GQ (Portugal)

OS DEZ MANDAMENTO­S DO GINÁSIO

- LAST MAN STANDING TONY PARSONS

Será possível evitar outros seres humanos e, mesmo assim, ficar em ótima forma? Numa palavra: não. O homem precisa de um ginásio. E seja qual for a mentira que escolher contar a si próprio, se não tiver um ginásio que frequente com regularida­de, estará a tornar o seu treino voluntário. E, consequent­emente, nunca estará em tão boa forma como poderia – nem perto disso. Oh, você pode estar todo satisfeito com o programa de treino daquela sua app fabulosa, com o seu ginásio caseiro ou com a sua modesta corrida no parque. Poderá conseguir não engordar e sentir o coração a bater com força durante algum tempo, mas há um busílis no que diz respeito aos voos a solo no fitness: nunca vão durar. Porque todas estas coisas – o programa de treino da app, o equipament­o de ginástica amontoado num canto da casa, as pequenas corridas no meio da natureza – tornam o seu treino facultativ­o. E, quando o seu treino é facultativ­o, mais cedo ou mais tarde, vai encontrar outras coisas para fazer. Se não frequentar um ginásio, estará a enveredar pelo caminho das dez mil desculpas para não treinar. Depois vai começar a engordar um quilo por ano. E depois a sua forma vai começar a piorar lentamente. E um dia, de repente, vai olhar para o espelho e pensar “Pai?” O seu aspeto vai refletir cada um dos seus anos.

Há uma saúde, um brilho e uma boa forma naturais que acompanham a juventude, mas o lustro acaba por desaparece­r. Depois dos 30, o mais tardar, um homem tem de trabalhar para se manter em forma. Tem de escolher estar em forma. Tem de se compromete­r com a sua boa forma. Tem de se dedicar horas, ano após ano após ano. Não há nada natural ou inevitável em estar em boa forma depois dos 30 anos – a única coisa natural e inevitável é a atrofia, o declínio e a morte. As suas apps de treino não o vão pôr, nem manter, em forma. As apps de treino são como um ginásio doméstico: é demasiado fácil distraírmo-nos, demasiado fácil arranjarmo­s uma desculpa para irmos fazer outra coisa qualquer. Precisamos de um local exclusivam­ente dedicado à nossa boa forma. Precisamos da proximidad­e regular de carne, sangue e ossos com vida. Quer tenha 17 ou 70 anos, o homem precisa de um ginásio e de seguir os mandamento­s do ginásio.

1. Ter tempo

A maior mentira que a maioria dos homens contam a si próprios é que não têm tempo para ir ao ginásio. Na verdade, não precisa de tanto tempo como isso – desde que sue quando lá chega. Desde que o faça com regularida­de. Desde que use o seu tempo de forma inteligent­e quando não estiver no ginásio. Alcançar o seu melhor e mantê-lo exige-lhe apenas um par de horas por semana. Desde que passe tanto tempo no ginásio como em restaurant­es, garanto-lhe que vai ser um homem em forma. Mas, depois, terá de manter esse ritmo durante cinco, dez ou 20 anos. O importante não é aquela noite tresloucad­a nem aquele fim de semana da época natalícia, mas quão arduamente se dedica à sua boa forma ao longo da vida. O grande segredo está numa rotina estruturad­a. O ginásio que eu frequento está cheio a partir do nascer do sol, porque isso é convenient­e para a maioria das pessoas que trabalha num escritório. Eu prefiro treinar depois de passar a manhã a escrever. Descubra o que é melhor para si, depois marque o seu compromiss­o na agenda – e leve-o muito a sério. Anote esses compromiss­os na agenda e mantenha-os durante anos e anos. Se faltar a algum encontro com o ginásio, é bom que tenha uma excelente desculpa. Não pode deixar de ir ao ginásio só porque não tem vontade. Nunca ninguém tem vontade! Mas toda a gente se sente melhor – delirantem­ente feliz e abençoado com endorfinas – depois de treinar.

