HOBBY
Quem nunca se questionou acerca daqueles bandos de pombos que voam todos juntos, muito arrumados e sincronizados, como se bailassem no ar? Nós já. E fomos à procura de respostas para a arte ancestral de adestrar pássaros.
Mergulhámos nos mistérios do adestramento de aves.
Émais fácil um pombo encontrar o seu caminho de regresso a casa percorrendo uma distância de mil quilómetros do que determinar o local e o momento em que os seres humanos começaram a domesticar os pombos. Há quem suspeite que os persas já o faziam e que os egípcios também o fizeram, usando esta ave para transportar mensagens entre sítios distantes. Há indícios de adestramento de pombos na Mesopotâmia (atual Iraque, entre o rio Tibre e o Eufrates) de há cerca de cinco mil anos. Os relatos do uso de pombos como mensageiros existem desde as civilizações clássicas de Roma, que recorria aos serviços destas aves para fazer delas mensageiras de guerra, e da Grécia, onde os pombos-correio anunciavam os vencedores olímpicos em cada uma das cidades.
Olhando para estes pássaros caminhando como quem cabeceia o ar enquanto se dirige a um monte de migalhas de pão, atiradas à rua por uma velhinha irresponsável – o pão é pouco nutritivo para as aves e enche-lhes o estômago, impedindo-as de se alimentarem devidamente –, ninguém diria que se trata de um bicho tão esperto, tão cheio de qualidades e com um historial de nobreza tão antigo assim. Mas a verdade é que o pombo tem uma série de características admiráveis:
• são animais extraordinariamente inteligentes, integrando o muitíssimo restrito grupo dos seres que conseguem reconhecer a sua própria imagem num espelho;
• têm capacidades de navegação a roçar o inacreditável – têm o sol como referência, possuem uma espécie de bússola magnética interna, chegam a usar edifícios como referência, tal como estradas, chegando ao cúmulo de mudarem de direção apenas em cruzamentos;
• são animais altamente sociáveis e constituem facilmente bandos de 20 a 30 indivíduos;
• os pombos acasalam para toda a vida e têm duas crias em cada ninhada. Essas crias são criadas de igual modo pelo macho e pela fêmea, mesmo no período de incubação, e são “amamentadas” pelos dois indivíduos de casal, por mais estranha e perigosa que esta afirmação possa parecer: macho e fêmea segregam uma substância nutritiva para os bebés; • exímios na audição de frequências graves, os pombos são capazes de antecipar a chegada de tempestades ou de, nos casos em que se aplica a possibilidade, pressentir uma erupção vulcânica. A lista podia continuar, mas preferimos parar por excesso de velocidade. Um pombo consegue, em média, atingir os 125 km/h de velocidade máxima; o máximo alguma vez registado foi de 149 km/h.
COLUMBOFILIA
Esta fascinante modalidade tem adeptos um pouco por todo o mundo, e Portugal não é exceção. O funcionamento das corridas explica-se rapidamente. Os pombos-atletas são levados até um determinado ponto de partida, que se situa a uma distância (variável, que dependerá da categoria em que correm) do seu lugar de origem – é a esse lugar que o pombo vai regressar. As categorias disputadas em Portugal são a velocidade (distâncias entre 100 e 350 quilómetros), o meio fundo (300 – 600 km), fundo (superior a 500 km) e absoluta, que reúne um determinado número de provas de cada uma das categorias. Existe ainda a categoria de maratona, com provas superiores a 800 quilómetros, mas esta categoria, de tão exigente que é, obriga a um menor número de corridas.
Para sabermos como se processa e o que requer a dedicação à atividade columbófila, bem como alguém pode iniciar-se na modalidade, conversámos com um distinto columbófilo: Pedro Neves, que, para além de desenvolver pombos campeões, é também médico e diretor do Serviço de Nefrologia do Hospital de Faro.
