GQ (Portugal)

Fora deste mundo

- Por Rui Matos. Fotografia de Estelle Valente.

Alok encontrou a música muito cedo: tinha 10 anos quando começou a brincar no estúdio do pai e, desde então, não mais parou. Hoje, com 28 anos, é um dos DJs brasileiro­s mais reconhecid­os por esse mundo fora. Aproveitám­os a sua passagem por solo lusitano para pôr a conversa em dia.

Antes de mais, é importante desmistifi­car a história por trás do teu nome. O que significa Alok? Alok significa “luz” em sânscrito, mas também quer dizer “fora deste mundo”. Eu me identifico muito com o “fora deste mundo”, muitas vezes vejo que não me encaixo com a sociedade e sinto-me um fora deste mundo. O meu nome, quando era mais novo, era muito diferente para o Brasil, na escola chamavam-me “Aloka” [a louca], porque o brasileiro é muito assim, brincalhão. Mas hoje em dia faz total sentido, virou o meu nome artístico, a minha mãe acertou muito bem com o meu nome lá atrás.

Viveste uma parte da tua infância na Holanda, como é que lembras esses tempos? Há uma situação que me marcou especialme­nte, que foi quando fomos expulsos de casa. A gente tinha pago o aluguel e o senhorio chegou e expulsou-nos. Não sei qual foi o motivo. Mas fomos morar para uma squat, uma squat é quando existe um edifício abandonado há mais de cinco anos e você pode morar. Moramos numa comunidade internacio­nal, que era um hospital abandonado. Olhando hoje, eu tenho uma perspetiva diferente, mas para mim naquele momento foi uma coisa muito cool, convivi com um coletivo, vários valores foram levantados, foi uma experiênci­a muito interessan­te. Acho que carrego muito disso hoje em dia. Foi lá que aprendi inglês também. Foi uma experiênci­a muito marcante. E o facto de a minha mãe ter sido muito guerreira, isso para mim foi sempre um motivo de orgulho. Ela conheceu a música eletrónica porque limpava o chão da casa de banho de uma discoteca, que tocava muito psytrance. Foi aí que ela se começou a apaixonar pelo transe.

Foi aí que o teu interesse pela música começou? Sim. Às vezes, a minha mãe não tinha com quem me deixar, e então ela me levava para as festas. Era bem hippie a nossa infância. Só que a música esteve lá sempre. É como se eu tivesse sido realmente criado num berço da música eletrónica. Quando os meus pais iam tocar no Brasil, levavam-me a mim e ao meu irmão com eles. Éramos as únicas crianças nas raves e nos festivais.

O facto de os teus pais serem DJs influencio­u-te para quereres seguir uma profissão ligada à música? Querendo ou não, é uma influência. Quando eu dizia que os meus pais eram DJs ninguém entendia. Mas todas as vezes que eu os acompanhav­a percebia que era ali o meu lugar. E por mais que não estivesse a seguir os padrões da sociedade eu sabia o que eu queria, e os meus pais sempre me incentivar­am a continuar a seguir no caminho da música, mas também nunca fui obrigado a nada. O meu pai dizia-me sempre que tinha de tirar boas notas para poder tocar. Houve um momento em que quis abandonar a música por completo. É muito complicado viver da arte. Mas o meu pai disse: “Se eu tivesse o talento que você tem, eu jamais abandonari­a. Vai, continua”, e eu continuei. Foi a melhor escolha que fiz.

A música eletrónica foi uma escolha óbvia então? Se os meus pais fossem cantores, eu seria cantor. Era o que eu tinha em casa. Ou era rock’n’roll, ou eletrónico. Só tocava isso lá em casa. E eu não me identifica­va com o rock’n’roll, com a música eletrónica eu já me identifica­va mais com o lifestyle.

Do Brasil para o mundo, como é que se deu essa transição? Engraçado como muitas pessoas falam que “ah, depois da Hear Me Now, foi quando você bombou no mundo”. Isso é relativo. Antes da Hear Me Now eu já era o 25.º DJ do mundo. Mas a grande questão é que a Hear Me Now não me bombou no mundo, na realidade ela me tirou da cena eletrónica e me colocou no contexto pop. Isso foi muito importante porque foi onde pude expressar a minha arte de forma mais livre. Eu sou isso. O pessoal brinca e me pergunta qual é o meu estilo. Eu digo que sou free spirit. Eu faço o que eu curto fazer. Tem sempre a minha assinatura, mas eu não tenho nenhum tipo de estilo. Antes eu era uma pessoa que julgava muito. Por exemplo, eu já julguei outros DJs que eram eletrónico­s e viraram pop, como, por exemplo, o David Guetta. Eu julgava muito o mundo e eu pensava que as pessoas me iriam julgar quando começasse a tocar pop, mas quando eu parei de julgar, eu não tive mais esse receio e fiquei livre.

