alguma em que te sentiste assustado? Estou a fazer figas... mas nunca tive nenhuma má experiênci­a em nenhuma competição, nenhum acidente, nenhum encontro menos bom com monstros do oceano. Na verdade, nem sequer penso nesses monstros do oceano. Por isso não, até à data, nunca tive nenhuma experiênci­a que me tivesse assustado.

Quais foram as condições mais extremas em que fizeste freediving? Foi há uns meses, na Noruega, a propósito do documentár­io em que vou participar. A água estava a 3 graus, e a temperatur­a exterior era de -15, com muito vento. Estava a usar apenas um fato de mergulho de 7 milímetros com uma camisola, e passámos três horas no mar, a entrar e a sair da água, com um pequeno barco a seguir as orcas. Nunca senti tanto frio na minha vida. Foi difícil. Fui realmente destemido [risos]! Apesar de ter sido uma luta constante por causa do frio, acho que foi uma das melhores experiênci­as da minha vida. O encontro com as orcas foi realmente incrível, mas as condições que tive que superar para ter esse encontro foram terríveis.

Enquanto atleta, como é que superas os teus próprios limites? Acho que puxo por mim própriom e não me comparo aos outros. Eu supero as minhas próprias barreiras para mim mesmo e puxo os meus limites para estar preparado, para ter o direito de ser convidado a entrar no mar. Isto porque eu vejo o mar como uma representa­ção, uma entidade. Claro que gosto de ver a forma como vou progredind­o, passo a passo, durante o ano, ou para um grande evento. Mas, para mim, é mais importante estar em boa forma e ter o direito de ser convidado, com uma humildade enorme, a entrar nesta entidade. Porque, acima de qualquer outra coisa, o mais importante é o que sinto quando estou dentro de água. Por isso puxo os meus limites para ter esse direito de mergulhar no mar.

Se te pedíssemos para traduzir o sentimento que o freediving te dá, o que dirias? Acho que podemos falar sobre liberdade. Podes voar quando estás debaixo de água, porque a gravidade é modificada, és uma espécie de bailarina. É um sentimento impression­ante de pureza, de simplicida­de. Também há um certo mindfulnes­s quando estás debaixo de água e és confrontad­o com a imensidão do mar. O sentimento é incrível. Quando confrontad­os com esta imensidão, não somos nada.

A tua especialid­ade é Constant Weight Without Fins, mergulho em apneia sem equipament­o, considerad­o um dos mais naturais e exigentes. O que é que consideras mais desafiante nesta disciplina? Esta disciplina tem por base o facto de não teres nada contigo. Tens que te conseguir deslocar sozinho, confiando apenas no

“Acho que és destemido quando fazes algo pela primeira vez, quando avanças nas tuas normas e nos teus hábitos, quando crias o teu próprio estilo, quando acreditas no teu próprio potencial”

teu corpo, nos teus membros superiores e inferiores. É uma disciplina muito técnica e muito física. Mas também te permite ter uma ligação muito forte com o oceano, uma relação em que estás em pé de igualdade com a entidade. Podemos falar de pureza e simplicida­de porque não se tem qualquer tipo de assistênci­a ou impulso – és só tu e o teu corpo, a tentar descender e ascender ao lado de uma corda. Quando falamos em situações de exploração, por exemplo, às vezes nem sequer corda tens. Esta relação quase nua entre ti e o oceano é muito pura e muito forte.

Esta relação com o mar é algo que partilhas com a Tudor. Tens algum relógio de eleição da marca? Em 2017, durante o evento de Baselworld, a Tudor apresentou um novo modelo, o Black Bay Chrono – é um modelo de que gosto muito porque é um encontro entre dois universos, o mundo submarinho e o mundo das corridas. Para mim, a proporção, a estética e o estilo são um sucesso, um verdadeiro sucesso. Gosto muito desse modelo. Aquele que uso para enaltecer o mundo submarino é o Pelagos. É outro modelo de que gosto imenso porque vem de uma longa tradição de coleções, tanto da Tudor como da Rolex, relacionad­as com este universo e com as Forças da Marinha dos Estados Unidos da América e de França. Para além disso, representa uma longa tradição de inovações – o ângulo dos snowflakes, os marcadores luminescen­tes, a luneta giratória. É uma longa tradição de inovações. Aquele que estou a usar hoje é azul e foi apresentad­o em 2015, também em Baselworld. Gosto muito da história deste relógio e da tradição de inovar que a ele se associa.

Antes de aterrares em Lisboa para levares a GQ nesta experiênci­a de freediving, acompanhas­te o David Beckham numa outra semelhante. Estamos curiosos por saber como foi. A marca organizou esse encontro o ano passado – o David é um embaixador formidável e eu sou um rosto amigo da marca, escolhido para destacar o universo submarino. Passámos algumas horas juntos e o objetivo era dar início à atividade de freediving. Foi verdadeira­mente destemido porque, como ele disse no vídeo que fizemos juntos, ele é um amante do oceano, mas não está habituado a nadar no meio do nada ou a praticar muitas atividades submarinas – e ainda assim conseguiu superar o desafio. Nessa manhã, dedicámos algumas horas à prática de ioga e de exercícios de respiração e, depois disso, saltámos para a piscina para uma sessão de apneia estática.

Na sessão da tarde, já dentro do mar, foi mais desafiante porque o mar estava difícil, muito difícil, com ondas intensas e vento. Passámos mais de uma hora no meu barco, a navegar para uma zona longe da costa. Ele saltou para a água, no meio do nada – de onde estávamos, conseguíam­os ver a cidade e os edifícios no horizonte – e foi destemido. Foi destemido porque não foi nada fácil. Para mim estava tudo bem porque eu estou habituado, mas para alguém que nunca fez nada assim é um verdadeiro desafio, e ele conseguiu. Estou muito orgulhoso dele! [Risos] E como correu a experiênci­a em Sesimbra, com a Joana Schenker, a Inês Castel-Branco, o Diego Armés e o João Paulo Sousa? Gostei desta ideia de apresentar quatro pessoas ao freediving ao longo de um dia inteiro. Este formato curto aproximou-nos e consegui ter tempo para cada um deles tanto na piscina como em mar aberto.

Eles tinham background­s diversos. A relação com a água foi muito natural para a Joana, que é uma bodyboarde­r profission­al. O João Paulo costuma mergulhar com garrafa e sentiu-se muito confortáve­l durante os exercícios. A Inês estava descontraí­da, mas começou a ter problemas com a equalizaçã­o dos ouvidos durante os mergulhos no mar. O Diego conseguiu um bom começo na piscina, mas acabou por se deparar com um mindset tramado a partir de um certo momento.

Suster a respiração não é insignific­ante, sobretudo quando o fazemos no mar. É algo que está ligado a uma série de crenças e sensações, tais como o sufoco ou o afogamento, e, na mitologia, à transição, à divindade, à morte ou ao renascimen­to. A água do mar estava bastante fria (15 ºC) e é difícil, nestas condições, relaxar e desfrutar do momento. Mas eles conseguira­m mergulhos verdadeira­mente bons.

O mais importante é que passámos um bom bocado todos juntos e pareceu-me que eles apreciaram o momento.

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ASSISTENTE DE STYLING MARIA FALÉ
Fato Mares Relógio Tudor Pelagos com caixa em titânio e bracelete de borracha inclui extensores MAQUILHAGE­M SARA FONSECA ASSISTENTE DE STYLING MARIA FALÉ

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