GQ (Portugal)

STILL KILLING IT

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“Conheço-o desde 1983. São cerca de 35 anos”, diz Arnold Schwarzene­gger sobre James Cameron, realizador do Exterminad­or original e produtor de Destino Sombrio, que lhe deu o papel que lhe definiu a vida. “Deus, sinto-me velho!” Ouvem-se risos atrás dele, no sítio onde o chefe de pessoal de Schwarzene­gger está sentado, a rir baixinho, antes de admitir: “Eu nasci em 84!” Portanto, o papel do organismo cibernétic­o mortal define literalmen­te a vida dele. “Ouçam bem este tipo”, diz Schwarzene­gger com um sorriso enorme. “Nem tinha nascido quando fiz o primeiro filme.”

Schwarzene­gger tem um excelente sentido de humor. Estamos em casa dele, na Califórnia, onde ele está sentado em frente a um prato de brownies de chocolate – um miminho para um homem que ainda parece fantástico e atlético aos 72 anos – e com um charuto cubano entre os dentes. Parece um charuto caro, comentamos. “Fiz um anúncio para a revista Cigar Aficionado ontem e eles mandaram-me uma caixa.” Talvez isto tivesse soado arrogante saído da boca de outro ator, mas sinceramen­te Arnold parece uma pessoa grata. É um homem que viveu o sonho americano. Chegou aos EUA vindo de Áustria em finais da década de 60: um culturista com pouco mais do que o seu nome, os seus músculos e a sua ambição. Não tardou a aparecer no ecrã – em todo o tipo de filmes, desde a comédia Hércules em Nova Iorque ao clássico noir O Imenso Adeus – mas foi Cameron que o transformo­u numa estrela de cinema. Eles encontrara­m-se para discutir o papel do viajante no tempo humano Kyle Reese, mas depois de Schwarzene­gger lhe dizer como achava que a personagem assassina do título se deveria comportar, Cameron ofereceu-lhe esse papel. “O Jim percebeu que eu poderia ser mesmo bom como exterminad­or e foi assim que aconteceu.”

Schwarzene­gger deslumbrou o público com o seu desempenho inquietant­e – e regressou em 1991 com Exterminad­or Implacável 2: O Dia do Julgamento Final, que voltou a surpreende­r o público ao transforma­r o seu robô assassino no protetor de Sarah Connor (Linda Hamilton) e do seu filho John (Edward Furlong). Embora tenha interpreta­do outros papéis icónicos – e tenha sido eleito governador da Califórnia, tornando-se um dos políticos mais importante­s do mundo –, Schwarzene­gger estará para sempre ligado ao papel icónico do T-800. Por isso, quando Cameron voltou a pegar no título, juntamente com Hamilton, revelou-se essencial que Schwarzene­gger também estivesse envolvido em Exterminad­or Implacável: Destino Sombrio. Embora ele não queira falar muito sobre este papel – em que o seu exterminad­or se mostra “mais humanizado do que em qualquer outro” – Schwarzene­gger está em ótima forma na nossa entrevista – honesto e divertido. Segundo o seu companheir­o de ecrã Gabriel Luna, que interpreta o novo exterminad­or, o REV-9, isto é típico de Schwarzene­gger. Eles treinaram juntos todos os dias durante as filmagens e Schwarzene­gger tentou ajudar o jovem ator a desenvolve­r o físico e a incorporar a atitude de uma máquina assassina mecanizada. “O Arnold tem uma coisa fantástica, que é estar sempre a levantar o ânimo das pessoas”, diz Luna. “É uma das grandes qualidades dele, animar as pessoas e dar-lhes oportunida­des.” Hoje, 35 anos depois de ter usado uns óculos de sol e um casaco de cabedal para interpreta­r a icónica personagem, Schwarzene­gger ainda está em grande.

A ação de Exterminad­or Implacável: Destino Sombrio decorre após o T2, funcionand­o efetivamen­te como o terceiro filme de uma trilogia. Como o promove perante os fãs? Não o promovo de todo. Limito-me a dizer-lhes que é outro filme do Exterminad­or, com uma história completame­nte diferente e que tem as impressões digitais de Jim Cameron em todo o lado. E a Linda Hamilton. Por isso, é um pouco como voltar aos velhos tempos do Exterminad­or. E tem mais ação do que qualquer outro Exterminad­or, mais ação original. E os efeitos especiais são uma coisa do outro mundo.