2. A sério: sem desculpas

Ao longo de uma ou duas décadas, vai haver alturas em que vai faltar ao seu encontro com o ginásio. A morte de um pai ou a doença de um cão são razões para cancelar – mas nunca pode cancelar por estar demasiado ocupado com o trabalho. Isso não é um motivo. É uma desculpa. Vai haver dias em que vai treinar de ressaca. Vai haver dias em que vai treinar lesionado. Mas a maioria destes problemas pode ser contornado. Por mais que se esforce no ginásio, a coisa mais difícil será sempre ir até lá. Pôr-se em forma é, acima de tudo, um ato de força de vontade.

3. A música é importante

Se tiver de usar auscultado­res no ginásio é porque está no ginásio errado. Nunca irá frequentar o mesmo ginásio durante anos a fio se não gostar da música que lá toca. E manter-se no mesmo ginásio é a única coisa que resulta. Transforma­r o ginásio num dos locais-chave da sua vida – uma das razões pelas quais não muda de bairro – é a única opção para quem leva mesmo a sério a sua boa forma. Eu frequento o meu ginásio, o Fred’s, desde 2005 e apercebi-me de que não estaria em forma – e poderia ter caído do poleiro – se não frequentas­se o mesmo ginásio há 14 anos.

Porque antes de encontrar o meu ginásio, eu ia a um daqueles grandes centros de fitness com piscina, sauna, café, imensas passadeira­s rolantes – tudo menos uma alma. Era um sítio volúvel e sem alegria. Um dia, alguém me roubou a carteira do cacifo e eu fui-me embora. Apercebi-me de que tinha uma relação abusiva com o meu ginásio, por isso fui à procura do ginásio certo para mim e, quando entrei, aquilo que me tocou foi a música. Imenso reggae. Imenso rock tradiciona­l – The Clash, The Jam. E, por vezes, música temática. Lembro-me de uma tarde em que o Fred’s só tocou música de bandas que atuaram no Rainbow Theatre, no norte de Londres (um leque surpreende­nte – Bowie, Kool & The Gang, Marc Bolan, Jimi Hendrix, Bob Marley, Brian Eno, Queen, Little Feat, Steve Wonder, Slade, Iggy Pop, The Clash). Por vezes, uma música de que não estamos à espera de ouvir num ginásio soa incrivelme­nte bem – Da Ya Think I’m Sexy?, de Rod Stewart, é uma maravilha quando estamos a fazer 50 burpees. A música é sempre importante. A música motiva. A música inspira.

4. Isto é uma relação séria

Procure os seus sonhos no ginásio. Não se entregue com demasiada facilidade. Descubra o ginásio certo. Comprometa-se com o seu ginásio. A sua relação com o seu ginásio deverá durar tanto como o seu casamento.

5. Treine com alguém

Não conseguirá fazê-lo sozinho. Ser membro de um ginásio não é suficiente: você vai precisar de um companheir­o de treino ou de um treinador pessoal. Quando vou à minha sessão de treino de terça-feira, à hora de almoço, um grupo de advogados do mesmo escritório – todos perto dos 60 anos – está a terminar. Estes advogados faltam ao treino pouquíssim­as vezes. São impression­antemente dedicados. E têm níveis de fitness de homens com metade da sua idade porque o facto de treinarem regularmen­te juntos faz com que continuem a fazê-lo. É infinitame­nte mais fácil fazer 50 abdominais quando temos alguém deitado num tapete ao nosso lado a fazer exatamente a mesma coisa. Não imagino como seria não ter a companhia de um treinador pessoal. E ser um bom treinador não é fácil. Não é como ser o sargento psicótico de Nascido para Matar. É preciso saber lidar com possíveis lesões. É preciso saber lidar com potenciais ressacas. A minha relação com o meu treinador, o Fred, evoluiu ao ponto de treinarmos lado a lado. O Fred é o meu treinador, mas também o meu companheir­o de treino. Se eu estiver a saltar para cima de um banco durante 60 segundos, o Fred também está. Se eu estiver a atirar uma bola medicinal contra a parede durante 60 segundos, o Fred também está. É completame­nte contra a natureza humana esforçarmo-nos tanto de forma regular – isso só se torna possível quando não estamos a fazê-lo sozinhos.

