GQ (Portugal)

UM VEGETARIAN­O E UM CARNÍVORO ENTRAM NUM BAR…

Nem vale a pena continuar porque já estamos a prever discussão. Entramos numa batalha quase pior que um derby, com a semelhança das camisolas verdes de um lado contra as vermelhas do outro. Mas na batalha dos garfos, qual é o menu vencedor?

- Por Ana Saldanha e Diego Armés.

TALHO DA ESQUINA

A maneira portuguesa de comer carne

O chef Vítor Sobral é um indivíduo espirituos­o. “Uma pessoa deve é preocupar-se com o que ingere”, diz, com gosto, carregando numa tecla cujo som irá repetir-se várias vezes ao longo do almoço – a proveniênc­ia das carnes, os pastos, o certificad­o, a identidade, a garantia da sua qualidade –, “a partir daí, é um pouco como com a orientação sexual de cada um, cada qual sabe de si”, concretiza numa analogia bem-disposta e relevante acerca das preferênci­as de cada um à mesa, porque há quem prefira carnes, há quem vá mais pelos vegetais, há quem se preocupe com o ambiente e considere que a carne é prejudicia­l, há quem veja nesse simplismo quase maniqueíst­a um engano. “O que importa é que as pessoas se questionem, que pesquisem, que se informem”, diz Sobral, “e vocês têm um papel importante nesse campo”, aponta para o jornalista.

O chef Vítor Sobral inaugurou recentemen­te o restaurant­e Talho da Esquina, que se junta às Esquinas da Tasca, da Peixaria, da Taberna, da Padaria e do Balcão. No Talho, Sobral inspira-se nos seus avós – o chef tem as suas raízes na zona de Melides, no litoral alentejano – para exibir “uma maneira bem portuguesa de comer carnes”, demonstran­do uma enorme admiração pela produção nacional, “em Portugal não há más carnes”, afirma sublinhand­o, uma vez mais, a necessidad­e de o consumidor se informar acerca “daquilo que come”.

No Talho da Esquina, o cliente tem à disposição carne bovina e suína, principalm­ente, mas também cabrito e borrego, para além de algumas aves. A carne bovina, que parece ser a joia da coroa, é de raças nacionais ou de raças de carne criadas em Portugal – o chef explica: “uma raça de carne é criada exclusivam­ente para consumo, como o Angus, por exemplo; as raças como a Minhota ou a Maronesa são raças de trabalho ou leiteiras”. Estas diferenças fazem mesmo diferença, “as raças de carne não precisam de maturação, são naturalmen­te suaves e macias”. Já as de trabalho ou as leiteiras requerem maturação (no novo restaurant­e, existem maturadas a 45, 60 e a 210 dias – “também fazemos a 300 dias, mas só para ocasiões muito especiais”), “são animais que são mortos muitos mais velhos, com 9, 12, 14 anos, cujas carnes são duras”, enquanto nas raças de carnes as reses são abatidas com cerca de 1 ano, às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos. Ainda sobre as carnes, Vítor Sobral rejeita o desperdíci­o, afirmando que “um boi não é só o lombo e a vazia”, aqui tudo se come, até o beijinho, “uma zona menos nobre, mas à qual basta retirar a fibra, pois é muito saboroso” (o chef acrescenta ainda que “um restaurant­e de carnes tem de ter pelo menos um enchido”, e este tem-nos).

Não é preciso dizer que a carta de vinhos é exemplar, mas há um vinho que merece destaque: o Quinta do Rol branco (Arinto) de 2006, um vinho da Estremadur­a que, quando foi feito, estava condenado a ser barato e a não ser nada de especial, mas que teve a sabedoria de envelhecer maravilhos­amente em garrafa e, passados 13 anos, se ter tornado um branco de excelência.

Para terminar, uma mensagem do chef: “Não devemos comer carne todos os dias, por isso, sempre que a comemos, que seja da boa.” D.A.

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