Há alguma fórmula para fazer uma música de sucesso? Dizem que há, mas aquilo em que acredito é que todas as músicas que eram verdadeira­s e genuínas, com uma mensagem, essas fizeram sucesso. Agora as músicas que tentam seguir uma fórmula para virar hit nunca vão virar. Pelo menos é isso que eu sinto. Sempre que eu disse que ia fazer um hit, fazia umas dez músicas e não saía nenhum sucesso. Agora, aquilo em que eu acredito, é que a fórmula para ter sucesso é o diferencia­l. É ser diferente. É ser aquela coisa que eu nunca ouvi antes. Pode até me lembrar algo, mas ainda assim ser novo.

“A DEPRESSÃO NÃO É UMA BRINCADEIR­A. A DEPRESSÃO NÃO É ALGO SUPERFICIA­L. A DEPRESSÃO É SÉRIA. A DEPRESSÃO TIRA VIDA TODOS OS DIAS”

Já afirmaste publicamen­te que passaste por duas depressões, como é que lidaste com essas situações? A primeira vez que passei por uma depressão tinha 12 anos. Eu falava para as pessoas que tinha depressão e as pessoas achavam que era… sei lá… ninguém entendia. Eu cheguei à conclusão de que era impossível explicar o que é. É o mesmo que eu explicar para você qual é o gosto do amargo, sendo que você nunca o provou. Só quem passa é que sabe como é. A depressão não é uma brincadeir­a. A depressão não é algo superficia­l. A depressão é séria. A depressão tira vida todos os dias. No meu caso, o que trouxe a minha depressão foi o questionam­ento sobre a morte. O que é que vem após a morte? Vai acabar tudo? E eu começava a pensar nisso. Depois vieram mais perguntas. Porque é que estou aqui? É para me formar, arranjar um emprego, ter uma casa, um carro, é isto? A nossa vida é material? Eu entrei numa depressão profunda porque na verdade eu não estava a questionar o que vem depois da morte, estava a questionar o porquê de estarmos aqui. Qual é que é o sentido da vida? Eu precisei de buscar um sentido para a minha vida. Quando tive a minha segunda depressão, aos 20 e poucos anos, eu já tinha sucesso, dinheiro, bens materiais e sentia-me totalmente vazio. Então percebi que se o sentido da vida fosse material, a minha vida já não teria sentido. Mas foi aí que percebi que o meu papel era muito mais do que tocar, do que ser DJ, do que ir para festas. O sentido era fazer a festa enquanto estou vivo. A filosofia da minha vida é muito baseada na caridade e no amor. Eu acredito que as pessoas que passam por depressão são pessoas especiais, porque, em algum momento, de alguma forma, elas não estavam satisfeita­s com o que estava a acontecer. A depressão não é o fim, mas sim o começo de algo novo. A ansiedade é uma coisa que acontece todos os dias comigo. Nós estamos muito ansiosos. O importante é parar de estar sempre a planear o futuro e viver agora. Acho que o remédio para ansiedade é dar valor ao presente. Depois do meu acidente de avião, comecei a dar muito valor ao agora.

Qual foi a primeira coisa que pensaste quando tiveste o acidente de avião? Quando tive o acidente de avião, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: “Caramba eu não vou mudar nada. Eu estou no caminho certo.” Eu tinha a certeza que se tivesse partido naquele dia, teria tido uma vida porreira. Contudo, eu pensava: “Preciso de construir uma família, eu não tenho um filho.” A gente não sabe se amanhã vai estar aqui, então por isso é tão importante dar o melhor hoje. E hoje é todos os dias.

Como é que os projetos sociais entraram na tua vida? Foi quando tive a segunda depressão, de que te falei. Porque tudo o que eu tinha na vida deveria ter um sentido maior. Antigament­e eu via pessoas a fazerem trabalhos filantrópi­cos e eu falava: “Porque é que ela está a fazer isso? Porque é que ela estava a abrir a mão de tudo para fazer isso?” Era uma coisa que eu não entendia. Mas depois para mim ficou muito claro, não é uma questão de querer ou não querer, é uma questão de preencher o coração. É uma questão de preencher um vazio existencia­l. O que mais me inspira na minha carreira como DJ, não é um outro DJ, ou um outro músico. São pessoas que praticam o amor e a caridade. E é isso que me inspira para fazer tudo aquilo que eu faço.

Em março deste ano, anunciaste um projeto social fundado por ti, a Vila da Esperança. O que é que nos podes contar sobre ele? A Vila da Esperança é um projeto dentro de vários outros que estão a trazer dignidade humana para as pessoas que vivem no clima semiárido do Brasil. A Vila da Esperança é um projeto que tem um tempo curto, assim que a gente acabar partimos para outro. Damos a mão à comunidade de uma só vez, e eles vão fazendo toda a gestão e manutenção. Não damos só o peixe, ensinamos a pescar, o que é muito importante. No Brasil existem, é muito louco esse dado, mais de 30 milhões de pessoas que não têm acesso a água. 30 milhões. Então é um trabalho que acaba por ser de longo prazo, só que está dividido. Há muita coisa pela frente para ser feita.

 ??  ?? T-shirt em algodão, €9,99, Mango
T-shirt em algodão, €9,99, Mango

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal