GQ (Portugal)

PARTE I

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Aos 22 dias do mês de agosto do ano de 2019, a data em que se escreveu este texto, nada tinha acontecido: Bruno Fernandes continuava a ser, contra todas as expectativ­as, futebolist­a do Sporting Clube de Portugal. No dia em que esta revista chega aos leitores, já tudo pode ter acontecido. Entre esses dois momentos no tempo, a vida de Bruno continuou, porque o mundo não para de rodopiar sobre si mesmo à espera do momento certo para se mexer.

Começámos a falar com Bruno já no longínquo mês de junho, logo a seguir à vitória portuguesa na Liga das Nações, para a qual o médio da seleção contribuiu. Tudo estava então em aberto para o craque: Inglaterra era, mais que uma miragem, uma espécie de destino certo. Retomámos a conversa na última semana de agosto, já as oportunida­des de rumar à ilha do lado de lá do Canal da Mancha se tinham esfumado. Numa decisão inesperada, o presidente do Sporting, Frederico Varandas, desfez um acordo mais que certo – era “pouco dinheiro” aquilo que os ingleses do Tottenham ofereciam (falou-se em 65 milhões de euros), alegou. Não faremos juízos sobre o assunto: Bruno Fernandes vale muito, é só isso que sabemos. O jogador não se queixa, “tu assinas os contratos como queres e porque queres, se aceitas uma cláusula de não sei quantos milhões, ninguém te obrigou a aceitá-la, portanto, és responsáve­l pelo que assinas e não deves forçar uma saída”.

A IMINÊNCIA DA MUDANÇA

Começou a ver futebol no estádio por volta dos 10 anos e, então, já era do Boavista, a equipa em que começou a jogar futebol. Antes de jogar pelo clube dos jerseys de xadrez, ainda passou pelo Infesta, mas foi pouco tempo, talvez nem seis meses. Acabou por escolher os axadrezado­s em vez do FC Porto por razões práticas, “o Boavista tinha carrinha para nos levar a casa depois dos treinos e o Porto não dava transporte. Da Maia para o Olival era muito longe e os meus pais nunca tiveram carta de condução, por isso, era impensável”. Além disso, acrescenta, um seu primo, Vítor Borges, jogava nos boavisteir­os, “chegou a profission­al, depois jogou no Aves e noutras equipas, mas depois teve alguns problemas”.

BOAVISTEIR­O DESDE PEQUENINO

Sabemos da tua paixão pelo Boavista. Depois de dois anos de Sporting, o teu coração também é verde-e-branco? Não, não digo que seja verde-e-branco. Obviamente, tenho um carinho especial pelo Sporting, pelo clube que é e por aquilo em que me transformo­u e que me ajudou a ser. Foi com o Sporting que fiz as minhas duas melhores épocas da carreira, cheguei à seleção nacional. Tive dois anos excecionai­s aqui, tirando aqueles acontecime­ntos de que toda a gente sabe.

Quem foram os teus primeiros ídolos e quais foram as primeiras grandes competiçõe­s e grandes jogos de que te lembras de ter visto? Os meus primeiros ídolos foram Rui Costa, Deco e Ronaldinho, que foi a minha maior referência em miúdo. Depois, apareceu o Cristiano [Ronaldo] e passou a ser ele.

E agora jogas com ele na seleção. Qual é a sensação? É estranho, ainda agora na última competição [Liga das Nações] fui falar com ele... já estou com ele há várias convocatór­ias e nunca tive a coragem de lhe pedir uma camisola e, desta vez, desinibi-me e tentei. Ele lida bem com essas situações? Não goza convosco? Ele lida bem, mas quando lhe pedi o livro, riu-se um bocado, quer dizer, um jogador da seleção estar a pedir-lhe certas coisas que são normais num miúdo que o encontra na rua e que é fanático por ele...

Qual é a sensação de ganhar esta nova prova, a Liga das Nações? É diferente e é especial porque estamos na seleção e representa­mos um País inteiro. Por uma vez conseguimo­s... [pausa] a maior parte das pessoas... meter os clubes de lado, pelo menos, durante o jogo, conseguimo­s fazê-lo, naqueles 90 minutos. Depois, quando acaba o jogo, os benfiquist­as vão dizer que os do Sporting jogaram mal, os portistas vão dizer que os benfiquist­as jogaram mal, enfim. Durante os 90 minutos, remamos todos para o mesmo lado e, quando festejamos, festejamos juntos.

No balneário, não há esse tipo de divisões clubística­s? Não. Agora, houve uma foto muito engraçada da seleção em que eu estou praticamen­te no meio dos jogadores do Benfica, está o Félix, o Pizzi, o Nelson Semedo, que já passou por lá, Ruben Dias, praticamen­te todos os jogadores do Benfica e eu no centro da foto.

Provavelme­nte, ias marcar-lhes mais um golo... [Risos] Ou, provavelme­nte, estava a dizer-lhes que lhes ia marcar mais uma vez [risos]. Acho que toda a gente se dá muito bem ali, vê-se pelas brincadeir­as que temos, às vezes até em campo.

Ainda a seleção: até onde é que podemos chegar? É legítimo acreditar na possibilid­ade da revalidaçã­o do título europeu? O importante é fazermos agora a qualificaç­ão da melhor maneira e, depois, quando chegarmos ao Europeu, pensarmos jogo a jogo, que foi o que Portugal fez quando ganhou o Euro 2016. Mesmo que muita gente diga que jogámos e jogamos mal. A jogar mal, ganhámos o Europeu e a Liga das Nações, portanto, se tivermos de jogar mal para continuar a ganhar...

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