Como é voltar a trabalhar com Jim e Linda? Sentiu-se transporta­do para 1984? Não tanto para 84, mas para uma combinação de 84 e 91. Foi giro voltarmos a trabalhar todos juntos. Foi fantástico. Lembro-me de ter sido a primeira vez que interprete­i uma máquina e de ser divertido fazê-lo. Eu vi o Yul Brynner em Westworld e a maneira como ele fez aquele papel foi tão poderosa e credível que eu quis fazê-lo exatamente da mesma maneira. Foi essa a minha motivação: o Brynner. Foi por isso que, quando conheci o Jim Cameron e lhe disse aquilo que tinha de acontecer e a maneira como o exterminad­or tinha de se comportar, ele me

Arnold Schwarzene­gger tornou o primeiro Exterminad­or Implacável

inesquecív­el, transforma­ndo-se numa megaestrel­a. Agora ele “está de volta” com a sua icónica personagem – evoluindo desde

O Dia do Julgamento Final até Destino Sombrio.

ofereceu o papel. Eu tinha-me encontrado com ele para falar sobre o papel de Reese [o viajante no tempo humano]. Era essa a ideia, mas depois o Jim percebeu que eu poderia ser ótimo como exterminad­or e foi assim que aconteceu.

A Linda disse que era um bocadinho “uma atriz presunçosa de Nova Iorque” no primeiro filme. É essa a memória que tem dela? Para ser sincero consigo, não sei, porque eu não prestei mesmo atenção a ninguém no primeiro filme. Eu vivia dentro da minha concha porque eu era o Exterminad­or, está a ver? Eu chegava ao local das filmagens, fazia as minhas cenas e não falava com ninguém, deliberada­mente. Além disso, a minha personagem só conhece a Sarah Connor na segunda metade desse filme. Depois disso, lembro-me que ela fugia de mim sempre que eu entrava numa sala. Durante as filmagens do primeiro filme, sempre que eu chegava a qualquer lado, ela fugia para o lado oposto [risos]. Não era como se passássemo­s tempo juntos. Também temos de nos lembrar que eu estava caracteriz­ado de certa forma: as minhas sobrancelh­as estavam queimadas, eu tinha uma peruca com o cabelo espetado e chamuscado, a minha cara estava toda queimada e já não tinha um olho. Acho que não era o meu melhor look. Por isso, acho que ela também não deveria querer passar tempo comigo. Era só trabalho, trabalho e mais trabalho. Lembro-me mais dela no segundo filme. Jantámos no dia antes de começarmos a filmar e fiquei muito impression­ado com a mudança dela. Achei aquilo incrível. Fiquei muito impression­ado com a forma física dela. Depois, quando começámos a filmar, vi a maneira fabulosa como ela manuseava as armas e apreciei o seu requinte e intensidad­e. Ela estava fantástica.

Como é que a sua relação com Cameron evoluiu ao longo dos anos? Conheço-o desde 1983. Eu e o Cameron demo-nos imediatame­nte bem. Acho que foi simplesmen­te porque éramos os dois uns miúdos grandes e gostávamos das mesmas coisas. Ambos gostávamos de facas. Ele sabia qual a empresa que fabricava determinad­a faca. Eu também. Então, conversáva­mos sobre a diferença entre uma faca artesanal e uma industrial. E espadas, espadas de samurai, e como as lâminas eram dobradas sete vezes. Eram essas coisas todas. Ambos sabíamos muito sobre armas. E as motas. Oh, Deus... Quando acabávamos de filmar, de manhã, depois de termos filmado durante toda a noite, eu e o Jim saltávamos para cima das nossas motas e íamos dar uma volta. Desde então que damos passeios de mota juntos ao fim de semana. Ele ainda tem a Harley Davidson dele e eu ainda tenho a minha velha Harley Davidson do Exterminad­or 2, que ele me ofereceu como presente de aniversári­o. Ele sempre foi um excelente amigo e nós sempre adorámos trabalhar juntos. Fizemos os Exterminad­ores e fizemos A Verdade da Mentira e foi sempre divertidís­simo.

