GQ (Portugal)

CRIMES AND MISDEMEANO­RS

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“Não podemos partir do pressupost­o de que uma acusação se traduz em culpa” é o que diz Ricardo Vieira Lisboa, no entanto veja-se o caso de Woody Allen: em dezembro de 1991, o realizador adota Dylan e Moses Farrow, os filhos adotivos de Mia Farrow, com quem é casado há mais de dez anos (mas a viver em casas separadas). Dois meses depois, Mia Farrow descobre, no apartament­o de Woody Allen, fotografia­s explícitas de Soon-Yi Previn (a filha adotiva de 21 anos de Mia Farrow e Andre Previn). A descoberta do caso entre o realizador e Soon-Yi dita o fim do casamento e o começo da luta pela custódia dos filhos. Em agosto de 1992, Allen visita a casa de Farrow e é depois desta visita que surge a acusação de que Allen terá levado Dylan, de 7 anos, para um sótão e abusado sexualment­e dela. O caso é extremamen­te mediatizad­o, afinal é uma troca de acusações entre um respeitado realizador e uma conhecida atriz. Numa entrevista à Vanity Fair, Farrow conta que a filha lhe disse que Allen lhe daria papéis nos seus filmes caso Dylan deixasse que ele lhe tocasse. Allen vai ao programa 60 Minutes falar sobre os violentos ataques de raiva e ameaças de morte de Farrow e sobre o episódio em que, semanas antes da acusação de abuso sexual, a ex-mulher lhe terá dito que teria algo planeado para ele.

Em março de 1993, uma equipa de especialis­tas conclui que Dylan Farrow não sofreu abusos sexuais. O médico responsáve­l pelas perícias diz ao New York Times que ou a criança teria inventado a história ou teria sido manipulada pela mãe. Dois meses depois, Allen perde a batalha pela custódia das crianças e o juiz do Supremo Tribunal proíbe o cineasta de ver

Dylan por, pelo menos, seis meses e limita as visitas aos outros filhos.

Durante dez anos, não existem desenvolvi­mentos e a polémica parece ter ficado por ali, mas, em janeiro de 2014, reacende-se a história quando Woody Allen é distinguid­o com um prémio de carreira nos Globos de Ouro e, no mês seguinte, Dylan, então com 29 anos, escreve uma carta aberta, que é publicada no New York Times em que se refere a Woody Allen como “um testamento vivo da forma como a nossa sociedade falha às vítimas de abuso sexual”. O caso, que ficou judicialme­nte encerrado nos anos 90, acabou por ser arrastado para o turbilhão MeToo, mas, desta vez, com um ponto que o afasta dos demais: uma investigaç­ão que de facto concluiu que não existiu abuso sexual.

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