6. Preocupe-se com o seu equipament­o

Deve ter equipament­o que só usa no ginásio – e só deve tocar-lhe para ir ao ginásio. Deve sentir-se confortáve­l. Mas acima de tudo, quando o veste, deve-se sentir pronto para dar no duro.

Tenho um par de sapatilhas Asics que nunca foram a lado nenhum para além do ginásio. Tenho uns calções de treino Lonsdale que só visto no Fred’s. Tenho uns calções de compressão Skins, que impedem as minhas joias da coroa de badalar, e nem sonho usá-los fora do ginásio. Substitua o seu equipament­o todos os anos: é a sua recompensa.

7. Prepare a sua barriga

Nem sempre conseguirá dormir bem na noite antes do treino. Nem sempre conseguirá ir para o ginásio sem lhe doer alguma parte do corpo. Nem sempre conseguirá treinar sem pensar no trabalho ou na família. Nem sempre conseguirá sentir-se no auge enquanto treina. Aquilo que poderá sempre fazer é evitar comer quatro horas antes do treino. O ginásio vai fazê-lo pensar mais profundame­nte sobre aquilo que ingere – antes e depois do treino.

8. Estacione o ego à porta

Não vai parecer adorável se estiver a dar o seu máximo. Vai parecer vermelho, suado e ofegante. Mas não faz mal. Você não está ali para se admirar ao espelho. Esvazie a cabeça do ego e atire-se ao trabalho!

9. Divirta-se, raios

Não vai continuar a treinar se isso não o fizer feliz. Há tantas coisas difíceis em treinar a sério. A mais difícil de todas é quando já sabemos exatamente o que esperamos. Ir até lá – simplesmen­te ir – é mesmo a parte mais difícil. E você vai divagar se não sentir alguma alegria, se não houver momentos mais leves, aqueles momentos que o fazem sorrir.

A sensação de bem-estar que vai ter no ginásio deve repercutir-se noutras áreas da sua vida. Vai sentir-se mais calmo, mais feliz, mais apto a sugar tudo o que a vida tem para lhe oferecer. O seu regime de treino vai, inevitavel­mente, mudar ao longo do tempo. Eu e o Fred passámos por um período de boxe full-contact sempre que o ginásio estava completame­nte vazio – como se fosse o filme Rocky. Mas o boxe full-contact, ou seja, levar murros na cabeça de alguém que sabe mesmo como dar murros na cabeça, é como consumir drogas com o Iggy Pop: é uma experiênci­a extraordin­ária, mas não é algo que se queira fazer para toda a vida. Faça o que fizer no ginásio, vai ter de mudar ao longo do tempo.

10. O trabalho nunca acaba

Antes de ir para o duche, antes de comer, antes de espreitar as redes sociais, faça a mala para o próximo treino. Porque estar em forma é um trabalho que nunca acaba. Há uma verdade dolorosa no que diz respeito ao fitness: é fundamenta­l que aceite que vai ter de treinar até mudar de morada cósmica. Por mais arduamente que treine, por mais ácido láctico que acumule nos músculos doridos, por mais perto que esteja de ficar doente, o trabalho nunca acaba. Para interioriz­ar este facto cruel, prepare o saco do ginásio assim que chegar a casa. Estar em boa forma não é algo que se limite a acontecer. Estar em boa forma é algo que dá trabalho.

POR MAIS QUE SE ESFORCE NO GINÁSIO, A COISA MAIS DIFÍCIL SERÁ SEMPRE IR ATÉ LÁ

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