De onde surgiu a paixão pelos pombos? A paixão surgiu em Moçambique, em Lourenço Marques, hoje Maputo, quando era miúdo, portanto há bem mais de 50 anos. Ia para casa de um amigo da família passar o fim de semana e via chegar os pombos das corridas. Sempre achei que iria ser columbófilo, quando pudesse ter espaço em casa para ter um pombal. Assim foi, iniciei-me neste desporto há cerca de 20 anos. Como é que uma pessoa se pode iniciar no mundo da columbofilia? Para se iniciar na columbofilia é preciso ter paixão e condições para ter um pombal em casa ou então arranjar um numa aldeia columbófila – elas existem por todo o País. Arranjar pombos é fácil, pois existe uma grande solidariedade por parte de todos com quem começa. É preciso também tempo e dedicação.
Quais são as suas rotinas de treino com os animais? As rotinas baseiam-se em dois treinos, um de manhã e outro ao fim da tarde, cerca de 30 a 45 minutos, isto durante a época desportiva. As corridas começam em fevereiro e terminam no final de junho. Durante o defeso, os pombos estão em repouso, pois é a época da muda das penas e não estão nas melhores condições de voo, para além do muito calor que se faz sentir e de se meter pelo meio a época da caça.
O que é mais difícil na arte de desenvolver um pombo campeão? Para se ter um pombo campeão é preciso ter bastante sorte. Em geral, procuram-se pombos com bom pedigree. Depois, é necessário durante as corridas que o pombo esteja de muito boa saúde, tenha vontade de vir para casa depressa (aí entra a parte do columbófilo, que usa o chamado jogo) e sobretudo que o pombo seja um bom atleta.
Como é que se põem os pombos a voar em bandos sincronizados e se ensina um pombo a fazer o que é suposto? Os treinos começam quando os pombos são jovens (borrachos) com a solta em casa; tendem a agrupar-se pois são animais gregários; em novembro/dezembro, começam a soltar-se os pombos de distâncias pequenas (progressivamente, de 10 a 50 quilómetros). Os pombos vêm de locais onde nunca estiveram antes, orientando-se, pensa-se, pelo eixo magnético e pelo sol. Se estiver em boa forma e for bom (bom atleta e com ótima orientação, e se estiver com vontade de vir para casa depressa), chega primeiro que os outros.
Já obteve vitórias com pombos? Em que modalidades? Já obtive boas vitórias, mas considero-me um columbófilo mediano. Tenho melhores pombos de fundo. Já ganhei, a nível do distrito [de Faro] provas de Vitória (País Basco – mais de 700 km) e de Barcelona (mais de 900 km). Os meus melhores pombos foram o 400, um craque de velocidade e meio fundo, que ganhou dez anilhas (ouro, prata e bronze), e o Tacuara [N. do R.: alcunha do antigo futebolista e goleador do Benfica Óscar Cardozo], grande voador de fundo que ganhou três anilhas de ouro. Estão ambos, neste momento, na reprodução.
Pedro Neves faz questão de deixar uma mensagem suplementar. “Para terminar, acrescento que existem despesas e que é frequente haver equipas de dois ou mais columbófilos que dividem as despesas e o trabalho. Não se ganha para as despesas, mas a alegria de ver chegar os pombos da corrida e, sobretudo, quando se ganha, tudo compensa.”
“PARA SE INICIAR NA COLUMBOFILIA É PRECISO TER PAIXÃO E CONDIÇÕES PARA TER UM POMBAL EM CASA” PEDRO NEVES
O AR NÃO É SÓ DOS POMBOS
Se os pombos, educados e velozes, impressionam quem os observa com olhar de leigo, o que dizer dos falcões e outras aves de rapina, capazes de proezas técnicas de uma complexidade, sim, diferente da extraordinária orientação pombalina, porém dotada de uma lealdade e de uma dedicação ao seu falcoeiro dignas de serem vistas – e usadas, muitas vezes, em situações práticas: por exemplo, na defesa do espaço aéreo do Aeroporto de Lisboa, patrulhado por falcões para impedir a permanência de outras espécies de aves em zonas críticas.
Conversámos com o falcoeiro Miguel Gomes, fundador da ArtFalco, uma instituição que, ao mesmo tempo que desenvolve as artes de falcoaria, promove o conhecimento das espécies de rapina de um modo pedagógico, com a finalidade de sensibilizar o seu público para as causas ambientais, nomeadamente ao nível do equilíbrio dos ecossistemas, através dos exemplos das aves de rapina.