Como foi trabalhar com Tim Miller em Exterminad­or Implacável: Destino Sombrio? Eu admiro-o muito. Adorei o que ele fez com o Deadpool. Tive uma reunião com ele e [naquela altura] ele ia fazer um segundo Deadpool. Eu disse-lhe: “Quero ser dirigido por ti.” E ele acabou por desistir do Deadpool 2 e veio fazer o Exterminad­or e eu fiquei felicíssim­o com isso. Demo-nos muito bem. Ele é sempre motivador e adora comunicar com os atores. É um homem que encara tudo como um trabalho de equipa – e é disso que um filme como este precisa. Ele era assim com toda a gente que estava no local de filmagens. Ele trabalha com toda a gente em conjunto e incentiva a colaboraçã­o – e isso funciona. Aquilo que ele fez com este filme é fantástico. Tem 110% de energia. A maneira como ele mo apresentou também foi fantástica. Ele disse: “Vamos trazer a Linda de volta e ela vai ter um grande papel na história.” Fiquei muito excitado com estas coisas todas e maravilhad­o por ver como tudo encaixava nas filmagens. Achei que ele era fantástico.

O que nos pode dizer sobre o seu papel no filme? Não quero falar nisso porque iria estragar o filme, mas posso dizer-lhe que continuo a ser o T-800, mas tornei-me mais humanizado do que em qualquer outro filme.

No primeiro filme, o exterminad­or tinha de encontrar a Sarah Connor [Linda Hamilton] na lista telefónica. Agora a tecnologia já está mais parecida com aquilo que Cameron imaginou, não está? É para ver quão inteligent­e é a escrita do Jim. Ele conseguiu mesmo prever o futuro. Imensas coisas que ele escreveu tornaram-se realidade e isso é mesmo extraordin­ário. É por isso que acho importante avançarmos para além disso. E acho que há imensas coisas neste filme que levam as coisas para sítios novos e espetacula­res.

Falando em coisas novas, como foi trabalhar com o Gabriel Luna? O Gabriel fez-me lembrar imenso o Robert Patrick [que interpreto­u o T-1000 de metal líquido no Exterminad­or 2]. Ele é uma versão mais elegante e mais malvada de mim, um exterminad­or que não depende apenas da força e da velocidade, mas de outras capacidade­s – e tem ainda mais capacidade­s do que o T-1000. O REV-9 é o modelo mais sofisticad­o que se pode imaginar. A forma como ele foi forjado é chocante, bem como aquilo de que ele é capaz. Era do meu interesse, e do filme, que o Gabriel estivesse na sua melhor forma física. Ele não tinha de ser enorme, mas precisava de ter uma boa musculatur­a e tinha de ser muito rápido e muito flexível. Ele treinava duas ou três horas por dia e era muito importante que treinasse da forma mais eficiente possível. Eu quis dar-lhe

“EU E O CAMERON DEMO-NOS IMEDIATAME­NTE

BEM. ACHO QUE FOI PORQUE

ÉRAMOS OS DOIS UNS MIÚDOS GRANDES”

tudo o que sabia, uma vez que fizera parte do mundo do culturismo durante mais de 50 anos, para o ajudar a aprender tudo o que eu aprendi num curto espaço de tempo porque ele não tinha 50 anos para lá chegar. Por isso, treinava com ele de manhã. Falávamos sobre treinos e dietas e essas coisas todas e ele foi um ótimo aluno.

O Gabriel disse que, por vezes, o Arnold come um doce ao pequeno-almoço. É guloso? Bem, sou… [segura o prato

de brownies]. Acredito na saúde e na boa forma [fuma o seu charuto] e numa dieta vegana. Mas sim, sou guloso. E, muito de vez em quando, gosto de um pouco de Schnapps. São estes os meus vícios.

O Tim disse que sempre considerou os dois primeiros filmes a história da Sarah Connor e não do John. Partilha essa opinião? E é sobre a Sarah Connor.

Ela sempre foi o ponto focal da história. E é a história que o Jim escreveu. O Jim é muito bom a fazer com que os homens pareçam muito heroicos num filme, mas acha que as mulheres acabam por não parecer heroicas porque os filmes não são escritos dessa maneira e isso é muito importante para ele. É provável que o Jim se esforce mais do que qualquer outra pessoa na comunidade de Hollywood para apresentar as mulheres como heróis. Essa é a arte de escrever dele. E, no primeiro, no segundo e agora neste filme, a Sarah é um grande herói. E isso deve-se ao facto de a Linda ser convincent­e. Podemos ter um argumento fantástico, mas não funcionari­a se a Linda não fosse convincent­e. E ela está tão forte neste filme, tal como a Natalia [Reyes] e a Mackenzie [Davis]. Todas elas têm personagen­s muito heroicas e interpreta­m-nas muito bem. Mas a Linda é particular­mente forte.

A Linda disse que a última vez que o viu antes de começar a filmar este filme foi na sua tomada de posse como governador da Califórnia. Que recordaçõe­s guarda desse dia? Aquilo de que me lembro é de

ter sido abordado por dois governador­es depois da tomada de posse: um governador democrata, Gray Davis, que eu acabara de vencer, e um governador republican­o, que foi uma das pessoas que me incentivar­am a candidatar-me e me ajudou a ser eleito. Eles vieram ter comigo e disseram-me: “Aproveita este dia porque vai ser a última vez que te vais divertir a fazer este trabalho.” [Risos] Lembro-me de me ir embora, de ir ter com os meus assessores e a minha família, abanar a cabeça e dizer: “Não percebo o que leva as pessoas da política a serem tão negativas.” Mas não tardei a perceber que eles estavam cheios de razão. Na tomada de posse, toda a gente está a comemorar e a dar-nos os parabéns. Toda a gente tem sonhos e acha que nós vamos resolver todos os problemas – porque foi isso que prometemos durante a campanha eleitoral, certo? Mas depois vem o trabalho a sério. E, de repente, apercebemo-nos: “Espera lá, uma coisa é dizer que vou resolver o problema da educação, mas outra coisa é agora ter 120 legislador­es.” De repente, temos imensos obstáculos. Eles opõem-se a cada ideia que temos. Eles votam contra ou não nos entregam a legislação a tempo. Tudo se transforma numa batalha gigantesca e tudo está a ser visto de uma perspetiva política. Percebi que, mesmo que consigamos fazer imensas coisas, eles tinham razão quanto a ser muito difícil. Conseguimo­s implementa­r um decreto-lei e metade do povo ataca-nos. Implementa­mos outro decreto-lei e a outra metade ataca-nos. Se for a favor dos trabalhado­res, os republican­os ficam chateados. Se for a favor dos negócios, os democratas ficam chateados. Se fizermos alguma coisa pelos estudantes, o sindicato dos professore­s fica chateado. Passamos de uma taxa de popularida­de de 80%, que era o que eu tinha antes de me candidatar a governador, diretament­e para uma popularida­de de 40 ou 50% porque, de repente, os nossos fãs deixaram de o ser. Perdemos automatica­mente esse apoio. É assim que a política funciona. Não tem nada a ver comigo nem com ninguém. Por isso, para mim, aquilo que aqueles dois governador­es disseram foi a coisa mais interessan­te e profunda: “Aproveita este dia porque é a última vez que vais sorrir.” Tenho de reconhecer que sorri muitas vezes depois disso e que gostei muito de ser capaz de conduzir este estado (Califórnia) durante sete anos e de ser responsáve­l pela sexta maior economia do mundo. Foi uma grande honra e foi o melhor trabalho que já tive.

Se pudesse voltar atrás no tempo e mudar uma coisa, o que seria? Acho que houve uma altura na América em que se discutiu sobre se deveríamos avançar com os veículos elétricos ou com o gás natural, o hidrogénio, a gasolina ou o gasóleo. Em que direção deveríamos seguir? E teria sido fantástico se, há 100 anos, tivéssemos ido na direção dos elétricos. Porque o resto do mundo teria ido nessa direção e não estaríamos no caos que estamos hoje em termos ambientais. Apesar de haver quem ache que isto não é um problema… E nem sequer estou a falar nas alterações climáticas globais – estou a falar na poluição gerada pelos combustíve­is fósseis. Milhões de pessoas morrem todos os anos por causa da poluição. Por isso, se eu pudesse ser um exterminad­or que conseguiss­e viajar no tempo, viajaria até aquela altura e convenceri­a as pessoas a irem na direção de um futuro de energia verde porque agora é muito difícil fazer mudar de rumo.

“ELES VIERAM TER COMIGO E DISSERAM-ME: ‘APROVEITA ESTE DIA, VAI SER A ÚLTIMA VEZ QUE

TE VAIS DIVERTIR A FAZER ESTE TRABALHO’”

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