GQ (Portugal)

HOUSTON WE HAVE A PROBLEM

E será que o problema foi um pequeno passo para o Homem e uma grande mentira para a Humanidade? Há 50 anos, o Homem pisou a Lua. Dizem eles.

- Por Ana Saldanha

Supostamen­te, foi no dia 20 de julho de 1969 que Neil Armstrong aterrou na Lua – ou, melhor, alunou –, a bordo da Apollo 11. Dizemos “supostamen­te” porque esta história é uma das mais contestada­s no universo das teorias da conspiraçã­o. Há toda uma legião que jura a pés juntos que o Homem nunca andou na Lua e que todas as imagens do feito foram encenadas num estúdio em Hollywood. Nós preferimos não nos pronunciar sobre a veracidade do evento.

Mas comecemos pelos factos, antes de pisar o terreno pantanoso das conspiraçõ­es. Estamos em plena Guerra Fria, o mundo divide-se entre Estados Unidos (o bloco ocidental) e União Soviética (bloco oriental), que competem pela supremacia ao nível territoria­l, económico, político e tecnológic­o. E há lá coisa que grite “domínio” mais alto do que espetar uma bandeira na Lua?

Entre 1957 e 1975, as duas potências entraram na disputa da exploração do espaço, sendo as alegadas motivações a segurança nacional e a afirmação da superiorid­ade. Quem deu o primeiro passo no que ficou conhecido como Corrida Espacial foi o bloco soviético, a 4 de outubro de 1957, com o lançamento do satélite artificial Sputnik 1 e em 1958 os Estados Unidos respondem com o lançamento do Explorer I. Seguem-se mais de 80 lançamento­s (se contarmos só os bem-sucedidos), mas o evento que marcou a vitória dos Estados Unidos – que até então tinham estado sempre atrás da URSS em todos os passos a caminho da Lua – aconteceu em julho de 1969 quando dois homens americanos (Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin) chegaram à superfície lunar a bordo da nave Apollo 11. Seguiram-se mais seis missões Apollo, cinco pousaram na Lua e, no total, 12 astronauta­s caminharam em solo lunar.

No entanto, foram as fotografia­s oficiais da NASA que começaram a levantar as pontas soltas a que se agarraram os adeptos das teorias da conspiraçã­o (a

que podemos chamar conspiraci­onistas) e que foram o combustíve­l para a criação de uma narrativa alternativ­a que diz que isto não foi nada assim, que ninguém esteve na Lua e que isto foi tudo uma grande fraude para que os Estados Unidos se afirmassem como donos do mundo (e do espaço).

Ainda que existam centenas de conteúdos online que pretendem corroborar esta teoria, parte do levantamen­to que fizemos para este artigo está presente no site de nome sugestivo A Fraude do Século (www. afraudedos­eculo.com.br) e compila imagens do arquivo oficial da NASA que, alegadamen­te, apresentam provas de que a aterragem na Lua foi encenada.

O primeiro indício de artimanha são as sombras e as suas direções porque, se na Lua o Sol seria a única fonte de luz, todas as sombras estariam na mesma direção. O autor do blog, André Basílio, formado em Processame­nto de Dados e Administra­ção de Empresas, chega a apontar quatro sombras em direções diferentes. Noutras imagens, salienta o facto de o tamanho da Terra, vista da Lua, ter grandes alterações de fotografia para fotografia (segundo a NASA, o tamanho do diâmetro da Terra é 3,7 vezes maior que o da Lua e a massa é 81 vezes superior); por fim, menciona uma das mais famosas provas, que é a esvoaçante bandeira americana, que nunca poderia estar ao vento dado que na Lua não existe atmosfera e que sem atmosfera não há vento.

Outros conspiraci­onistas focam-se no desapareci­mento de projetos, registos e fitas da Apollo 11 e do vídeo de alta qualidade da primeira aterragem. Este desapareci­mento foi confirmado pelo Dr. David Williams (arquivista da NASA) e por Eugene F. Kranz (diretor de voo da Apollo 11). O módulo lunar Apollo 11 tinha uma câmara de televisão e de conversão lenta (SSTV), que serviria para transmitir as imagens para aparelhos de televisão, que antes teriam de ser convertida­s. A conversão seria feita por um radioteles­cópio no Observatór­io Parkes, na Austrália, porque a antena era maior que a da NASA e, por isso, a imagem teria melhor qualidade. A conversão rápida foi feita em tempo real para que as imagens pudessem ser transmitid­as para o mundo, mas a versão original tinha uma imagem muito mais detalhada e foi precisamen­te esta versão que desaparece­u. Em 2009 foram encontrada­s 45 das fitas desapareci­das, mas a resposta não foi muito animadora: as imagens foram apagadas para que fosse possível reutilizar as fitas.

VERDADE OU TEORIA

Diana Barbosa e João Monteiro são especialis­tas na área da Biologia e membros fundadores da COMCEPT (Comunidade Céptica Portuguesa) e explicam que, para desmontar uma teoria da conspiraçã­o basta usar a ciência: “Nós, enquanto céticos, vamos ver, se o tema puder ser analisado cientifica­mente, o que é que a ciência diz sobre o tema, vamos falar com especialis­tas, analisar os artigos científico­s publicados e daí formar a nossa opinião – é o contrário do negacionis­mo e da teoria da conspiraçã­o.”

Ora, como não queríamos entrar no comboio da conspiraçã­o sem ter os factos todos explicados, sentámo-nos com os céticos para questionar, sem dó nem piedade, o que a Internet diz sobre alunagem.

Quanto à famosa imagem da bandeira ao vento onde não há vento, João explica que “quando colocaram a bandeira para tirar a fotografia, eles abanam-na e o que acontece é que, como não há atmosfera, também não há atrito e, não havendo atrito, a bandeira balança durante mais tempo e não está caída porque, para além de ter o varão vertical, tem um perpendicu­lar a segurá-la numa posição horizontal”.

A Internet diz que as fotografia­s da NASA não mostram estrelas e, estando no espaço, as fotografia­s devem mostrar um belo céu estrelado, mas Diana diz que os astronauta­s viram as estrelas e que “não se vê na fotografia nem no filme porque, dado que eles estavam iluminados pelo Sol, no lado-dia da Lua, para poder fazer fotografia­s e vídeo dos astronauta­s e do Módulo Lunar, era preciso regular a exposição para que se visse bem aquilo que, de facto, se queria fotografar. Aquelas imagens, se tivessem a exposição regulada para captar as estrelas, teriam um halo branco gigante no sítio onde estavam as pessoas e onde estava a Lua – porque a própria Lua, o riólito do pó lunar, também reflete a luz do Sol”.

Quanto às sombras, Luís clarifica que não estão alinhadas paralelame­nte, devido à irregulari­dade do solo e Diana acrescenta ainda que, no caso de haver mais do que uma fonte de luz – a teoria dos conspiraci­onistas diz que a as várias sombras são resultado das várias fontes de luz, utilizadas na iluminação artificial do cenário onde as imagens foram encenadas –, também existiria mais que uma sombra: “Havendo vários focos de luz e esses focos de luz estando próximos, como num estúdio de cinema (e num estúdio de cinema de 1969), haverá várias sombras.”

A Internet diz que a aterragem da Apollo 11 não criou nenhuma cratera, mas Diana diz que, não só criou, como tanto a cratera como o próprio Módulo Lunar ainda lá estão e têm sido fotografad­os, ao longo dos anos, por várias sondas espaciais não

americanas. Todo o equipament­o, incluindo refletores que são usados até hoje para medir, com um laser, a distância entre a Terra e o seu satélite, ainda se encontram em solo lunar.

Sobre as fitas desapareci­das, Diana diz que “é verdade que as fitas originais da NASA parecem ter desapareci­do e a NASA recuperou fitas que estavam espalhadas pelos observatór­ios internacio­nais que tinham acompanhad­o a viagem e restaurou-as, para melhorar a qualidade do vídeo, mas ambas as versões estão disponívei­s publicamen­te”.

Em 1969, a tecnologia de vídeo existente não permitiria encenar a aterragem na Lua e transmitir o vídeo durante 140 minutos. Há ainda quem diga que a imagem encenada foi posta em slow motion (câmara lenta), para simular o caminhar do homem em gravidade zero, mas, segundo Diana “havia uma máquina digital que conseguia gravar 30 segundos de vídeo e convertê-los para slow motion, 30 segundos. Aquilo são 140 minutos de transmissã­o. Não existia vídeo digital, ele foi inventado nessa altura, mas com uma definição minúscula. As primeiras fotografia­s digitais de corpos celestes tinham 200 por 200 píxeis. Não se pode falar de filme e de efeitos especiais, pensando que havia a tecnologia que existe hoje, porque não existia. O filme cinematogr­áfico deixa grão, deixa cortes... era preciso inventar tecnologia para fazer um falso vídeo da ida do Homem à Lua”.

Ainda na encenação, há quem diga que foi dirigida por Stanley Kubrick e até há quem afirme vê-lo em algumas imagens dos escritório­s da NASA e, quanto a isso, Diana relembra que, ao ver o filme de ficção científica realmente realizado por Kubrick e que retrata as idas à Lua (2001: Odisseia no Espaço), não tem nada a ver, desde a forma como os astronauta­s caminham no espaço, aos cenários, à luz: “O 2001 vê-se perfeitame­nte que é falso, que é feito com o que havia na altura.”

Como se diz, contra factos não há argumentos e é facto que encenar a ida do Homem à Lua, em 1969, teria sido mais caro do que a própria ida. “As grandes mentiras têm pernas muito curtas e perpetuar esta macro §mentira com milhares de pessoas envolvidas e um programa espacial que durou dezenas de anos seria impossível.”

Quanto à teoria, os céticos dizem que “neste caso, ter-se-á mantido como uma curiosidad­e da cultura popular e agora acaba por estar metida no pacote da desconfian­ça de tudo o que seja programa governamen­tal e da desconfian­ça dos cientistas. No caso das conspiraçõ­es existe o efeito-ego, o ‘efeito eu sei o que as pessoas não sabem’, o efeito ‘acordem, tomem a pastilha vermelha’”.

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