De onde nasce a falcoaria? Nos primórdios da humanidade, a necessidade de sobreviver levou o ser humano a usar inúmeras estratégias para conseguir alimento. Uma delas terá sido seguir aves de presa aguardando que estas capturassem as suas presas e, de seguida, assustando-as, ficando com o fruto do seu trabalho. Mais tarde, em regiões tão distantes como Mongólia, Japão ou Médio Oriente, inicia-se o treino destas aves de forma a utilizar as suas capacidades de caça para a subsistência humana. Tudo isto terá acontecido há cerca de 4 mil anos, tendo em conta um testemunho iconográfico descoberto em Khorsabad (antiga Assíria) que representa uma ave de presa no punho do falcoeiro.
Como se educa uma ave de rapina? Uma ave de presa, em falcoaria, não pode, de todo, perder os seus instintos naturais. A parceria entre ave e falcoeiro baseia-se numa entreajuda constante, uma interação simbiótica que garante uma vida mais fácil em conjunto. Existem várias técnicas de treino e sociabilização destas aves, tendo todas elas um tronco comum: retirar o medo do ser humano, proporcionando um contacto próximo, permitindo que este recompense a ave. A forma de a recompensar – tal como acontece num casal selvagem de aves de presa, que trocam alimento para fortalecer o laço que as une – parte do princípio da confiança mútua: o falcoeiro oferece no punho, à ave, o alimento de que esta necessita para uma vida saudável. Todo este processo é gradual, respeitando o tempo de reação de cada espécime. Ao longo do convívio entre falcoeiro e ave, a barreira do medo vai-se dissipando levando a ave a iniciar pequenos saltos ao punho, de forma a saciar o seu apetite. Com o passar do tempo estes pequenos saltos vão-se transformando em voos que gradualmente aumentam em distância, dando a perceber à ave que saciar o apetite no punho do falcoeiro é uma atitude que não envolve riscos. Chegada a altura em que a ave reage prontamente ao levantar do punho, voando até ele e recolhendo a sua recompensa, é o momento para o próximo passo: levar a ave ao campo deixando que naturalmente os seus instintos de caçadora despertem. Daqui em diante, cada dia de campo será uma aprendizagem conjunta que levará ave e falcoeiro a transformarem-se num binómio eficiente.
Quais são os materiais fundamentais para um falcoeiro? Luva - proteção para a mão do falcoeiro aquando na receção da ave e transporte da mesma, garantindo que as suas garras afiadas não possam causar danos;
Caparão - pequeno chapéu, em pele natural, feito à medida da cabeça da ave, garantindo a perfeita ergonomia, de forma a anular-lhe a visão sem causar desconforto. A utilização do caparão permite anular a principal fonte de estímulo da ave: a visão;
Piós - tiras, tradicionalmente feitas em pele que, aplicadas nos sancos da ave, permitem ao falcoeiro sujeitar a ave à luva ou ao banco, sendo que para este último são utilizados também o tornel (pequeno destorcedor colocado na extremidade oposta à ave dos piós) no qual se fixa a avessada (pequena tira, tradicionalmente em pele, que liga o tornel ao banco através do nó de falcoeiro);
Banco ou arco - poleiro" que permite à ave descansar, em espaço confortável, com acesso a banheira com água (de tamanho adequado e que possibilite o banho à ave em questão);
Sistemas de geolocalização - aparelho de GPS e/ou emissor de ondas de rádio, colocado na ave antes do voo, possibilitando ao falcoeiro localizá-la quando ela sai do seu campo de visão.
E os cuidados indispensáveis? Por exemplo, onde deve acomodar a sua ave e como deve ser a sua alimentação? O espaço necessário deve ser adequado ao tamanho da ave em questão e idealmente cada ave deverá ter um local onde possa movimentar-se livremente, com acesso permanente a água e possibilidade de escolha entre sombra e sol. As aves de presa são exclusivamente carnívoras, devendo a sua dieta ser variada e de acordo com o que naturalmente comeriam se em estado selvagem. Na grande maioria destas aves, a alimentação é feita uma vez por dia, respeitando o seu ciclo digestivo e na quantidade precisa de forma a manter a ave no peso ideal. Um cuidado que considero essencial para a boa saúde destas aves é a prática de voo, que idealmente deverá acontecer à hora da refeição.