GQ (Portugal)

PARTE II

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as coisas, que íamos arrancar para o Porto. Aquela mensagem de voz que andou a circular por aí no Whatsapp é mesmo do meu cunhado, que é namorado da irmã da minha mulher. Nem tudo o que ele diz ali é verdade, porque ainda estava tudo muito confuso, mas era mesmo a voz dele e eu tinha tudo preparado para regressar ao Porto. Se a polícia não me parasse à saída da Academia, eu tinha-me ido embora e não tinha voltado mais, não tinha sequer jogado a final da Taça de Portugal.

O que é que te fez voltar atrás e jogar a Taça? Primeiro, acredito que ter jogado a final da Taça foi um erro nosso, não devíamos ter jogado esse jogo.

Qual era o espírito da equipa? Não havia espírito. Nós não treinámos. Fizemos um treino de adaptação ao relvado, foi tudo o que nós fizemos para preparar o jogo da final da Taça. Os jogadores andavam a treinar por aí, pelos cantos, alguns iam a ginásios, outros nem treinavam. Alguns saíram da Madeira [N. do R.: antes da invasão de Alcochete, o Sporting jogou contra o Marítimo e perdeu por 2-1, perdendo também o 2.º lugar da classifica­ção, deixando-se ultrapassa­r pelo Benfica] com lesões e nem puderam fazer tratamento. Não tínhamos condições para jogar fosse o que fosse, nem um Torneio Guadiana. Culpo-nos, a nós, jogadores, por termos cedido à pressão que existiu tanto da parte da Federação [Portuguesa de Futebol, entidade organizado­ra da prova] como do Sindicato dos Jogadores. Essa pressão existe, naturalmen­te, porque a final da Taça engloba muita coisa, muitos contratos, muitas parcerias, muitos patrocínio­s. Não a jogar seria um grande problema para todas as partes envolvidas e nós acabámos por ceder e por nos deixarmos levar por isso. Só me apercebi, tal como os meus colegas, mais tarde que tinha sido um erro. E não é pela derrota, mas pela maneira como fomos jogar.

ANATOMIA DE UM IMPASSE

Dois meses depois da primeira conversa com Bruno Fernandes, voltámos a sentar-nos com o jogador. Esteve para rumar a Inglaterra, ao Tottenham, mas acabou por ficar em Lisboa, no Sporting. Como é seu hábito, já tinha marcado pela sua equipa e fora o melhor em campo em mais que uma ocasião. É caso para dizer que, no campo, nada mudou. No espírito do futebolist­a, no entanto, talvez as coisas tenham mudado um pouco.

É verdade que chegou a ter tudo acordado com um grande clube inglês? É verdade que tive tudo praticamen­te acertado. Toda a gente sabe que o Tottenham teve praticamen­te tudo acertado. Comigo, tudo deveria estar, nunca fiz grandes exigências, o meu empresário fez sempre a parte de negociar as exigências financeira­s para mim. Mas o negócio não se deu.

E porque é que não se deu? Não se deu porque o Sporting não considerou que os valores oferecidos pelo Tottenham eram o suficiente para me libertar, acabando por rejeitar a oferta.

Mas o Sporting estava ciente da negociação e do teu acordo com o Tottenham? Eu, diretament­e, não tinha um acordo com o Tottenham. Havia todas as condições para o acordo ficar feito, até porque era – era e é, toda a gente sabe disso, já o disse publicamen­te... havia todas as condições para que as coisas fossem feitas. Mas o Sporting entendeu que o valor não era suficiente e eu tenho de respeitar a decisão deles.

Este volte-face nesta negociação faz-te sentir arrependid­o de não teres levado por diante a decisão de rescindir com o Sporting no final de 2017-2018? Não. Não me arrependo dos meus atos até agora, inclusive da rescisão de contrato, que não me arrependo de a ter feito na altura. Depois, voltei atrás porque achei que seria o melhor para mim, não por uma questão de arrependim­ento. No Sporting sempre me senti bem, sempre me senti acarinhado. Tive um início difícil depois de voltar, como é normal e como eu já esperava, contava que a receção dos adeptos – não de todos, mas de parte deles – não fosse a melhor. Mas não estou arrependid­o, até porque acabei por ter a melhor época da minha carreira.

Agora, tendo em conta estas circunstân­cias, sentes-te motivado para continuar no Sporting? Qualquer jogador tem de se sentir motivado para continuar num clube como o Sporting. É um grande clube, que luta por grandes objetivos. Sempre disse que sairia do Sporting no dia em que os meus objetivos não fossem compatívei­s com os do Sporting, mas continuam a sê-lo. Para lá de ter o sonho de jogar em Inglaterra, isso não me impede de continuar no Sporting, até porque o clube tomou a decisão de não me vender também por acreditar no meu valor e por acreditar que os valores que eram oferecidos por mim não eram suficiente­s, pelo que tenho de me sentir lisonjeado por o Sporting não ter aceitado valores que foram, para eles, tão baixos, tenho de me sentir orgulhoso.

Não teres ido agora para Inglaterra significa teres um sonho adiado que fica em stand by até, digamos, para o ano? Ou ainda existe a esperança de saíres antes da próxima janela de mercado? Não sei, tudo dependerá sempre daquilo que o Sporting quer.

Pergunto isto neste sentido: preferes aguardar no Sporting por uma próxima oportunida­de em Inglaterra ou consideras a possibilid­ade de sair já para outro lugar? É difícil responder, porque isso depende sempre do clube que nos procura. Há clubes no mundo que são difíceis de rejeitar, há nomes no mundo que são respeitado­s. Não tenho só o sonho de jogar em Inglaterra, há outros onde sonho jogar. O passo para Inglaterra, que é um dos meus sonhos, significar­ia tornar mais fácil ficar mais perto desses clubes que são também parte dos meus objetivos. Não procuro passar, na minha carreira, por todos os clubes possíveis, mas procuro passar pelos clubes onde sinta que os meus sonhos serão realizados.

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